Piraquara abrigou hospital colônia
No Brasil, até a década de 1980 a Lei Federal n.º 610 de 13 de janeiro de 1949 recomendava o isolamento compulsório dos pacientes com hanseníase em colônias. A mesma lei ordenava a entrega dos bebês de pais com hanseníase à adoção, o que levou à separação de milhares de famílias. Esta situação perdurou até 1986, quando os antigos hospitais colônias então chamados leprosários foram transformados em hospitais gerais.
"A igreja permitia os casamentos, mas os filhos eram retirados das famílias e levados para educandários", conta Artur Custódio, coordenador do Mohran.
De acordo com ele, muitas dessas crianças eram entregues para adoção, perdendo o contato com os pais biológicos. "Para alguns era dito que os pais morreram, quando na verdade eles estavam vivos".
No Paraná, foi inaugurado em 1926 o Leprosário São Roque, construído no município de Deodoro, hoje Piraquara, na região metropolitana de Curitiba. Distante cerca de 25 quilômetros da capital, a unidade hospitalar era considerada modelo e tinha a estrutura de uma pequena cidade, com residências, áreas para agricultura e espaços de lazer, como campo de futebol. Inicialmente, a capacidade do hospital era de 500 doentes, mas há registros de que mais de 1,2 mil pessoas ocuparam suas dependências no fim da década de 1950.
De local de isolamento, o antigo leprosário se transformou no Hospital de Dermatologia Sanitária de Piraquara, voltado não apenas para o tratamento da hanseníase. No seu entorno formaram-se vilas de ex-pacientes.
Houve um tempo em que segregar portadores de hanseníase era lei no Brasil. Até a década de 1980, uma legislação federal recomendava que os portadores da doença, mais conhecida como lepra, fossem isolados em hospitais colônias, separados do convívio com a sociedade. Durante mais de 30 anos, essa política de isolamento fez com que milhares de pessoas perdessem o contato com pais e outros parentes. Com o auxílio da genética, um programa pretende facilitar o reencontro entre esses familiares.
Idealizado pelo Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), o Programa de Identificação de Familiares Separados pelo Isolamento Compulsório de Pessoas com Hanseníase vai possibilitar que exames de DNA identifiquem esses familiares. Estimativas da Secretaria Nacional de Direitos Humanos indicam que aproximadamente 40 mil brasileiros perderam contato com parentes durante o período em que vigorou a lei do isolamento compulsório.
O coordenador nacional do Morhan, Artur Custódio, explica que o programa foi inspirado na história das mães da Praça de Maio, na Argentina. Por meio de exames genéticos, elas conseguiram reencontrar filhos e netos retirados de seu convívio durante o período da ditadura militar. "A ideia é criar um banco genético com o material daquelas pessoas que foram mandadas para educandários e perderam o contato com os pais".
Pela saliva
Segundo Custódio, o Morhan já tem cadastradas 10 mil pessoas. O primeiro passo é mapear o histórico familiar e os documentos de pessoas que já identificaram prováveis parentes. Em seguida, o material genético coletado pela saliva será encaminhado para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde será feita a análise.
"A coleta de saliva não é invasiva, como a de sangue, e por isso facilita o manejo clínico. O processo de análise pode levar até 15 dias", relata a geneticista da UFRGS Lavínia Schuler Faccini. A coleta de DNA já foi iniciada e será levada a diversas cidades do país, nos encontros organizados pelo Morhan.
Separação temporária
Carmen Célia da Silva tinha 7 anos de idade quando seus pais foram encaminhados para o antigo Leprosário São Roque, no município de Piraquara, região metropolitana de Curitiba. Com o pai acometido pela hanseníase, ela e o irmão tiveram de ser mandados a um educandário. Hoje com 50 anos, ela não está nas estatísticas dos que perderam contato com os familiares, mas durante muito tempo arcou com a dor da separação. "Só fui ver minha mãe novamente quando tinha 17 anos", conta.
Tempos mais tarde, foi a vez dela ser internada no São Roque para se curar da hanseníase. Residindo atualmente no bairro Jardim Primavera, em Piraquara, ela relata que muitos dos seus vizinhos também foram separados dos pais e passaram períodos difíceis nos educandários. Pelo menos no seu caso, a separação foi temporária. "O pai cuidava muito bem da gente, não deixou que perdêssemos o contato".
Serviço:
Os familiares de pessoas com hanseníase e que desejam reencontrar familiares podem entrar em contato com o Morhan através do Telehansen (0800-026-2001), pelo e-mail coordenacao@morhan.org.br ou através do site www.morhan.org.br.
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