A Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República tem utilizado as redes sociais do governo federal para lançar indiretas e ironias a adversários políticos. O novo estilo de postagens corresponde ao que os usuários de redes sociais costumam chamar de "lacração": postagens feitas mais para impressionar, ganhar aprovação nas redes, dar lições de moral e subjugar o adversário do que para favorecer a comunicação, geralmente com toque de deboche ou sarcasmo.
Várias dessas publicações têm sido feitas em dias de operações da Polícia Federal (PF) contra opositores. No fim de janeiro, após uma operação da PF contra o vereador Carlos Bolsonaro, o perfil do governo federal nas redes publicou um conteúdo sobre o combate à dengue com a expressão "toc, toc, toc", em alusão às batidas policiais em investigações.
Em outra postagem no mesmo dia, a Secom empregou a frase "Grande dia", usada como jargão por Bolsonaro, para falar sobre o pagamento do novo valor do salário mínimo.
Na quinta-feira (8), dia em que assessores do ex-presidente foram presos pela Polícia Federal (PF) no âmbito do inquérito do 8 de janeiro, a Secom não fez postagens desse tipo. De acordo com uma informação publicada na sexta-feira (9) pelo Blog do Noblat, do site Metrópoles, funcionários do órgão receberam orientação expressa para evitar comentários ironizando o evento.
Para Rafael Domingues, doutor em Direito do Estado pela USP, o deboche a opositores contraria princípios da administração pública presentes no artigo 37 da Constituição. "O governo tem que ser mais contido que um cidadão. A administração pública tem que obedecer à legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência", diz.
Desses princípios, o que mais se vê atingido pelo novo estilo de postagens da Secom é o da impessoalidade, que prevê tratamento igual a todos os cidadãos. Com o partidarismo escancarado, as postagens têm despertado indignação de usuários direitistas das redes.
A postura do governo não é nova; em 2023, a secretaria já havia feito algumas publicações que cutucavam opositores de forma irônica, como no caso das joias da Arábia Saudita. Em março, em postagem sobre a declaração do imposto de renda, um leão representando a Receita Federal aparecia dizendo, em uma ilustração com balão de fala: "E aí, tudo joia?".
Em maio, quando Bolsonaro se tornou foco de uma investigação conduzida pela Polícia Federal sob acusação de falsificar seus documentos de vacinação, a Secom usou a ocasião para destacar a necessidade de observar os protocolos de saúde antes de realizar viagens internacionais.
"Fique ligado! Muitos países ainda exigem o protocolo de vacinação para que brasileiros possam visitar. Portanto, informe-se antes de viajar. Além disso, é fundamental para a saúde pública que todos e todas estejam vacinados", postou.
Também em maio, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou o registro de candidatura do ex-deputado Deltan Dallagnol (que era Podemos-PR e depois migrou para o Novo-PR), a Secom fez uma arte sobre o governo com referência à famosa apresentação de PowerPoint que apontava Lula como figura central da Lava Jato.
Com base no artigo da Constituição que prevê o princípio da impessoalidade, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) chegou a protocolar, em março do ano passado, uma representação no Ministério Público Federal (MPF) contra a Secom por uso indevido de comunicação. Para Domingues, ainda que as postagens realmente estejam em desacordo com esse princípio, a sutileza do conteúdo dificulta qualquer tipo de repercussão do ponto de vista judicial.
A Constituição também diz que a publicidade de atos do governo "deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos". Embora as ironias contra opositores não atendam diretamente a propósitos educativos, informativos ou de orientação, Domingues não considera que isso seja suficiente para sancioná-las.
"É tão sutil que ficaria difícil comprovar que eles violam os dispositivos legais. O interesse público exigiria um comportamento melhor, sem dúvida, mas não consigo enxergar uma violação explícita dos dispositivos constitucionais", afirma.
Essa dificuldade de judicializar o caso não significa, contudo, que usar as contas oficiais para rivalizar com adversários seja uma postura de acordo com os princípios democráticos. "A democracia pressupõe um debate minimamente racional e respeitoso. Qualquer tipo de polarização não colabora em nada", diz.
Governo investe pesado em modernizar a comunicação
O novo estilo não é casual nem fruto de uma ação pontual: faz parte da estratégia da Secom de modernizar sua linguagem nas redes, como revelou publicamente o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, na terça-feira (6).
Em entrevista ao site Poder 360, Pimenta disse que a demanda constitucional de que as campanhas tenham um caráter orientativo ou informativo foi atendida com a postagem do "toc, toc, toc". Para ele, o novo estilo adotado pela Secom corresponde à dinâmica das redes sociais, que exige que se aborde o assunto do momento para atrair engajamento.
"Naquela semana do 'toc, toc, toc', houve várias postagens de oportunidade. Nós fizemos uma sobre o Oscar, uma sobre o final da novela, outra sobre uma frase que foi dita no Big Brother. Qualquer pessoa hoje que trabalha na rede fica acompanhando", disse. "Se está todo mundo falando num assunto, como é que eu falo sobre outro assunto na rede? Nós tínhamos decidido: 'vamos entrar com uma ação preventiva de esclarecimento sobre a dengue'. Temos um problema hoje de que muitas pessoas, quando chega o agente comunitário, ficam constrangidas. E surgiu, então, a ideia do 'toc, toc, toc'. Sinceramente, foi uma ótima ideia. E a própria repercussão mostrou que nós tivemos um alcance em cima de um tema que nós queríamos dar relevância extraordinária", acrescentou.
Pimenta avisou na mesma entrevista que a Secom deverá continuar fazendo postagens desse tipo, mesmo com críticas vindas da direita e até de alguns esquerdistas.
As controvérsias com a Secom do terceiro governo Lula vêm desde o começo de 2023, quando o órgão polemizou ao criar a iniciativa "Brasil contra fake", uma agência de checagens própria que só posta checagens favoráveis ao governo.
Em 2023, segundo levantamento feito pelo site Nexo, a Secom aumentou os gastos com anúncios na internet em 40% em relação a 2022, atingindo R$ 45,5 milhões, com destaque para um crescimento significativo nos investimentos em publicidade no TikTok. O aumento reflete uma estratégia de ampliação da presença do governo Lula em ambientes digitais com predomínio de jovens.
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