Entrevista
Aos jornais, com muito prazer
O gaúcho Wálter Galvani, 78 anos, tem autoridade para falar de jornais. Ele soma 13 obras publicadas e uma carreira longeva na imprensa gaúcha.
Digite "1919" no banco de imagens da internet, e pronto. É o que basta para encontrar fotografias de mulheres vestidas demais, famílias posando para as máquinas como se fossem cabeças coroadas de alguma casa real europeia. E muitos, mas muitos carros e "arranha-céus" de míseros 5-6 andares, ambos tão frufrus que parecem feitos à mão. Embora fosse ainda tímido se comparado a hoje, o progresso nos anos 1910-1920 beirava a luxúria. "Um desacato", dizia-se.
Havia buzinas e elas eram tão amadas quanto o apito das fábricas. Cinematógrafos a projetar ideias e virar cabeças. Telefones e telefonistas encurtando o mundo na base da conversa. Danças diabólicas que faziam sacolejar a franja das saias, sendo um sinal tanto quanto a energia elétrica de que o futuro tinha desembarcado deliciosamente hiperativo, disléxico e bipolar. Chegava sem distinção, nas estações nova-iorquinas e em rincões modestos do globo. Antonina, quem sabe.
Com tantas manchetes a fundir no fogo os tipos móveis, foi um bom ano para fundar um jornal. Foi o ano de nascimento da Gazeta do Povo, há 94 anos, desde então sem descanso. Ainda que tenha nascido numa Curitiba de parcos 80 mil habitantes menos do que o atual bairro do Cajuru o "diário", como se dizia, surgiu para atender uma região que, como tantas, viveria as paixões dos tempos modernos. Viver era contar. Contar era noticiar. Foram notícias o bastante para chegar à Lua, tanto papel fugazes como Félix, líricas como Chaplin, trágicas como Mussolini.
Não é demais dizer que a história de um jornal é a história do lugar onde circulou, dos leitores que teve e dos sentimentos que os moveram a sair de casa e despejar uns vinténs no colo do pequeno jornaleiro, fazendo desse gesto seu maior poder. O tempo, esse velhaco sempre novato, fica bem quando impresso em apressados clichês, debaixo de tensões de máquinas que podem pifar e de editores prestes a surtar, como chaleiras apitando. São ambos imperfeitos, acumuladores, assoberbados, superlativos e falantes incorrigíveis. Querem tudo agora, e em porcentos. Amanhã estão de volta.
Daquele 3 de fevereiro em que Benjamin Lins e De Plácido e Silva mandaram para o prelo a primeira matriz de uma Gazeta do Povo ainda guria, até hoje, foram mais de 30.360 edições, 30 governadores de estado, saltos populacionais que chegaram a 102% numa única década. Teve mate. Teve café. Teve soja. Entre folhas e grãos, acumularam-se umas tantas camadas geológicas de mudanças sociais e comportamentais, feitas a fórceps, expressas em passeatas e comícios na Rua XV, em saltos 15 e granjas loiríssimas, batas hippies e gírias que sempre soam mais estranhas do que são quando ditas com o sotaque daqui. Bacana.
São de lembrar o boom econômico do Norte Pioneiro e do Norte Novo. O Paraná que foi se redesenhando a partir de 1963, quando as geadas e queimadas deram sinais de apocalipse na economia. Uma página virou com o fim anunciado das Sete Quedas de Iguaçu, fato que dividia atenção no noticiário com as prosaicas enchentes do Rio Ivo e com o nu frontal de Norma Bengell em Os cafajestes. Que Ivo entrasse pelo cano. E Norma para Copacabana. No mais, iê-iê-iê, as misses, as intermináveis reformas na Avenida Marechal Deodoro conhecida como as Ruínas de Pompeia , o sarro tirado da Praça do Japão, "verdadeira cratera lunar". Isso é jornal, a menor distância entre o universo e um quintal do Umbará.
Outra página se inaugurou quando os curitibanos superaram seus complexos de moradores de uma terra gelada e tão cheia de limbo quanto um paralelepípedo do Largo da Ordem. Foi na década de 1970. A Gazeta estava lá, para registrar a segunda dentição. Canaletas, parques, os Vermelhões, o Calçadão, tudo tinindo de novo debaixo da maior das tiranias a ditadura militar, tirando o gosto dos Plocs e das Crushs.
Tal como em 1919, tudo muito estranho, mas para isso existe o jornal, para lidar com as contradições. As dos Atletibas que nos deixam nos nervos. As que fazem o número de favelas saltarem de 35 para 250 em 40 anos. As que nos fazem pensar se queremos ir de biarticulado ou de metrô. As que fazem espernear a cada vez que uma casa que testemunhou o século dá lugar a um feio edifício fumê.
O jornal não deixa ignorar. Aos 94 anos, mais do que isso, não deixa esquecer. Digite "2013".
** José Carlos Fernandes é autor de Todo dia nunca é igual, sobre a Gazeta do Povo, em parceria com Márcio Renato dos Santos.
Ação do Psol no STF pode fazer preço dos alimentos subir ainda mais
Aluno expulso do curso de Direito da USP se pronuncia: “perseguição política”
“Pena Justa”: as polêmicas do programa de segurança do governo federal. Ouça o 15 Minutos
“Algoritmos são direcionados ideologicamente para doutrinar pessoas”, diz Moraes em aula na USP
Soraya Thronicke quer regulamentação do cigarro eletrônico; Girão e Malta criticam
Relator defende reforma do Código Civil em temas de família e propriedade
Dia das Mães foi criado em homenagem a mulher que lutou contra a mortalidade infantil; conheça a origem
Rotina de mães que permanecem em casa com seus filhos é igualmente desafiadora