O governo federal decidiu realizar consultas informais com juristas, especialistas em Segurança Pública e líderes partidários antes de fechar o projeto de lei para coibir a violência em manifestações. O diálogo tem sido conduzido, desde sexta-feira, pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. A proposta vai abordar a criação de regras para o uso de máscaras em protestos, o agravamento de penas para atos de vandalismo e a proibição da apreensão de câmeras pela polícia.
A estratégia atrasou os planos iniciais do governo e pode fazer com que o texto não seja aprovado até o início da Copa do Mundo, dia 12 de junho.
Até ontem, Cardozo já havia conversado com advogados, representantes do PCdoB e da Secretaria-Geral da Presidência, órgão do governo que faz a interlocução com movimentos sociais. As ideias iniciais divulgadas sobre a regulamentação das manifestações provocaram reações até de setores do PT. O medo é de "criminalização" de ações feitas por entidades como o Movimento Sem-Terra.
A assessoria do Ministério da Justiça informou que todas as alterações legais serão balizadas por dois incisos do artigo 5.º da Constituição. O 3.º diz que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". O 16.º estabelece que "todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização" e exige "prévio aviso à autoridade competente".
Até agora, a principal polêmica é quanto ao uso de máscaras por manifestantes. Depois de estudar a proibição, o governo deve flexibilizar a proposta, apenas esclarecendo que a autoridade policial pode determinar que o manifestante se identifique, mas somente em casos com risco de violência.
"Quando a Constituição fala em vedação ao anonimato trata de outras situações, como quando alguém escreve um texto para difamar outra pessoa. A meu ver, o texto constitucional garante ao cidadão que se reúna pacificamente, mesmo mascarado", avalia o juiz federal e professor de Processo Penal da UFPR, Sérgio Moro.
Em relação ao agravamento de penas, a proposta se choca com a última reforma do Código Penal, de 2011, que proibiu a prisão preventiva para crimes considerados "leves", com pena menor ou igual a quatro anos de prisão. A norma se encaixa nas penas para depredação de patrimônio privado (um a seis meses) e público (seis meses a três anos).
"Quem é apanhado depredando até vai para a delegacia para que seja lavrado o flagrante, mas não pode ficar preso. Há casos em que a lei aprovada em 2011 talvez tenha ido um pouco longe demais", diz o magistrado.
Crise política na base aliada afeta votação do projeto
Em crise com partidos da base aliada puxados pelo PMDB desde o início do ano, o governo deve enfrentar dificuldades para conseguir emplacar o projeto de lei sobre as manifestações na Câmara dos Deputados. A pauta do plenário está trancada desde o ano passado pela proposta que estabelece o marco civil da internet outro tema considerado prioritário pela presidente Dilma Rousseff."Do jeito que as coisas estão, qualquer texto que seja de autoria do governo ter problemas", admite o vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR). Projetos de autoria do Poder Executivo precisam primeiro da aprovação dos deputados para depois seguir para o Senado. O Ministério da Justiça já adiantou que a proposta sobre as manifestações terá urgência constitucional, o que pode agilizar a tramitação.Além das dificuldades de negociação política, o tema não é uma novidade no Congresso. Doze projetos do gênero estão em tramitação na Câmara e foram transformadas em um substitutivo pelo deputado Efraim Filho (DEM-PB). O texto também prevê o aumento da pena para danos ao patrimônio provocados em protestos.