Dois grupos de empresas e uma associação da sociedade civil apresentaram propostas para a eletromobilidade de Curitiba, nesta sexta-feira (30), em resposta à Pesquisa de Manifestação de Interesse (PMI) lançado em maio pela prefeitura. Nenhuma delas com Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Uma das propostas é para um Veículo Leve sobre Pneus (VLP) e as outras duas para ônibus (elétrico ou híbrido). Nos próximos dias, uma comissão técnica da prefeitura vai analisar os documentos e convocar as empresas interessadas para uma consulta pública. Nessas reuniões, o município pretende tirar dúvidas sobre temas como a tecnologia dos veículos, caracaterísticas da operação e da gestão tarifária.
As propostas entregues à prefeitura de Curitiba nesta sexta-feira (30) não trazem só projetos de implantação de infraestrutura e operação de transporte, mas possíveis modelagens contratuais e jurídicas para um novo sistema de transporte, envolvendo, inclusive, acordos interfederativos, com outros municípios da região de Curitiba. A expectativa da atual gestão é de que o edital seja lançado até o fim de 2016, mas pode ser que isso acabe sobrando para o próximo prefeito da cidade.
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O VLP foi sugerido pelo consórcio formado pelas empresas JMaluceli Construtora, M4 Consultoria e Pontoon Participações. O grupo vai utilizar a tecnologia da francesa NTL, que administra sistemas semelhantes em cidades como Paris, na França, Medellín, na Colômbia, e Xangai, na China. São ônibus com acesso no mesmo nível das calçadas, similar ao metrô, e que funcionam de forma 100% elétrica, sem baterias. Os veículos são ligados à rede elétrica no sistema de catenárias, de distribuição e alimentação aérea.
O trajeto seria o mesmo utilizado pelos BRTs na cidade. A ideia é adequar as canaletas à demanda atual da população de Curitiba, explica Sergio Vidoto, coordenador do projeto. Os carros têm capacidade para 358 passageiros (média de seis por metro quadrado), o que tornaria possível gerir uma linha de 125 mil passageiros ao dia com 21 carros, número considerado baixo. Como os veículos são estreitos, seria possível dois ônibus em cada sentido, nas canaletas. Um seria o direto (parando só em terminais), e outro o “pinga-pinga”, com paradas em todos os pontos. A primeira linha estaria operante em dois anos.
O projeto foi orçado tendo como base a tarifa técnica atual, de R$ 3,66, para uma média de oito a 12 mil passageiros por sentido, no horário de pico. Também foi considerada um acréscimo anual de 1,36% na demanda de passageiros – com base na taxa de crescimento vegetativo da Região Metropolitana de Curitiba entre 2000 e 2010, segundo o IBGE. Além disso, a proposta considera viável um “ganho” de passageiros em função da atratividade do sistema. Embora o custo de investimento seja superior ao do BRT (e pouco abaixo do VLT), Vidoto destaca que seu custo operacional é relativamente baixo, próximo ao do ônibus à Diesel. Entre as vantagens econômicas estaria o gasto com combustível (média de 4 kw/h por carro) e com desgaste do pneu (que seria pequeno, uma vez que o veículo corre sobre trilhos).
Outro grupo a participar da PMI é formado pela Nórdica Volvo (representante de vendas dos veículos pesados do Grupo Volvo no Paraná), pela Cesbe Engenharia (construtora paranaense que hoje tem se interessado por projetos de infraestrutura) e pela Associação Metrocard (responsável hoje pela bilhetagem das linhas da região metropolitana de Curitiba). A proposta do grupo é o City Vehicles Interconnectd (Civi) ou ainda o BRT 2.0, a evolução do sistema nascido e criado na capital paranaense.
Segundo o porta-voz do grupo, o especialista em mobilidade urbana da Volvo Bus Ayrton Amaral Filho, a proposta do Civi envolve os quatro trechos sugeridos pela prefeitura e também o Norte-Sul. Com ônibus articulados híbridos tipo Euro 6 e similares aos Hibribus que já circulam na capital, o sistema teria 300 novas estações, que não exigiriam mais rampas e seriam conectadas via fibra ótica, com monitoramento por câmeras e informações disponíveis em tempo real por meio painéis, internet e aplicativos. Além disso, a pavimentação das vias seria feita com concreto. “Com ônibus articulados que podem ultrapassar uns aos outros, tudo isso significa ganho de tempo. Aumentamos a velocidade operacional atual em cerca de 50%”, explica Amaral Filho. A velocidade maior de operação compensaria a desvantagem em termos de capacidade física de transporte do ônibus em comparação a um VLT, por exemplo.
A infraestrutura para os cinco trechos seria implantada em dois anos e no início do terceiro ano pelo menos um deles já estaria em operação. Tudo a um custo de R$ 27 milhões por quilômetros – dois terços para a infraestrutura e um terço para a aquisição dos veículos – e uma tarifa média estimada em R$ 3,80. “Estamos falando da requalificação de 106 quilômetros de vias exclusivas, sendo que do Shopping Estação ao Clube Curitibano, um trecho de quatro quilômetros, a passagem seria subterrânea, mantendo os projetos originais da prefeitura de Curitiba de fazer um boulevard, um parque na superfície (...) A contrapartida da prefeitura estaria ligada a um fundo e giraria em torno de R$ 170 mil ao mês, que não é nada perto do investimento previsto.”
O grupo diz ter usado a atual demanda de passageiros acrescida de da taxa de crescimento vegetativo da RMC para chegar a essas estimativas de custos. O único trecho a contar com uma expansão de demanda mais considerável , ao longo dos anos, é a Linha Verde. “Com base no próprio Plano Diretor de Curitiba, estimamos que, em 25 anos, o trecho pode sair dos atuais 31 mil passageiros/dia para 120 mil passageiros/dia”, diz Amaral Filho. Ele garante que a PPP em questão não ficaria amarrada a uma garantia irreal de passageiros – um dos principais problemas existentes hoje com o atual contrato da capital com as concessionárias de ônibus.
A Sociedade Peatonal, representada pelo engenheiro André Caon, propôs um ônibus 100% elétrico com uso de baterias, que faria o trajeto entre a CIC e o Parque da Imigração Japonesa. A estimativa de custos foi feita com base no modelo de negócios da chinesa BYD, que já fez testes em Curitiba, e vende ônibus elétricos ao preço do veículo à Diesel, e as baterias pelo modelo leasing. Isto reduziria o investimento inicial de R$ 45 milhões para R$ 12,7 milhões. O dinheiro viria da iniciativa privada que, ao final da operação, teria lucro de R$ 5 millhões.
A diferencial da proposta é a forma de operação do sistema. A sociedade propõe uma cooperativa de trabalhadores para a produção do transporte. Além disso, a Sociedade apresentou estudos de outras formas de financiamento, além da tarifa, que em médio e longo prazo viabilizariam a tarifa zero no sistema. Uma destas fontes seria a Cide, imposto que incide sobre os combustíveis. Seria uma forma dos usuários de carros e veículos à combustão devolverem à sociedade os danos ambientais causados, ao financiar o transporte coletivo elétrico.
Próximas etapas
A prefeitura deve anexar estes estudos ao resultado da pesquisa origem e destino, previsto para o final do ano. O estudo, que irá indicar como se movimentam as pessoas que vivem e transitam por Curitiba, “vai permitir uma revisão do sistema de transporte na capital”, segundo o presidente da Urbs, Roberto Gregório.
A eletromobilidade deve ser uma solução para o transporte de alta capacidade na cidade, função hoje cumprida pelas linhas do BRT (os “biarticulados”, como são conhecidos pela população). Outra vantagem é a questão ambiental. O atual sistema de transporte público da cidade é composto quase exclusivamente de ônibus movidos à diesel.
A linha de BRT Santa Cândida/Capão Raso, por exemplo, já foi identificada por especialistas como um “canyon urbano” de emissão de poluentes. Isto porque o trajeto é permeado de prédios, que impedem a dispersão dos poluentes na atmosferericos.
Roberto Gregório, da Urbs, comemorou a boa adesão à PMI. “Quando você lança um desafio para o mercado e ele vem com respostas consistentes, robustas, mostra que a prefeitura está no caminho certo”. O presidente da Urbs também destacou o caráter interfederativo da pesquisa, que abriu a possibilidade de parcerias com os governos estadual e federal e até com outras prefeituras, já que há traçados previstos que ultrapassam os limites de Curitiba.
A PMI é como um pré-edital, que serve para o poder público testar o interesse do mercado em investir no tema, além de reunir informações técnicas que podem embasar uma futura licitação. Isto porque os estudos devem apresentar estimativas de custo, tarifa, forma de administração do sistema, entre outras variáveis que devem ser levadas em conta pelo gestor do sistema de transporte.
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