Tramita no Senado um projeto de modificação da Lei do Inquilinato com foco na regulação de serviços de aluguel por temporada como o Airbnb. Já na Câmara dos Deputados, a Comissão de Turismo ganhou a tarefa de elaborar sugestões para uma proposta de regulamentação geral da economia compartilhada no país, que ganharia uma comissão especial na Casa no ano que vem.
São duas frentes de atuação nacional que não entram em consenso nem sobre o que é o Airbnb: um concorrente dos hotéis e das agências de viagem? Uma imobiliária online? Se de um lado os ditos negócios tradicionais alegam estar à beira do colapso diante da concorrência de sites e aplicativos de alcance mundial “que não pagam impostos”, de outro está uma plataforma que não se encaixa facilmente na legislação já existente no país. Pior: uma plataforma cujo impacto difere de cidade para cidade e portanto exige uma regulação flexível.
O PLS 748/2015, que busca uma regulamentação do Airbnb foi protocolado no fim do ano passado no Senado. Em fevereiro deste ano teve o senador Ronaldo Caiado (DEM) designado como seu relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Casa, mas nada aconteceu. No último dia 5 de dezembro, a senadora Ana Amélia lemos (PP) foi apontada como a nova relatora da matéria, mas nada indica que o projeto andará no Senado antes do fim de 2016, ano conturbado em Brasília.
Já na Câmara, o lobby pela regulamentação do Airbnb e plataformas semelhantes é grande na Comissão de Turismo – algo agravado pelo ambiente de recessão geral que vive o país e que tem afetado o setor. Na última quarta-feira (8), a Comissão deu o primeiro passo na tentativa de estabelecer uma discussão sobre o tema, realizando um seminário em que pesquisadores, membros do setor hoteleiro e do próprio Airbnb foram colocados frente a frente. O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), Dilson Jatahy Fonseca Junior, foi um dos interlocutores convidados a abrir as discussões na Comissão. Embora entre um argumento ou outro o dirigente tenha aproveitado para rasgar elogios aos deputados pela iniciativa, Fonseca Junior não escondeu a irritação do setor hoteleiro com o Airbnb, listando vários pontos que evidenciariam a concorrência desleal que esses negócios representam em relação à dita economia formal.
“O IPTU por exemplo. Quem é dono de hotel paga o IPTU comercial, muito mais caro. Há ainda diferença em outros custos: administrativo, responsabilidade perante código do consumidor, água, luz, e outros. Os hotéis estão sendo fechados; em média, um por mês nas grandes cidades. O governo diz que não tem dinheiro para pagar folha [uma referência à crise de alguns governos estaduais], mas está liberando uma atividade econômica [como essa]. Estamos numa briga intensa para a criação da mão de obra intermitente temporária [na reforma trabalhista], mas eles [Airbnb] já têm isso”, provocou o presidente da ABIH. Para Fonseca Júnior, o Airbnb precisa não só pagar impostos como “empresa grande” que é, como também está “devendo” pelo menos cinco anos de impostos à União, aos estados e às cidades.
Caminho sem volta
Mas ao que tudo indica, uma simples inclusão desses novos serviços na Lei Geral de Turismo não daria conta da diversidade de atuação dessas novas plataformas na economia. Além disso, a mestre em Gestão e Inovação do Programa de Engenharia de Produção da Coppe/UFRJ, Ana Lavaquial, que estudou o assunto a fundo e participou do seminário na Câmara, lembra que a economia colaborativa traz uma inversão de valores para o mercado e que já fisgou o consumidor contemporâneo. “É onde o meu valor [como empresa] é gerado pelo uso, pela experiência, pelo acesso, e não pela posse [do produto]. É o inverso da lógica de escassez que tem dominado o capitalismo tradicional. (...) [Essa nova economia] torna o mundo mais inclusivo, gerando valor de maneira diferente. Esse valor agora é um valor compartilhado, que gera vantagens colaborativas, não competitivas [aos outros atores do mercado]”.
Seria preciso, então, incluir os negócios colaborativos e/ou compartilhados em toda base legal existente, das leis trabalhistas, passando pelas normas tributárias, às garantias necessárias em termos de privacidade de dados dos usuários? As possibilidades de regulamentação do Airbnb e afins vão desde o cadastro de donos de imóveis como microempreendedores individuais (MEI), com todas as obrigações tributárias inerentes a essa figura hoje, a uma taxação direta das plataformas por cada locação feita.
Se por um lado o Brasil não tem um imposto turístico como a maioria dos países europeus, por outro nada impediria que o Airbnb pagasse o Imposto Sobre Serviços (ISS), por exemplo – algo que inclusive daria abertura para que as cidades decidissem, uma a uma, a melhor forma de fazê-lo. Esta última solução, mais ligada ao equilíbrio de concorrência em relação ao setor hoteleiro e também à arrecadação municipal, tem sido negociada pelo Airbnb com uma centena de cidades.
Na opinião de Beatriz Kira, assistente da Rede de Pesquisa Empírica em Direito (Reed) e líder de projetos no centro independente de pesquisas InternetLab, a regulamentação do Airbnb a nível local é um desafio no Brasil porque, diferentemente do caso do Uber, as leis ligadas ao turismo no país são federais, como é o caso das regras de hospedagem e locações. “Por esse motivo, imagino que a estratégia da empresa nesse momento seja buscar um diálogo com a Câmara dos Deputados. A empresa poderia também negociar com as administrações municipais, que têm competência para regular sobre assuntos de interesse local, mas parece não ter sido essa a estratégia adotada no momento.”
Oficialmente, o Airbnb se diz aberto às discussões: onde há uma taxa/imposto do turismo, a plataforma entende que um valor poderá ser cobrado dos anfitriões; a estipulação de regras ou a promoção de campanhas que prezem pela boa convivência com a “vizinhança global”; ou o exercício da transparência nos dados agregados/anônimos que ajudem também as cidades a medir os impactos reais das operações da plataforma.
Cada cidade, um problema, uma solução
O Airbnb tem tido impactos diferentes, em diferentes cidades. Barcelona e Lisboa, por exemplo, estão em lados opostos quando o assunto é o turismo. A cidade espanhola impôs condições como o cadastramento e o licenciamento para que os imóveis possam ser anunciados no Airbnb e tem limitado essas permissões desde 2014. Segundo a administração municipal, essas medidas foram tomadas porque Barcelona tem vivido um “excesso de turistas”. Como resultado, a prefeitura da cidade resolveu, no último mês de novembro, multar o Airbnb e outro site semelhante, o HomeAway, por terem anunciado imóveis não licenciados.
Já Lisboa tem se valido justamente do turismo para voltar a crescer, adotando uma postura mais branda com o Airbnb, estimulando o cadastro dos anfitriões, mas sem grandes limitações. Se de um lado a estratégia colaborou para que em 2015, a cidade, que tem pouco mais de 540 mil habitantes, registrasse 5,2 milhões de visitantes – 33% a mais que em 2010 –, de outro também resultou numa “troca” de moradores por turistas no Centro Histórico que tem sido alvo de discussões fervorosas da população, que quer que regras mais duras sejam impostas para preservar esses locais.
O Airbnb no Brasil
Entre junho de 2015 e junho de 2016 foram mais de 622 mil hospedagens via Airbnb no país. A maioria dos imóveis listados (70%) foram para locação da casa ou apartamento inteiros. Em média, os anfitriões que anunciam no Airbnb no Brasil costumam alugar seus imóveis por 20 noites no ano, conseguindo uma renda de R$ 5,5 mil ao ano.
Em Curitiba
Na capital paranaense, considerando dados de novembro de 2015 a novembro de 2016, os anfitriões costumam alugar seus imóveis pelo Airbnb por uma média de 31 noites no ano e obtêm uma renda de R$3,6 mil. São cerca de 1 mil anúncios ativos em Curitiba, sendo praticamente metade de imóveis inteiros e outra metade de quartos. Em um ano, foram 15 hospedagens via Airbnb na cidade, um aumento de 218% em comparação com o período anterior.
Os dados são do próprio Airbnb.
Não existe almoço grátis
A verdade é que o Airbnb, embora tenha nascido com base na ideia de compartilhamento, não é uma plataforma grátis. A economia colaborativa ali presente gera dinheiro e já foi até um tanto desvirtuada por outras iniciativas – há pessoas físicas e empresas, como a Guesty, se especializando em gerenciar imóveis anunciados no site. Diante disso, concordaram os especialistas na Comissão da Câmara na última quarta-feira (8), a regulamentação do Airbnb e de outras iniciativas da economia colaborativa é necessária. Ou como sugeriu o professor da UFPR e ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), ligado ao Ministério da Justiça, Luis Alberto Esteves em um parecer sobre o Uber, o caminho deve ser, primeiro, o da construção de uma base jurídica ampla, que insira os novos negócios no sistema atual, sem engessá-los demais, e, segundo, que caminhará para uma flexibilização da legislação atual no sentido de dar aos negócios tradicionais também a oportunidade de inovar, pagando menos impostos e ficando menos sujeitos à burocracia. O recado aqui é que o novo e o velho podem andar juntos. Prova disso é o investimento recente de cerca de US$ 40 milhões da rede hoteleira internacional Hyatt na plataforma Onefinestay , similar ao Airbnb.
Pelo mundo
Conheça alguns dos acordos que o Airbnb fez com algumas cidades onde atua:
Londres
O Airbnb anunciou que a partir de abril/março de 2017 não listará imóveis inteiros para locação por mais de 90 dias em Londres. A decisão é fruto do atendimento de uma determinação da capital do Reino Unido que teme os impactos do crescimento exarcebado da plataforma no estoque de imóveis para moradia da cidade. O Airbnb acredita que a preocupação é exagerada e cita dados de uma pesquisa encomendada ao Institute of Public Policy Research (IPPR), que diz que as residências listadas na plataforma representam apenas 1% do total de estoque de imóveis de Londres. De acordo com o próprio Airbnb, um anfitrião típico da cidade ganha, em média, 3,5 mil libras (R$ 14,9 mil) ao compartilhar sua casa por 50 noites ao ano. Muitos deles, pessoas que alugam quartos como forma de complementar a renda e pagar pelo aluguel na capital do Reino Unido, reconhecidamente uma cidade cara para morar.
Chicago
Em junho de 2016, o Conselho da Cidade de Chicago divulgou algumas condições para o funcionamento para o “compartilhamento de residências”, como a criação de um sistema de registro de anfitriões na cidade e também o estabelecimento de uma taxa direta a ser recolhida pelo município em cada reserva feita pelo Airbnb e plataformas semelhantes. O recolhimento de uma taxa direta pelo Airbnb para as prefeituras, aliás, é algo negociado pela plataforma com uma centena de cidades, principalmente naquelas em que já existe algum tipo de taxa de turismo.
Berlim
É uma cidade onde há um impasse. Alegando escassez de imóveis para aluguel de longa duração – o baixo estoque de imóveis para moradia é também um problema em Londres e Barcelona –, além de um aumento no custo do aluguel, a capital alemã baixou uma lei regulando o mercado de locação na cidade. Entre as medidas está o banimento do aluguel de curta temporada na capital alemã. O Airbnb, por sua vez, alega que a posição da cidade é exagerada, que os imóveis listados na plataforma são menos de 1% do estoque de imóveis de Berlim e que, portanto, não são risco para o mercado de locação para moradia (longa duração), nem influenciam significativamente os preços do setor. Especialistas, porém, apontam que medidas como as tomadas em Berlim foram feitas de olho num futuro próximo e para estimular uma negociação com as plataformas.
Barcelona
Em Barcelona, segundo o setor hoteleiro, a oferta via Airbnb e outros já teria ultrapassado a tradicional dos hotéis, o que seria um problema para uma cidade que não quer mais turistas, aliás alega estar recebendo “um excesso de turistas” – foram 9 milhões de visitantes em 2015. Na cidade espanhola, segundo as leis catalãs, todo imóvel colocado para locação de turistas deve ser registrado e licenciado para isso nos órgãos de turismo. Em novembro, o Airbnb e o HomeAway, um similar, foram multados em 600 mil euros por terem descumprido essa determinação, ao manterem nas plataformas o anúncio de imóveis sem permissão. À época o Airbnb lamentou a decisão e alegou que sempre recomendou aos anfitriões que eles sigam as regras de cada local.