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Na última segunda-feira (23), o CEO do Uber, Travis Kalanick, cometeu algumas gafes ao dar entender que as atividades da empresa não vão para frente na Europa porque a região tem uma cultura ultrapassada. | Dan Taylor/Heisenberg Media/Creative Commons
Na última segunda-feira (23), o CEO do Uber, Travis Kalanick, cometeu algumas gafes ao dar entender que as atividades da empresa não vão para frente na Europa porque a região tem uma cultura ultrapassada.| Foto: Dan Taylor/Heisenberg Media/Creative Commons

Em uma palestra na última segunda-feira (23) em Bruxelas, Bélgica, o CEO do Uber, Travis Kalanick, revelou sua visão sobre a mobilidade urbana: compartilhar carros para o trajeto até o trabalho, do jeito que as pessoas fazem nos “tecnologicamente avançado” Estados Unidos e China.

Em São Francisco e 19 cidades da China, disse Kalanick, milhares de pessoas usam o User Pool, o serviço de carona compartilhada do Uber que começou a operar no Brasil no último mês de abril e consiste em um usuário pedindo um carro e dividindo-o com outros usuários desconhecidos que estejam indo para o mesmo lugar. Mas isso não é possível na Europa em razão de um “conjunto de regulações”. “Imagine se os 300 mil cidadãos de Bruxelas que dirigiram até o trabalho nesta manhã pudessem pegar alguém pelo caminho e obter um pequeno lucro fazendo isso?”, disse o CEO. “Mais pessoas viajariam juntas e nós teríamos menos congestionamento, o ar estaria menos poluído e nós viveríamos em um lugar melhor. A cidade nem precisaria impor taxas para fazer isso acontecer.”

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Para Kalanick, este é o problema com o Uber na Europa: os executivos da companhia acreditam que estão trazendo sua expertise e “inovações milagrosas” para “uma cultura ultrapassada” que resiste a mudanças por nenhum razão óbvia. Os europeus não são tão ultrapassados assim, no entanto, eles usam o que costumam chamar de, vejam só: “transporte público”.

Para exemplificar o quanto os europeus confiam no trânsito, basta comparar com São Francisco, uma das poucas cidades dos EUA onde pessoas usam o transporte público quase tanto quanto também usam o carro para ir ao trabalho: 33% dos habitantes da cidade pegam um ônibus, bonde ou trem diariamente, e 36% costumam fazer esse trajeto sozinhos em seus carros. A área de BRT da baía de São Francisco registrou 132,1 milhões de viagens em 2014. No mesmo período, o metrô de Bruxelas contou 133,4 milhões de viagens – em uma cidade com uma população equivalente a um sétimo da população da cidade norte-americana.

Em toda a Europa – tanto na área urbana quanto na área rural – 16% usa o transporte público pelo menos uma vez ao dia; outros 19% algumas vezes por semana. Nos Estados Unidos, como um todo, essa parcela é de 5%. Isso significa que mais ou menos a mesma parcela de europeus como também de moradores de São Francisco vão para o trabalho de ônibus ou trem. Isoladamente, Nova York tem mais pessoas pegando o transporte coletivo que, por exemplo, Londres ou Berlim, mas isso é uma exceção norte-americana.

É bastante fácil ver porque a população usa o transporte público na Europa: é limpo, eficiente, acessível e barato, porque é altamente subsidiado. Governos pagam porque vale a pena: um ônibus ou (em particular) um vagão de metrô é extremamente eficiente em carregar muitas pessoas de uma única vez.

A BlablaCar, uma empresa com sede na França, e a alemã Carpooling.com, que visam o mercado de compartilhamento de caronas para longas distâncias na Europa, contam com uma média de 2,8 pessoas por carro em comparação à média 1,7 pessoa da média normal da região. Esse é o aumento significativo, mas não se iguala às dezenas de pessoas que um ônibus pode levar.

Até mesmo essa densidade é difícil de alcançar no compartilhamento de curtas distâncias, simplesmente porque as rotas das pessoas não coincidem tanto assim. Em dezembro do ano passado, a cidade de Helsinki fechou o Kutsuplus, um serviço de compartilhamento de viagens que funcionava a partir de uma combinação de rotas e reservas pela internet bem antes da chegada do Uber. Os micro-ônibus azuis frequentemente viajavam meio vazios, porque, em grande parte, os caminhos das pessoas pouco se cruzam. As cidades europeias são pouco planejadas, não definem zonas comerciais direito, o que torna o compartilhamento de viagens difícil em curtas distâncias, até mesmo com bons algoritmos como os do Uber, que realmente conectam pessoas que vão para um mesmo lugar.

Um viagem no Kutsuplus custava US$ 5,5 (ou 5 euros), mas a cidade colocou sobre essa quantia mais um imposto subsidiário de 17 euros. O serviço tinha uma pequena frota de 15 ônibus, e seus fundadores disseram que os custos teriam sido reduzidos se o negócio tivesse ganhado escala. Uber, com o seus enormes recursos financeiros e experiência, não tem problemas com ganhar escala, e provavelmente teria uma redução rápida em seus custos numa operação na Europa. Ainda assim, o Uber Pool, com um custo equivalente a 45% de uma viagem pelo serviço regular do aplicativo, cobra preços mais próximos de um serviço de táxi do que de uma passagem de metrô ou ônibus.

Há um problema ainda maior em abrir mão do próprio carro para usar um serviço de compartilhamento: significa abrir mão da privacidade do mesmo jeito que se faz no transporte público. As pessoas não dirigem seus carros em um cidade congestionada como São Francisco ou Londres porque elas são más ou estúpidas; mas porque elas valorizam seu trajeto como um tempo para si mesmas e em que elas podem ouvir suas músicas favoritas ou pensar na vida. Com um serviço como o UberPool, há outros problemas, como os trajetos entre um usuário e outro. Até mesmo os motoristas não gostam das viagens compartilhadas – eles não fazem dinheiro suficiente para compensar o incômodo. Para os passageiros, o nível de conforto não é significativamente maior do que num ônibus, mas o preço é.

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Ainda assim, Kalanick tem um argumento para as autoridades europeias: a companhia dele pode, teoricamente, reduzir congestionamentos e poluição a custo nenhum para os contribuintes se isso for suficiente para convencê-los a usar o UberPool. Os europeus não vão necessariamente comprar essa ideia, no entanto. UberPool está ativo na área da baía de São Francisco desde 2014, com nenhum efeito visível, notável, sobre congestionamentos, que estão apenas ficando cada vez piores.

No fim, pode ser, apenas, que o Uber não tenha a solução para os problemas de congestionamento das cidades europeias e que seja apenas um outro serviço de táxi com aplicativo – como muitos outros que já operam nesses lugares, mas com algumas garantias sociais a mais para seus motoristas.

Neste caso, Kalanick não deveria aprender a “falar europeu”, como ele disse ter tentado na Comissão Europeia na última segunda-feira (23). O que ele precisa mesmo é de um melhor entendimento sobre a realidade de transporte da região, onde os serviços de sua companhia competem diretamente não apenas com um serviço de táxi consolidado mas também com uma rede de transporte altamente eficiente. As autoridades têm boas razões para considerar outras soluções como um caminho melhor para uma boa mobilidade urbana do que dar ao Uber o comando da coisa.

Tradução: Fabiane Ziolla Menezes
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