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Um dia depois do ministro Silvio Almeida, dos Direitos Humanos, sair em defesa da ministra Anielle Franco, da Igualdade Racial, por associar a tragédia das fortes chuvas no Rio de Janeiro a “efeitos de racismo ambiental e climático”, o próprio governo decidiu vir a público justificar a tese da aliada.
Em um longo texto publicado no site da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), o governo busca explicar “o que é racismo ambiental” e de que forma isso supostamente “impacta populações mais vulneráveis”.
"A declaração da ministra da Igualdade Racial foi foco de diversas reações, algumas com objetivos de desinformação sobre o termo ‘racismo ambiental’", justifica o governo ao defender a tese da ministra (veja na íntegra).
O texto rememora uma expressão criada pelo químico estadunidense Benjamin Franklin Chavis Jr. na década de 1980 com uma análise da pensadora negra brasileira Tania Pacheco. A tese fala de impactos do “racismo ambiental” em favelas, comunidades indígenas e quilombolas e elenca medidas para combatê-lo.
“No Brasil, nas cidades e centros urbanos, o racismo ambiental tem um impacto significativo na população que vive em favelas e periferias, onde historicamente tem uma maioria da população negra”, diz trecho do texto.
A tese foi amplificada pela ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, que disparou que o “racismo ambiental” é uma realidade a ser enfrentada por conta de “eventos climáticos extremos” que afetam “duramente” as “pessoas pretas, mulheres, crianças e jovens”.
A ministra Sonia Guajajara, dos Povos Indígenas, seguiu na mesma linha e afirmou que tragédias como alagamentos e outras provocadas pelas mudanças climáticas mais atingem moradias de pessoas que “têm cor e classe”. “Negar isso serve apenas para a manutenção da realidade”, completou.
A tese de que o “racismo ambiental” atinge apenas pessoas pretas e jovens, no entanto, é contestada pelo deputado estadual paulista Guto Zacarias (União-SP), que publicou nas redes sociais uma lista de quatro pessoas brancas de idades variadas que foram vítimas de chuvas em anos anteriores, quando a expressão não era usada para justificar as mortes.
“Quantos inocentes perderão suas vidas para que a elite política invista em moradia digna, regularização fundiária, infraestrutura e saneamento básico? Racismo estrutural não existe. Demagogia estrutural, sim”, disparou.
Além de Zacarias, o economista e mestre em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), Joel Pinheiro da Fonseca, também criticou o uso da expressão para justificar os efeitos causados pelas chuvas no Rio de Janeiro. De acordo com ele, tratar esse problema estrutural das grandes cidades apenas como “racismo” afasta a sociedade da elaboração de soluções para evitar novas tragédias.
“Em vez de discutir obras de infraestrutura urbana, novas moradias – que nada têm a ver com cor de pele – vamos discutir o racismo na sociedade, discussão cuja conclusão obrigatória, já sabemos, é que ele é ‘estrutural’ e portanto só será resolvido com o fim do capitalismo. Era tão mais fácil melhorar o escoamento urbano”, escreveu em um artigo publicado na Folha de São Paulo na última segunda (15).
Para ele, a fala de Anielle Franco apenas repetiu “lugares-comuns do discurso progressista”.
“O roteiro é tão preguiçoso que já está batido: identifique um problema social qualquer que seja fruto da pobreza ou da desigualdade. Constate que, como negros são em média mais pobres do que brancos no Brasil, esse problema afeta desproporcionalmente mais pessoas negras. Pronto, você descobriu um novo tipo de racismo. Negros têm em média menos acesso à viagem de avião? Racismo aéreo. Negros têm mais dificuldade econômica de comprar um smartphone? Racismo telefônico. A solução dos problemas talvez fique mais distante, mas você terá mais engajamento nas redes do que se discutisse saneamento básico e distribuição de renda”, disparou na crítica.