O presidente Jair Bolsonaro (PL) editou dois decretos com o objetivo de desenvolver as atividades de extração mineral em pequena escala, que se concentram principalmente no bioma amazônico. A finalidade das novas normas é atender parte das demandas do setor garimpeiro, em especial quanto à redução dos prazos para análise das concessões de licença para a realização das atividades e à elaboração de políticas públicas específicas para trabalhadores do garimpo.
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Enquanto um dos decretos cria o Pró-Mape – Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala –, o outro altera diferentes leis que atingem o setor. De acordo com nota da Secretaria-Geral da Presidência da República a respeito das novas normas, “a mineração artesanal e em pequena escala é fonte de riqueza e renda para uma população de centenas de milhares de pessoas e é fundamental que as ações de governo reconheçam as condições em que vive o pequeno minerador, o alcance de sua atividade e as necessidades primárias da sociedade circundante”.
Apesar de os decretos, publicados em 14 de fevereiro, não autorizarem o garimpo ilegal (em áreas indígenas e unidades de conservação) e não flexibilizarem as regras ambientais para a concessão de licenciamento, entidades ambientalistas têm criticado os decretos e alegam que a medida seria um incentivo à extração ilegal.
Na última sexta-feira (4), o deputado federal Denis Bezerra (PSB-CE) apresentou um projeto de lei para suspender o decreto que cria o programa de apoio ao garimpo, sob a alegação de que as regras “vão na contramão das melhores práticas do desenvolvimento sustentável e representam ameaça à preservação ambiental e aos povos indígenas”. A proposta será analisada pelas comissões de Integração Nacional; Desenvolvimento Regional e da Amazônia; Minas e Energia; e de Constituição e Justiça e de Cidadania e só em seguida pode seguir para o Plenário.
Entenda os novos decretos sobre mineração
O primeiro decreto (Nº 10.965) altera uma norma anterior, de junho de 2018, que regulamenta o Código de Mineração, datado de 1967. O texto também faz mudanças na Lei 6.567/1978, que trata de minerais para a construção civil; na Lei 7.805/ 1989, que estabelece condições para garimpagem; e na Lei 13.575/2017, que criou a Agência Nacional de Mineração (ANM).
A norma determina que a ANM estabeleça critérios simplificados ao analisar os pedidos de liberação para as atividades - principalmente no caso de empreendimentos de pequeno porte ou de aproveitamento das substâncias minerais para uso imediato na construção civil. O setor garimpeiro aponta que esses prazos de análise costumam chegam a até dez anos em alguns casos, inviabilizando a execução das atividades por um longo período.
O texto também destaca a responsabilidade do minerador pela prevenção, mitigação e compensação dos impactos ambientais decorrentes dessa atividade, pela preservação da saúde e da segurança dos trabalhadores, e pela prevenção de desastres ambientais.
Já o segundo decreto (Nº 10.966), que cria o Pró-Mape, tem como propósito a elaboração de políticas públicas que estimulem o desenvolvimento da mineração em pequena escala, com foco no desenvolvimento sustentável. De acordo com o texto, o programa busca fomentar “políticas setoriais, sociais, econômicas e ambientais para o desenvolvimento da atividade de garimpo no país”.
Para conduzir as atividades, o decreto cria a Comissão Interministerial para o Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Comape), que é formada por integrantes de seis ministérios do governo, coordenados pelo Ministério de Minas e Energia. A Amazônia Legal, região que concentra a maior parte das atividades de mineração no país, é apontada como prioritária para o desenvolvimento dos trabalhos da Comape.
Entidades ambientais temem que decretos estimulem garimpo ilegal
O garimpo ilegal é responsável por prejuízos ambientais, gerando danos a rios, animais, plantas e comunidades ribeirinhas, sobretudo pela contaminação com o mercúrio utilizado para separar o ouro do cascalho. Sob a alegação de que os decretos devem estimular a extração em áreas protegidas, diversas entidades ambientalistas, em especial as que atuam no bioma amazônico, têm se posicionado contra as novas normas.
De acordo com Déborah Silva, gerente de biodiversidade da I Care Brasil – consultoria especializada em estratégia ambiental –, os decretos do governo podem estimular o avanço do garimpo para áreas indígenas e unidades de conservação, ainda que essa flexibilização não conste no texto.
“Uma grande preocupação com esses decretos, especialmente o que fala da mineração artesanal, é esse estímulo desenfreado, agora institucionalizado pelo governo federal, para flexibilizar algo que notadamente já é feito sem a fiscalização adequada e que já causa impactos assustadores não só para o meio ambiente, mas também para o meio socioeconômico da região”, afirma.
A gerente de biodiversidade explica que nos últimos anos tem ocorrido um avanço significativo do garimpo ilegal. Ela cita um levantamento do MapBiomas, divulgado no ano passado, que apontou que entre 2010 e 2020 a área ocupada pelo garimpo dentro de terras indígenas cresceu 495%. Nas unidades de conservação, o aumento foi de 301%.
“Por mais que o decreto não faça alusão a áreas protegidas, sabemos que o avanço do garimpo tem se dado nessas áreas que, como mostram dados oficiais, estão sofrendo muito com o avanço dessas atividades”, diz.
Medidas não fomentam ilegalidade, diz presidente da ABPM
Na avaliação de Luís Maurício Azevedo, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral e Mineração (ABPM), as novas regras não flexibilizam mecanismos para combater o garimpo ilegal e têm como principal contribuição promover a celeridade na análise dos processos de outorga.
“O governo não está dizendo que vai conceder todas essas licenças ou que vai deixar que o garimpo se estabeleça em qualquer território, como terras indígenas ou áreas protegidas, mas sim que esse processo de análise tem que ser acelerado, porque são atividades de menor impacto e, principalmente, de caráter quase que artesanal”, declara. “Se está sendo pleiteado o trabalho em uma unidade de conservação, por exemplo, isso vai continuar sendo negado, porque essas áreas são vedadas”.
Conforme explica Azevedo, além dos longos prazos para a conclusão das análises de outorga, em alguns casos os custos financeiros para a obtenção da licença chegam a dezenas de milhares de reais, ainda que para pequenos garimpeiros, dentre taxas e custos com geólogo e empresas responsáveis pelo licenciamento ambiental.
“Infelizmente, a opinião pública tem uma visão sobre a mineração que é calcada em atividades que são muito polêmicas e danosas, como por exemplo a mineração no leito dos rios em terras indígenas. Não tenho dúvida de que isso deva ser coibido. E, de acordo com um dos decretos, aquele que está minerando ilegalmente vai ter responsabilidade aumentada e multas mais pesadas”, ressalta.
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