Ouça este conteúdo
O ministro Luiz Fux votou a favor de ampliar a responsabilidade das redes sociais por conteúdos publicados por usuários nas plataformas. Ele seguiu a posição de Dias Toffoli, que votou na semana passada pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI), que diz que os provedores só podem ser punidos na Justiça por conteúdos ofensivos de terceiros caso descumpram uma ordem de remoção dessas publicações.
O julgamento foi suspenso por um pedido de vista do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, que prometeu apresentar seu voto na próxima quarta-feira (18), quando a deliberação será, portanto, retomada.
Segundo Toffoli, é provável que a decisão fique para o ano que vem, uma vez que a próxima semana é a última antes do recesso do Judiciário. Além de Barroso, faltam votar outros oito ministros da Corte. As sessões em plenário só serão retomadas em fevereiro.
Em seu voto, Fux criticou o regime de responsabilização das redes criado pelo Marco Civil da Internet. Ele é relator de um recurso do Google contra decisão da Justiça de Minas Gerais que obrigou a empresa a indenizar em R$ 10 mil uma professora inconformada com a criação de uma comunidade virtual no antigo Orkut repleta de ofensas à sua aparência e personalidade.
Na época, ainda não existia o Marco Civil da Internet, e os juízes do caso entenderam que o Google deveria ter apagado a comunidade depois que a professora notificou a empresa, dando ciência dos conteúdos ofensivos e pedindo a remoção da plataforma, para preservar sua imagem. Na época, havia jurisprudência no sentido de responsabilizar as plataformas a partir dessa notificação direta, o que mudou com a edição do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
“Tendo o Google obtido conhecimento inequívoco da existência do conteúdo lesivo, porquanto devidamente notificada, e sendo as postagens apontadas na notificação, obviamente ofensivas à honra da mesma e ilícita, tinha a recorrente [Google] o dever de indisponibilizar a comunidade criada no Orkut. Não tinha interesse nenhum [em manter]. As redes sociais foram criadas para circulação de notícias de interesse público, para criação de novo ambiente de negócios, não foi para isso”, disse Fux, sobre o caso concreto.
Ele defendeu que, quando houver notificação da pessoa ofendida diretamente para a rede, a empresa responsável retire imediatamente aquela postagem do ar. Para Fux, se quiser manter o conteúdo removido, a plataforma ou o autor devem ir à Justiça para defender sua licitude, para então republicá-lo. Disse que essa lógica “inverte o ônus da judicialização”. “Notificou, tira. Quer botar de novo? Judicializa”, resumiu o ministro.
“Entendo que não se compatibiliza com a Constituição um regime de responsabilidade civil que exonere amplamente as empresas provedoras de internet de atuarem no limite de suas possibilidades para preservação de direitos fundamentais lesados em decorrência de conteúdos postados em suas plataformas, principalmente quando foram pré-avisadas”, afirmou ainda, ao falar sobre o que, para ele, deve prevalecer em casos semelhantes.
Críticas à atuação das redes sociais
Em boa parte do voto, Fux criticou as plataformas, acusadas por ele de lucrar com a viralização de postagens agressivas. Afirmou que, na época da criação do Marco Civil da Internet, o objetivos da lei, inclusive com a imunidade do artigo 19, era fomentar a inovação na internet com novos serviços, de modo a não punir as plataformas pelo que os usuários faziam.
“O Marco Civil tinha como diretriz a promoção do direito de acesso à informação, ao conhecimento e à participação da vida cultural e pública. Vamos vendo que os objetivos foram sendo desvirtuados, porque o que dá dinheiro não bem é isso. Claro que aumentar o mercado do negócio é importante. Mas uma fofoca, uma inverdade, uma deep fake, 'claro que dá', isso rende, é ‘bom’, é da natureza humana, mas mostra o caráter também”, afirmou.
Em outro momento, Fux comparou as redes à imprensa, dizendo que veículos de comunicação têm mais responsabilidade pelo conteúdo que publicam.
“Olha que zona de conforto. A plataforma vem e fala assim: ‘não tenho como tirar, deixa isso aí, é para garantir a liberdade dos negócios’. E como é que garante a liberdade dos negócios? Degrada uma pessoa. Mas por que isso garante o aumento dos negócios? Porque isso circula, viraliza, e quanto mais clique, na viralização da degradação, aparecem mais anúncios, rende mais dinheiro”, disse ainda.
“Agora pergunto: a imprensa tradicional pode fazer isso? Ela não pode. Ela liga para a pessoa, pergunta se procede e depois publica a reportagem. Mas não sai assim com essa viralização em minutos, sem nenhuma preocupação, nenhum monitoramento, nenhuma avaliação de atendimento da reclamação do interessado. Numa Constituição que tem como um dos pilares da República o respeito ao ser humano? O homem hoje é o centro de gravidade do ordenamento jurídico. Um dos pilares da República é a dignidade da pessoa humana”, disse.
Inteligência artificial também é tema de discussão no STF
No final do voto, outros ministros discutiram se a decisão do STF sobre o tema também deve incluir conteúdos ofensivos gerados por inteligência artificial. Alexandre de Moraes defendeu que sim, mas Flávio Dino foi contra, ao lembrar que o Congresso ainda discute a questão – o Senado aprovou nesta semana um projeto de lei relacionado.
“Lá no eleitoral [Tribunal Superior Eleitoral], como aqui, acho que as plataformas têm a obrigação de informar que aquela mensagem, imagem ou áudio são manipulados por inteligência artificial. Acho que já devemos aproveitar o momento, até porque a questão das responsabilidade das redes inclui a inteligência artificial. A inteligência artificial não é nova modalidade de notícia fraudulenta, é uma forma de anabolizar a notícia fraudulenta”, disse Moraes.
“Creio que não devemos incursionar ainda no tema da inteligência artificial, porque o processo legislativo está em curso, por deferência à atividade legiferante. Acho que não devemos avançar na inteligência artificial, nem nas plataformas comerciais, como de marketplace”, disse Dino, em referência a parte do voto de Toffoli que afeta o comércio eletrônico.