A ideia de que o presidente Jair Bolsonaro teria interesse em aplicar um golpe para instaurar uma ditadura militar no Brasil é tratada como uma ameaça real pela oposição desde que ele assumiu o governo, em 2019. Mas, para Aldo Rebelo, que foi ministro da Defesa no governo Dilma Rousseff entre 2015 e 2016 e tem diversos amigos no meio militar, essa hipótese é “um devaneio que não tem base na realidade”.
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Em entrevista concedida por escrito à Gazeta do Povo, Rebelo, que liderou diferentes ministérios durante as presidências de Lula e Dilma, foi membro do PCdoB durante 40 anos - entre 1977 e 2017 -, e atualmente está sem partido, mostra visões sobre o Brasil que fogem dos clichês ideológicos da esquerda.
Ele não aprova, por exemplo, a importação de teorias sobre o racismo dos Estados Unidos. No Brasil, segundo Rebelo, essas teorias estão sendo usadas para renegar a ideia da mestiçagem e propagar a noção de que temos “uma população de pretos e brancos em confronto por espaços na sociedade e sem uma identidade comum pela qual lutar”. Essa “teoria contrabandeada da América”, para ele, “encontra forte apoio nos meios de comunicação e nas corporações do mercado”.
Sobre as ingerências de autoridades e ONGs americanas e europeias na Amazônia, Rebelo afirma que é preciso “pôr um limite à arrogância dessas interferências”. “É claro que há ONGs humanitárias e filantrópicas, cujo trabalho é bem-vindo, mas a maioria não está aqui em busca do nosso bem, mas sim em busca dos nossos bens, como alertou o Padre Antônio Vieira, principalmente na Amazônia”, diz.
Rebelo já lançou sua pré-candidatura para as eleições de 2022 à Presidência da República, “estimulado por amigos” que acompanham sua vida pública, segundo ele. Suas principais ideias para o Brasil foram expostas no livro “O Quinto Movimento”, lançado em junho de 2021, sobre o qual ele discorre no começo desta entrevista.
Confira a entrevista na íntegra:
Recentemente, o sr. lançou um novo livro, “O Quinto Movimento”. Pode explicar resumidamente do que se trata?
Aldo Rebelo: O livro reúne minhas reflexões vividas desde os bancos escolares, das leituras da juventude e da maturidade, com as minhas experiências na vida pública, desde o Centro Acadêmico de Direito até a presidência da Câmara dos Deputados e os ministérios que ocupei. O título deriva da divisão que proponho da história do Brasil em quatro grandes períodos que chamo de movimentos para traduzir a ideia de que a história não é a cronologia morta dos acontecimentos, mas o movimento vivo das forças sociais em ação.
O Primeiro Movimento é o da formação do território, da base física da Nação, que compreende do ano zero de 1500 até o Tratado de Madrid, em 1750, celebrado entre Portugal e Espanha, quando foram demarcadas as atuais fronteiras do Brasil, que permanecem com poucas alterações.
O Segundo Movimento é o da Independência, que vai de 1750 a 1822, quando o Brasil se separou de Portugal, mantendo a unidade do território enquanto a América Espanhola fragmentou-se em 19 nações independentes.
O Terceiro Movimento é o da consolidação da Independência e da preservação da unidade do País em meio a guerras civis e movimentos separatistas ou quase separatistas que ameaçaram a unidade do território. O Quarto Movimento é a República de Deodoro, Floriano, Vargas, Juscelino e dos governos militares até o fim do governo Lula, quando o Brasil mergulha em uma espécie de síncope, iniciada pelo movimento Não Vai Ter Copa, que nos conduziu a uma desorientação que persiste nos dias atuais.
O Quinto Movimento é a proposta que apresento para a retomada da construção inacabada do Brasil, passando pelos temas da economia, ciência e tecnologia, Amazônia, Forças Armadas, democracia, agricultura, mineração, entre outros.
Em um dos trechos do livro, o sr. diz que a riqueza e a diversidade da nossa mestiçagem estão sendo atacadas pelo “identitarismo financiado e imposto de fora para dentro”, que trabalha para substituir “a nação mestiça de 500 anos por uma entidade nova, formada por pretos e brancos”. Estas teorias enlatadas, importadas de fora, são prejudiciais para a união do nosso povo?
Aldo Rebelo: Há uma campanha destinada a combater a identidade nacional brasileira baseada a mestiçagem. Esta campanha é o braço mais destrutivo da guerra híbrida praticada contra o Brasil. A destruição da ideia de uma Nação mestiça desmonta todo o edifício construído para oferecer uma interpretação crítica, mas generosa e otimista, da civilização brasileira.
Tudo o que fizeram José Bonifácio, Manoel Bonfim, Alberto Torres, Gilberto Freyre, Sergio Buarque e Darcy Ribeiro está sendo posto em questão por acadêmicos financiados por fundações norte-americanas decididas a provar que o Brasil tem o mesmo corte racial da sociedade nos Estados Unidos.
A partir dessa teoria enlatada, o Brasil não teria mais o povo brasileiro descrito por Darcy Ribeiro, mas sim uma população de pretos e brancos em confronto por espaços na sociedade e sem uma identidade comum pela qual lutar. Essa teoria contrabandeada da América encontra forte apoio nos meios de comunicação e nas corporações do mercado, por negar a nacionalidade e fragmentar a agenda de interesses comuns de todos os brasileiros.
Há uma grande suspeita, principalmente na esquerda, de que o presidente Jair Bolsonaro estaria planejando um golpe de Estado no Brasil. Como ex-ministro da Defesa, conhecendo bem as Forças Armadas brasileiras, o sr. considera que o perigo de um golpe militar no Brasil é real?
Aldo Rebelo: Nunca considerei a hipótese de participação das Forças Armadas em qualquer aventura golpista. As instituições armadas já carregam a dupla missão de defender a Pátria e ajudar na construção nacional em áreas como ciência e tecnologia, nos programas nuclear e espacial, na assistência aos sertanejos atingidos pela seca e aos ribeirinhos e indígenas da Amazônia.
Os problemas econômicos, sociais e de outra natureza criados pelos políticos e pela política não têm como ser resolvidos pelos militares. Imaginar uma ditadura no Brasil é um devaneio que não tem base na realidade. De quem seria a ditadura? De uma classe, de uma corporação? Esta hipótese não existe.
Como o sr. enxerga a atuação do Supremo Tribunal Federal, em particular no que se refere às decisões que podem ameaçar a liberdade de expressão no Brasil?
Aldo Rebelo: É evidente que o Supremo Tribunal Federal tem invadido atribuições próprias do Executivo e do Legislativo. Recentemente causou indignação entre os apoiadores do governo a proibição por parte do Supremo da nomeação de um delegado pelo presidente da República. Ora, se o presidente da República não puder nomear um delegado no pleno exercício de seus direitos funcionais, o que mais ele poderá fazer?
O problema é que antes o Supremo já houvera proibido a presidente Dilma de nomear Lula seu ministro; o presidente Temer de nomear a deputada Cristiane Brasil, filha do ex-deputado Roberto Jefferson, para o ministério; e em outra ocasião proibira o presidente Temer de exercer a prerrogativa de distribuir os tradicionais indultos de final de ano.
Tanto nos casos do delegado do presidente Bolsonaro e dos ministros da presidente Dilma e do presidente Temer, o Supremo, do meu ponto de vista, violou prerrogativas do outro poder. A verdade é que essas decisões são sempre apoiadas pelo lado da política que faz oposição às vítimas da violação.
Hoje não temos mais uma Constituição em vigor, mas aquilo que cada ministro do Supremo interpreta da Constituição. Não creio que o impasse entre os poderes possa ser resolvido por meio de ameaças e violência como procedem defensores do governo. Tais ameaças só têm fortalecido o próprio Supremo. É possível que o Brasil precise de uma nova Constituinte para restabelecer o equilíbrio entre os poderes.
Qual é a sua opinião sobre o atual julgamento em torno da demarcação de terras indígenas no STF?
Aldo Rebelo: Esta é outra matéria sobre a qual o Supremo já deliberou sem considerar a complexidade do tema analisado. Cometeu um grave erro no caso da Raposa Serra do Sol, quando decidiu sem que os índios fossem ouvidos e contrariando a vontade da maioria deles. Seria mais prudente deixar que esse assunto fosse resolvido pelo Congresso, onde há mais pluralidade e onde todos podem ser ouvidos em audiências públicas abertas e democráticas.
Como o sr. vê as manifestações de autoridades e ONGs europeias e americanas sobre a Amazônia?
Aldo Rebelo: A Europa e suas ONGs julgam o mundo uma projeção de sua cultura e confundem sua cultura com seus interesses geopolíticos, comerciais e econômicos. O mesmo ocorre com os Estados Unidos, que têm a América Latina como o espaço de sua projeção de poder.
O Brasil não possui reservas de poder como a China e a Rússia para impedir essas ingerências, mas deve enfrentá-las e pôr um limite à arrogância dessas interferências, e principalmente ao dinheiro que financia a sabotagem do nosso desenvolvimento. É claro que há ONGs humanitárias e filantrópicas, cujo trabalho é bem-vindo, mas a maioria não está aqui em busca do nosso bem, mas sim em busca dos nossos bens, como alertou o Padre Antônio Vieira, principalmente na Amazônia.
Como deve ser a cooperação entre o Brasil e os países estrangeiros no campo do meio ambiente?
Aldo Rebelo: O primeiro desafio é explicar a Amazônia para o próprio Brasil, que a desconhece, e para o mundo. É inaceitável que o bioma mais protegido do planeta seja motivo para colocar o País que o protegeu no banco dos réus da agenda ambiental do planeta.
O Brasil deve fazer um inventário de tudo o que tem na Amazônia e apresentá-lo para o mundo, dizendo que a Amazônia será protegida sem que o Brasil abra mão de sua soberania sobre a região, com direito da população da Amazônia ao pleno desenvolvimento e com a proteção das populações indígenas. Assim é possível aceitar a cooperação de todo mundo na proteção da Amazônia e de seus recursos naturais.
O Novo Código Florestal é prejudicial para os agricultores?
Aldo Rebelo: O Código Florestal impõe um pesado encargo aos agricultores brasileiros, apenas compensado pela segurança jurídica que ele oferece. Mas o Ministério Público Federal, o Ministério Público dos estados e muitas agências públicas do meio ambiente não aceitam a segurança jurídica e tratam injustamente os agricultores como inimigos do meio ambiente.
O Ministério Público e setores do Judiciário não aceitam o artigo 68 do Código, que trata das áreas consolidadas, a chamada lei do tempo, e querem obrigar o agricultor a recompor uma vegetação suprimida na época de Tomé de Sousa. Embora o STF tenha considerado o artigo constitucional, ele segue sendo contestado pelos ministérios públicos da União e dos estados e usado para autuação e multa contra os produtores rurais.
Como o sr. enxerga a gestão da ministra Tereza Cristina no Ministério da Agricultura?
Aldo Rebelo: Conheço a ministra Tereza Cristina desde quando era secretária de Agricultura do Mato Grosso do Sul e ajudou no debate do Código Florestal. Ela reúne conhecimento e espírito público para fazer um bom trabalho em prol da agricultura brasileira.
O Brasil é uma rota importante para o narcotráfico no mundo. Como solucionar este problema?
Aldo Rebelo: O combate ao narcotráfico é um dos temas que exige cooperação do Brasil com os seus vizinhos, com os quais temos litígios desnecessários, como é o caso de Venezuela, Bolívia, Peru e Argentina.
É um dos casos também em que pudemos cooperar com os Estados Unidos, país com o qual também vivemos em litígio desde a eleição do presidente Biden. O Brasil deve manter relações com estados e não com a ideologia de seus governantes.
Em junho, a comissão especial aprovou um projeto que busca a liberação do plantio de maconha no Brasil. Isso não seria arriscado do ponto de vista da capacidade de fiscalização do Estado?
Aldo Rebelo: O Brasil não consegue fiscalizar as áreas públicas sob seu controle, imagine as áreas privadas. Tenho a impressão de que há um interesse comercial muito forte nesse tema da legalização da maconha. É necessário que as autoridades ligadas à segurança pública e à saúde submetam tais propostas a um escrutínio muito rigoroso.
O sr. vai se candidatar à presidência. Por que optou por uma candidatura independente e quais serão as principais bandeiras da sua candidatura?
Aldo Rebelo: Fui estimulado por amigos que acompanham minha vida pública – trabalhadores, empresários, agricultores, pesquisadores, militares da reserva – a lançar uma pré-candidatura com a agenda proposta no meu livro “O Quinto Movimento”. Desde então tenho atendido convocações de associações de trabalhadores, estudantes e empresários para oferecer minha opinião sobre os desafios do Brasil e seu futuro.
Proponho três eixos em torno dos quais o Brasil deve retomar a sua construção inacabada. O primeiro eixo é a volta do crescimento, do desenvolvimento nacional, sem o que o País não terá como enfrentar a crise orçamentária, a crise fiscal, o desemprego e a crise da Previdência. O segundo eixo é o combate às desigualdades, que infelizmente voltaram a crescer no Brasil com a redução da renda da classe média e dos mais pobres e que têm como objetivo maior a valorização da escola pública como a melhor promessa de equilíbrio social no País. O terceiro eixo é a valorização da democracia, que no Brasil não é uma escolha ou opção, mas um destino, com todas as suas limitações e deformidades. É na democracia que o Brasil terá que fazer a mediação em torno de suas desigualdades e de seus desequilíbrios, mas aproveitando nossas virtudes civilizatórias para superar nossas deficiências.
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