Palácio do Buriti é a sede do governo do Distrito Federal| Foto: Lúcio Bernardo Jr / Agência Brasília
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O governo do Distrito Federal decidiu orientar as escolas públicas da sua rede de ensino a permitir que estudantes transgêneros utilizem o banheiro de acordo com a sua "identidade de gênero". A medida, comunicada por meio de uma circular da Secretaria de Estado e Educação do Distrito Federal (SEEDF), no último 27 de maio, é criticada por especialistas por não resolver o problema de transgêneros e, ao mesmo tempo, colocar em risco as meninas. Fora do ambiente escolar, de acordo com a Associação Internacional pelos Direitos Humanos das Mulheres (Women´s Declaration International - WDI), já existem denúncias de casos de abusos nos banheiros femininos feitos por homens que se utilizam desse benefício dado aos transgêneros para cometer assédio sexual e até estupro.

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No documento enviado pela SEEDF, com o manual de "Orientações sobre o uso dos banheiros por estudantes trans – travestis, transexuais e transgêneros ", afirma-se que, em casos emergenciais, quando os alunos transgêneros teriam sua “integridade física, psicológica e moral” ameaçadas, eles poderiam utilizar o banheiro dos professores até que houvesse outra solução. A circular fala ainda de identificar como “unissex” banheiros individuais da escola (com acesso a uma pessoa por vez).

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Ao ser questionada sobre a necessidade dessas orientações, a SEEDF explicou que se trata de um “direito assegurado por uma legislação extensa inclusive a Resolução nº 12/2015 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais”. A resolução, no entanto, não tem força de lei e tampouco existe legislação definitiva sobre o tema.

Em relação ao quantitativo de estudantes trans nas escolas públicas, a assessoria informou apenas que “não possui dados compilados da quantidade de estudantes que utilizam nome social da rede pública de ensino do Distrito Federal”.

Medida fere direitos femininos

Alguns orientadores e professores da rede pública de ensino do Distrito Federal, que preferem não se identificar, chamaram a medida de “polêmica e precipitada”. Outros reforçam que há assuntos e medidas mais urgentes a serem solucionadas nas escolas, principalmente relacionadas ao acompanhamento psicológico de estudantes que se dizem transgêneros e sobre os alertas de iniciar a transição de gênero de forma precipitada.

“Há questões mais importantes que essa construção de banheiro. A gente busca acompanhamento psicológico ou psiquiátrico para os estudantes que estão fazendo a transição e não conseguimos nada. Não há políticas de acolhimento para esses estudantes e penso que a construção de banheiros não é o que irá inclui-los”, disse uma orientadora pedagógica.

Já a Associação Internacional pelos Direitos Humanos das Mulheres (Women´s Declaration International - WDI), por meio de sua representação no Brasil, considerou a circular da SEEDF antiética e ilegal. De acordo com a entidade, chama a atenção a orientação em um cenário de riscos e casos de estupros já denunciados em banheiros transgêneros. A WDI reforçou que a melhor solução seria criar banheiros específicos para o público trans.

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“A medida fere os direitos baseados no sexo biológico de meninas e mulheres. Espaços separados por sexo (banheiros, vestiários, provadores de loja, prisões, abrigos para vítimas de violência doméstica, etc.) foram e são uma conquista histórica nossa. Meninas e mulheres têm direito à sua dignidade, privacidade e segurança”, respondeu a representante da WDI Brasil, Mariana Silva, à Gazeta do Povo.

Denúncias

A polêmica sobre os banheiros para transgêneros não é nova. No mês de abril, deste ano, um diretor foi afastado do cargo após não permitir que uma estudante transexual, biologicamente do sexo masculino, utilizasse o banheiro feminino. O caso foi registrado na Escola Estadual Antônio Padilha, em Sorocaba (SP). A mãe de outro aluno da mesma escola contou que o diretor agiu após receber relatos de meninas que se sentiam incomodadas com a situação de encontrar o rapaz, que se identifica como uma moça e cursa o ensino médio, no banheiro feminino.

Ainda de acordo com a mãe, o diretor tentou encontrar uma solução paliativa e teria oferecido um terceiro banheiro, provavelmente utilizado por funcionários, para que essa pessoa pudesse fazer uso. Mas não houve acordo e a estudante transexual seguiu utilizando o banheiro feminino.

Na época do caso, a reportagem da Gazeta do Povo questionou a secretaria sobre qual seria a orientação nesses casos em relação ao uso do banheiro. A pasta afirmou que cada situação deve ser tratada individualmente e que a decisão cabe ao Conselho Escolar.

Em novembro do ano passado, uma jovem trans denunciou ter sido proibida de usar o banheiro feminino de uma escola pública em Pernambuco. Após a denúncia, a Secretaria de Educação de Pernambuco instalou na escola um sanitário para pessoas não binárias, que não se identificam como pertencentes a um gênero exclusivamente, por sugestão da aluna que tem 17 anos.

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Em outros países, casos de estupro em banheiros unissex começaram a ocorrer com mais frequência. No Reino Unido, segundo um levantamento do jornal Sunday Times, 90% dos casos de estupros e abuso sexual em piscinas e centros esportivos públicos foram em vestiários ou banheiros unissex.

O psicólogo Vinicius Mota, integrante da Comissão especial LGBTQIA+ do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal, acompanhou a construção da circular feita pela Secretaria de Educação. Ele defende a medida e não vê riscos para a meninas. Para o psicólogo, os estudantes transgêneros estão em perigo e precisam de soluções para não sair da escola.

Segundo o psicólogo, o documento foi construído após a recepção de questionamentos de várias regionais de ensino que viram a necessidade de adaptar as escolas para essas diferenças. Vinicius acredita que um dos principais pontos da medida é naturalizar a discussão de gênero. Ao citar os pontos da circular, ele reforçou que o uso dos banheiros dos professores não pode ser impositivo.

“A questão do banheiro dos professores é paliativa até conseguir pensar um ambiente - não pode soar como um ato discriminatório - tem que ser construído com estudantes e familiares. Uma solução seria a construção de um banheiro unissex, nos moldes dos nossos banheiros, não deve ter mictório, porque reforça uma posição machista, e tira subjetividade do uso individual. O estudante trans ou qualquer outro pode fazer uso do banheiro de forma individual sem trazer constrangimento”, disse

Jurisprudência

Mesmo não havendo uma legislação específica para transgêneros no Brasil, juristas reforçam que a própria Constituição Federal define como um dos objetivos fundamentais da nação promover o “bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

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Além disso, existem normas que podem ser aplicadas a respeito do uso do banheiro por pessoas trans e há, inclusive, uma situação prática que foi julgada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Uma lei criada no município de Sorocaba, no interior de São Paulo, visava proibir que pessoas transexuais utilizassem banheiros, vestiários e entre outros espaços, em instituições de ensino fundamental (tanto públicas quanto privadas), de acordo com a "identidade de gênero".

De acordo com a referida legislação, estudantes, professores e até mesmo os demais frequentadores de uma escola deveriam utilizar o banheiro levando em consideração apenas o sexo biológico.

Contudo, a Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo entendeu que houve violação ao princípio da dignidade da pessoa e à liberdade de "orientação de gênero" e ingressou com uma ação na justiça em que questiona a legalidade da lei municipal.

A justiça reconheceu que, apesar de se tratar de um tema recente e polêmico, apenas a União tem competência para legislar sobre o tema. Portanto, nenhum município ou até mesmo estado pode criar leis a respeito do uso de banheiro por transgêneros - mesmo que até o momento não exista uma lei federal a respeito do assunto.

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No Supremo Tribunal Federal, há um processo que questiona se transexuais podem usar o banheiro público designado para o gênero com o qual se identificam. A ação começou a ser julgada em 2015 e, os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin votaram a favor do direito de transexuais usarem banheiros conforme sua “identidade de gênero”, ou seja, como se percebem (homem ou mulher), independentemente do sexo a que pertencem. O ministro Luiz Fux pediu vista do processo, e desde então o julgamento está parado. Faltam ainda os votos de outros nove ministros para uma decisão final, ainda sem data para ocorrer.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]