A cidade do Rio de Janeiro acordou para a resiliência com uma tragédia. Em abril de 2010, 67 pessoas morreram em decorrência das chuvas que não pararam de cair, por três dias seguidos. Três meses antes, tempestades que atingiram a região serrana, no interior do estado, levaram a mais de 900 mortes. Uma cidade resiliente é aquela preparada para resistir e reagir a eventos extremos. É do que o Rio precisava. A série de ações tomadas pelo município culminou, no fim de novembro, com a criação de um organismo só para isso, dentro da prefeitura.
O Escritório de Sustentabilidade e Resiliência (ESR) surge no fechar das cortinas da gestão Eduardo Paes (PMDB). Gestor em período de Copa do Mundo e Olimpíada, Paes colocou as políticas do Rio relacionadas ao tema no cenário internacional. Em 2013, o município integrou a primeira leva do “100 Cidades Resilientes”, da Fundação Rockfeller. Os cariocas criaram uma gerência de resiliência em 2014. Funciona dentro do Centro de Operações Rio (COR), que desde 2010 monitora o impacto que eventos naturais podem ter na cidade, 24 horas por dia.
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O COR já contava com uma gerência de resiliência, com atribuições similares às que terá o Escritório. Mas a mudança de status pode ressaltar a importância da iniciativa, que deixa de ser subordinada a um centro de controle, e passa a ter vida própria. A resiliência passa a ter um órgão de referência para os demais entes públicos, e também para a sociedade, explica Pedro Junqueira. Responsável pelo Centro de Operações, ele também é gerente do escritório recém-criado. O ESR também tem autonomia para cobrar de outros órgãos públicos o cumprimento de metas.
A criação de um novo órgão é uma piscada de olho para o prefeito eleito Marcelo Crivella (PRB) manter o trabalho feito por lá. Ele já anunciou a extinção de 12 das 24 secretarias existentes no município.O futuro do ESG é incerto. Em seu plano de campanha, Crivella falou em “aumentar a presença da Guarda Municipal no COR, para que o mesmo fique mais voltado à questão da vigilância da cidade”. Sinal de que o COR pode ficar mais voltado à prevenção de crimes do que de desastres (embora especialistas em segurança questionem a efetividade do uso de câmeras para tornar as cidades mais seguras).
Um dos maiores centros de operações do mundo, o COR monitora cerca de 800 câmeras do município, além de outras 400 cedidas por concessionárias e pelo governo do estado. Representantes de mais de 30 órgãos, da Defesa Civil à Secretaria de Trânsito, fazem plantão no local. A estratégia de uma cidade resiliente é utilizar a estrutura para monitorar possíveis desastres e dar respostas, quando necessário.
Se há previsão de uma chuva forte, por exemplo, um alerta é disparado para as esferas do governo e para uma rede de líderes comunitários. Além do contato direto com o público pelas redes sociais (a página de Facebook do COR tem 248 mil de seguidores).
Resiliência deve estar no projeto de futuro da cidade
Evitar danos na iminência de um desastre é importante. Mas é só a ponta do iceberg. Construir uma cidade resiliente passa, acima de tudo, por um planejamento que leve em conta os fenômenos que podem atingi-la e causar alguma tragédia. A tarefa é hercúlea. Muitas cidades no Brasil e no mundo ainda sequer resolverem problemas elementares, como a falta de moradia adequada.
Além de resolver tensões sociais já existentes, as cidades devem levar em conta que os desastres devem ser cada vez maiores e mais frequentes. A agência das Nações Unidas (ONU) para Refugiados (Acnur) estima que, só nas últimas duas décadas, o número de desastres naturais registrados passou de uma média de 200 para 400 ao ano. Destes, nove em cada dez são relacionados às mudanças climáticas. O documento indica que 20 milhões de pessoas perderam suas casas em função destes eventos só no ano de 2008.
O documento que resume a estratégia carioca de resiliência indica a grandiosidade do problema. A Visão Rio 500 preconiza que, em até 50 anos, nenhuma família da cidade deve morar em situação de alta vulnerabilidade física; que o Rio deve se preparar para as mudanças climáticas; e com todos os seus cidadãos informados, preparados e engajados para reagir. Ambição alta, em especial na cidade brasileira com o maior número de pessoas morando em favelas, onde quase um quinto da população vive abaixo da linha da pobreza, segundo dados do IBGE.
Órgão próprio não resolve problemas sozinho
Mudar o eixo do desenvolvimento é a parte mais difícil. E também a que realmente importa, avalia a economista Norma Valencio, do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais em Desastres (Neped) da UFSCar, de São Carlos. Em outubro, ela debateu em Curitiba aspectos de governança e resiliência, em congresso que reuniu algumas das maiores autoridades brasileiras sobre o tema. Ainda assim, é cética quanto à criação de uma nova estrutura de governo para o tema.
Um dos riscos é gerar custos para a máquina estatal, gastos estes que os municípios brasileiros hoje têm dificuldade em absorver. Além disso, Norma teme que a medida seja inócua. O Escritório corre o risco de clamar por resiliência, mas o alerta passar batido pelos outros órgãos da administração pública. O ideal, diz ela, é um constante treinamento com as lideranças comunitárias e com os técnicos ligados à gestão pública, para “renovar a concepção de cidade”
Por fim, a economista alerta que a crença de que um centro de controle dará conta de uma cidade resiliente pode ter uma consequência ruim: a de ignorar os reais problemas que podem ser causados ou agravados com os desastres naturais. “Como se tal monitoramento virtual estivesse sendo efetivamente eficaz para a proteção integral do cidadão, uma falácia”.
Valencia exemplifica. Seria fácil propor a “remoção” em favelas, muitas vezes consideradas “áreas de risco”, na busca por resiliência. Difícil é fazer a melhoria dos serviços ali prestados, para evitar que haja problemas. Igualmente complicado é encarar que muitas áreas de risco estão em regiões nobres, e que mexer nestes terrenos envolve o confronto com quem ali está estabelecido.