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Segurança

Gangues semeiam o medo em Curitiba

Eles provocam medo nas ruas e discussões semânticas nos gabinetes. Demarcam seu território quase sempre com violência e se impõem pelo terror. Levantamento inédito realizado pela Gazeta do Povo revela não haver uma só região de Curitiba que não tenha adolescentes consorciados para atividades marginais, de pichações a furtos, de depredações a confrontos armados. No imaginário social, são a representação do jovem perigoso que, em grupos, perambula pelas ruas pronto para atacar. Não faltam termos para defini-los conforme o nível de periculosidade – galera, patota, bando, corja, quadrilha –, mas ainda que nem sempre sejam perigosos, uma única expressão os tem igualados: gangue.

Embora nem todas as gangues sejam de áreas pobres ou violentas, as rixas costumam ser mais sérias nos bolsões de miséria. Há dois meses, um desses bolsões, fincado no bairro São Braz, em geral de boa valorização imobiliária, tem sido sacudido por tiros. A sucessão de assassinatos e vinganças revela que a disputa por espaço no submundo de Curitiba já não se dá só no bairro Parolin e na Vila das Torres, redutos das duas favelas centrais da capital. Informações de setores públicos e privados ligados à segurança pública, em todas as regionais, permitiram à reportagem chegar a um número estimado de 98 grupos juvenis de atuação delinqüente em Curitiba.

A maioria está desvinculada do crime organizado, transita no limite entre a transgressão das normas sociais e a delinqüência, mas há os que ultrapassam, e muito, essa linha imaginária e vão ao extremo da violência, caso das gangues Vila do Sapo (VDS) e Comando do Extermínio (CDE), arqui-rivais que puseram o até então pacato São Braz no mapa do crime. As rixas que se arrastam há oito anos no bairro culminaram na morte recente de quatro jovens, todos abaixo de 21 anos, e outros três feridos. Dois integrantes de cada facção estão presos. As brigas ocorrem pela intolerância na defesa de um território que o grupo julga ser dele.

Querelas de infância viraram guerra de adultos também em outros bairros. Na zona Sul de Curitiba, a Rua Rogério Xavier Rocha Loures determina os limites das turmas do Xapinhal e do Pirineus. "Os piá do Xapinhal vão dar tiro lá", diz Polaco, nome fictício de um "gangueiro" de 15 anos recolhido pela quinta vez à Delegacia do Adolescente Infrator, quatro por furto e uma por descumprir medida socioeducativa. Pela contas dele, houve 10 mortes no lado do Xapinhal nos últimos cinco anos, enquanto no Pirineus foram "só" duas baixas. Desde os 11 no Comando do Pinheirinho– Morgados, o moleque já se meteu em sete confrontos com gangues rivais. Como ali, em outras regiões o pavor faz parte da rotina dos moradores.

Identificação

Longe de um consenso, o conceito difuso do que vem a ser uma gangue dificulta a identificação dos grupos que semeiam o terror nos bairros. Os interesses de cada grupo e as diferentes percepções que a polícia, a população e os estudiosos têm deles dificultam classificá-los como galera, gangue ou quadrilha. Um grupo vinculado ao narcotráfico na Vila das Torres tem objetivo diferente de um grupo de pichadores, mas ambos são vistos como iguais. A generalização se explica porque o tráfico muitas vezes decorre da pichação, pelo acúmulo de experiência e poder desses grupos. No São Braz, por exemplo, o Comando da Esquina mudou para Comando do Extermínio depois que os integrantes cresceram e mudaram seus interesses.

Calejado nas ruas do Tatuquara, uma das regiões mais violentas de Curitiba, um policial militar que não quer ser identificado diz que as gangues geralmente começam como grupos de pichadores e com o tempo podem virar grupos criminosos. Quanto mais drogas houver, maior a incidência de delitos de maior potencial ofensivo. "Quando amadurecem, percebem que o nome (do grupo) pode identificá-los mais facilmente, o que pode vir a ser um problema, e ao se intitular assim também acabam reduzindo o número de interessados em atuar com eles", diz o policial. Por isso, muitos desses grupos não se autodenominam gangue.

Com ou sem essa denominação, as gangues são motivo de queixa até nas reuniões que o Instituto de Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) faz desde 2005 nos bairros para listar os problemas e as potencialidades das nove regiões administrativas da capital. A comunidade da regional do Bairro Novo listou 14 desses grupos e a do Boa Vista, 20. Nas demais, policiais civis, militares e conselhos comunitários de segurança ouvidos pela Gazeta do Povo dizem que o problema também está disseminado. Há grupos que se reúnem para beber e fazer arruaça, mas também os que se juntam para fazer furtos e assaltos à mão armada.

Denominá-los não é tarefa fácil. Segundo o oficial de projetos do Unicef, Mário Volpi, nas regiões Sul e Sudeste do país eles próprios se intitulam gangues, enquanto no Norte e Nordeste se chamam galera. Já o major Douglas Sabatini Dabul, policial com 28 anos de experiência no contato com os jovens nas ruas, vê aí um risco. Para ele, a carga simbólica por trás do termo gangue estimula o adolescente a idolatrá-lo. Mas o problema não está na nomenclatura. Em todo o Paraná, três mil adolescentes cumprem a cada ano medidas sócio-educativas em regime fechado ou de semiliberdade nos 17 educandários do estado. Nem todos chegaram ali por agir em grupo.

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