Personagem
A luta diária de Renata
A cada dia, Renata de Lima Villen, de 22 anos, depende mais da mãe, Cássia, de 46 anos. A alimentação é controlada, falta o equilíbrio para caminhar e o auxílio de médicos torna-se cada vez mais essencial. Portadora de Niemann Pick-C ou "Alzheimer infantil" doença genética degenerativa que evita a metabolização do colesterol, fazendo com que se acumule no cérebro , Renata enfrenta a doença graças a um medicamento, o Zavesca, obtido pela via judicial. Não fornecido pelo SUS, ele custa R$ 28 mil mensais.
Embora Renata venha de família de classe média, o valor do remédio inviabilizaria o tratamento. Por isso, os Villen procuraram a Justiça. Há sete anos, o Zavesca é fornecido pelo Ministério da Saúde por determinação da Justiça. "Ela foi a primeira pessoa do Brasil a tomar o medicamento", conta Cássia. O remédio serve apenas como atenuante, já que a cura (que seria metabolizar o colesterol) não foi descoberta. Além do Zavesca, Renata usa três tipos de anticonvulsivos e precisa ser acompanhada por fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionistas e médicos.
Entre os primeiros sinais, quando Renata tinha 11 anos e levava uma vida normal, até o diagnóstico, passaram-se quatro anos. Os sintomas incluem a dificuldade para movimentar os olhos, problemas para engolir, falta de controle muscular, declínio intelectual progressivo e convulsões. "Não dá para aceitar o argumento de que o remédio é caro e ver o filho definhando, sendo que existe tratamento. Independentemente do custo, estamos falando de uma vida", opina Cássia.
Associação
No Brasil, há somente 32 casos diagnosticados com Niemann Pick que usam o medicamento três deles no Paraná. A fim de ajudar outras pessoas a garantir o remédio e auxiliar nos cuidados, mães e parentes fundaram a Associação Niemann Pick Brasil (ANPB). "O objetivo é orientar as pessoas a como proceder para garantir o medicamento. Além de trocar experiências, auxiliamos a encontrar profissionais e dividimos os medicamentos, quando há sobra", relata Cássia, presidente da ANPB.
Legislação
Entenda como funciona o fornecimento de remédios pelo Sistema Único de Saúde (SUS):
Lei
- A legislação prevê a distribuição de medicamentos básicos aos pacientes atendidos pelo SUS. Para isso, devem constar na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename).
Excepcionais
- Para certas doenças caso do mal de Parkinson e da doença de Alzheimer, além das hepatites B e C , os remédios são fornecidos de forma gratuita.
Justiça
- Quando o medicamento não consta na Rename ou não é tratado como doença excepcional, o paciente pode acionar a Justiça.
De 2006 a 2010, o gasto do Ministério da Saúde (MS) com remédios via demanda judicial cresceu 1.611%. Saiu de R$ 7,7 milhões para R$ 132 milhões. No Paraná, o panorama é parecido: dos R$ 61 milhões usados para adquirir medicamentos, 58% ou R$ 35,7 milhões foram comprados por ordem de um juiz. Conhecido por "judicialização da saúde", o fenômeno reflete o acesso da população à Justiça e a burocracia para o Sistema Único de Saúde (SUS) incluir medicamentos na lista de fornecimento gratuito. Preocupada com o aumento dos gastos, a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei 12.401, estabelecendo novas diretrizes para a avaliação e a oferta de novos tratamentos pelo SUS. Embora seja analisado pelo lado da economia e da gestão pública, a judicialização envolve o fator humano: via de regra, os remédios representam vida ou morte de uma pessoa. Por essa razão, os juízes tendem a decidir de forma favorável aos pacientes.
Conforme o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), até junho de 2011, existiam 240.980 processos por remédios nos tribunais do país. A esperança do governo é tornar a lei um marco nas demandas de medicamentos via judicial. "O Judiciário passa a ter parâmetros para melhor avaliar ações judiciais pela população contra o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde", informou o ministério, via e-mail. A nova legislação entra em vigor a partir do mês que vem.
A movimentação do governo federal, aliada à criação de comitês para avaliação de novas tecnologias, pretende regular os gastos desenfreados com novos tratamentos. As áreas mais afetadas são as terapias contra o câncer e a busca por remédios para tratar doenças genéticas. "Há uma incorporação grande de novos medicamentos, produzidos com tecnologias diferenciadas e de alto custo. O processo de avaliação precisa ser dinâmico", explica a farmacêutica Lore Lamb, integrante do Departamento de Assistência Farmacêutica da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa).
O presidente da Comissão de Direito à Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil, Silvio Felipe Guidi, lembra que, mesmo com a criação da lei, qualquer cidadão ainda vai ter o direito de procurar o Judiciário. "Saúde é um direito fundamental do cidadão e um dever do estado", diz.
Ações
Além da lei, o governo federal diz estar investindo mais em medicamentos. De acordo com o Ministério da Saúde, o gasto em 2010 foi de R$ 6,4 bilhões 12,5% do orçamento em 560 tipos de medicamento. Em 2003, o R$ 1,9 bilhão investido equivalia a 5,8% do orçamento. Outra medida foi a criação do Fórum Nacional do Judiciário para Monitoramento e Resolução das Demandas de Assistência à Saúde. Instalado em parceria com o CNJ, o projeto busca medidas de aperfeiçoamento de procedimentos e prevenção de conflitos na saúde, sobretudo o fornecimento de remédios e serviços.
Médicos sofrem pressão de laboratórios e pacientes
Os médicos sofrem pressão tanto de pacientes quanto de laboratórios para receitar medicamentos de alto custo que não constam na lista do Sistema Único de Saúde (SUS). Alguns remédios nem sequer chegaram ao país e, por consequência, não foram analisados pelo Ministério da Saúde. "Os laboratórios não trabalham por benevolência. O mercado para medicamentos de custo elevado são os planos de saúde ou a pressão sobre o SUS, por meio dos próprios médicos", diz a farmacêutica Lore Lamb, da Secretaria de Estado da Saúde.
Além do lobby farmacêutico, o médico precisa suportar o desejo de pacientes e familiares. Uma vítima de doença grave tem a intenção de ser tratada pelo que há de mais novo. "Os profissionais são pressionados porque os pacientes também querem acesso às últimas tecnologias", afirma.
Seis meses
A Lei 12.401, além de estabelecer os critérios de eficácia, segurança e custo-efetividade para a inclusão de medicamentos, dá prazo máximo de 180 dias para a conclusão das análises do Ministério da Saúde. O presidente da Comissão de Direito à Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Silvio Felipe Guidi, vê com receio a definição de um prazo único. "Há estudos que vão demorar menos de 180 dias e vão cair na falta de celeridade do Estado. Outros medicamentos vão precisar de prazo mais extenso", diz.
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Interatividade
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