O que fazer quando a sua rede social destaca um post como racista e esse post é de um vizinho? Esse é um problema que o Nextdoor, site criado para conectar pessoas que vivem em uma mesma região e que possui mais de dez milhões de usuários nos Estados Unidos, está tentando resolver.
O Nextdoor é como um Facebook, mas voltado para o bairro: as pessoas se inscrevem nele com seus endereços e dividem entre si notícias locais, como um aviso sobre um cãozinho perdido ou um alerta sobre um novo tipo de crime que vem sendo cometido nas redondezas. A ideia é muito boa mas passou a ser alvo de posts racistas, principalmente quando o assunto está relacionado a questões de segurança. Em alguns casos, os posts falam sobre “comportamentos suspeitos” e mencionam a cor da pele ou origem de uma pessoa, mas, no fim, a atividade descrita – levar o cachorro para passear ou bater na porta de vizinhos – não tem absolutamente nada de suspeita.
É aí que entram grupos como o Neighbors for Racial Justice (Vizinhos pela Justiça Racial), em Oakland, Califórnia. Eles começaram a chamar a atenção para esse tipo de post e a cobrar um posicionamento das lideranças locais. “Muito frequentemente, usuários descrevem ‘comportamentos suspeitos’ e acabam por caracterizar racialmente os vizinhos que, na verdade, estão apenas cuidando das suas próprias vidas”, denunciou Annie Campbell Washington, membro do Conselho Municipal de Oakland, em janeiro deste ano, no seu perfil no Facebook. “Isso apenas prejudica nossas comunidades e não gera nenhuma informação realmente útil que possa servir de alguma coisa aos vizinhos ou mesmo à polícia”, completou ela.
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O Nextdoor, que opera em parceria com muitos departamentos locais de polícia, levou as reclamações a sério. “Como o Nextdoor virou um espaço de discussão sobre como tornar as comunidades melhores, é natural que questões como a racial sejam discutidas e debatidas [também neste espaço]. Mas não é aceitável quando menções relacionadas à raça de uma pessoa tomam uma forma de perfil racial [em que a vida de uma pessoa ganha suposto interesse simplesmente em razão da sua cor de pele]”, escreveu o co-fundador e diretor-executiv do Nextdoor, Nirav Tolia, em um blog.
No último ano, segundo Tolia, o site fez algumas mudanças para evitar esse tipo de comportamento nocivo, como introduzir um tipo de alerta para posts racistas, que ressalta ilegalidades de tal comportamento para o dono do post, e também uma janela pop-up que alerta para os cuidados que devem ser tomados antes que o usuário faça qualquer post na seção de Crime e Segurança do Nextdoor. Um dos alertas é que descrições que incluem tipo de cabelo, roupas, sapatos e até tatuagens são úteis nesses casos, mas que “identificar alguém apenas pela raça, não”.
Além disso, os posts dessa seção não estão mais abertos para comentários soltos. Quem realmente quiser alertar a comunidade sobre uma atividade suspeita precisará preencher um formulário, com informações próprias de um boletim de ocorrência. Segundo o Nextdoor, essa nova abordagem para esse tipo de denúncia reduziu em 75% o número de posts racistas nas comunidades em que já foi testada. Ao todo, o site tem usuários de 110 mil comunidades norte-americanas.
O Nextdoor está longe de ser o único aplicativo ou rede social lutando contra a discriminação racial. Em um caso extremo, no ano passado, o jornal The Washington Post publicou uma reportagem sobre como um serviço de mensagens desenvolvido pelo Georgetown Business Improvement District e a polícia de D.C. acabou resultado num esquema inescrupuloso de vigilância de compradores negros “suspeitos” em um dos bairros mais nobres da cidade.
Mesmo com as medidas concretas tomadas pelo Nextdoor, ainda há trabalho a se fazer – nem todos os envolvidos ficaram satisfeitos com o que foi feito. “Nós estamos fazendo o papel de consultores para eles, e eles estão encarando isso como um conselho pro-bono, voluntário, grátis, vindo da comunidade. E nós estamos felizes em dá-lo, porque faz nossa vida melhorar. Mas, com o passar do tempo, isso começou a parecer um pouco uma exploração”, desabafou Audrey Williams, membro fundadora da Neighbors for Racial Justice, ao site Buzzfeed, dando a entender que se esse é um problema do site não é a comunidade que deve resolvê-lo, mas o próprio site. Ainda assim, frisou Williams, a colaboração “é uma vitória para nós, e uma vitória para eles.”