Há 20 anos as universidades estaduais do Paraná sofrem com a evasão docente, o sucateamento salarial, a destruíção de programas de ensino e outros graves exemplos de uma política pública inoperante em relação ao ensino superior. Essa é a opinião do professor do Departamento de Física da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Marcos César Danhoni Neves, 44 anos, secretário regional da Sociedade Brasileira de Pesquisa Científica (SBPC). As críticas ao descaso dos administradores públicos em relação às universidades estaduais foram abordadas em um artigo publicado no site do Jornal da Ciência da SBPC, sob o título "A destruição requiânica de um patrimônio público incalculável". Como exemplo de resultado dessa política estadual, Neves lembra dos 175 professores que deixaram a UEM nos últimos quatro anos em busca de melhores salários ou que abandonaram o magistério.
Danhoni Neves graduou-se em Física na UEM em 1983, concluiu mestrado em Física na Unicamp em 1986, o doutorado em Educação na Unicamp em 1991, pós-doutorado em Roma, Itália, em Educação e Popularização Científica, em 2006. O professor já visitou 12 países nos últimos cinco anos apresentando trabalhos científicos. É autor de 54 livros e capítulos de livros em publicações nacionais e estrangeiras, 63 artigos completos em periódicos, 113 artigos em eventos nacionais e estrangeiros, entre outros. Nesta entrevista à Gazeta do Povo, ele destaca o descompromisso das políticas públicas com o ensino superior de qualidade.
Em suas publicações, o senhor traça um histórico de descasos com as universidades estaduais passando por três governadores, durante quase 20 anos. Essa tradição negativa tem explicação?Isso surgiu por volta do final da década de 1980 e início da de 1990. Através de uma pressão da base, conseguimos que as universidades públicas se tornassem verdadeiramente gratuitas. Foi uma disputa com o governo estadual. Álvaro Dias era o governador e tinha Roberto Requião como aliado. Foi uma luta aguerrida, onde buscávamos a gratuidade, a autonomia didática, cientifica e financeira. Naquele momento, acho que o Roberto Requião deve ter se irritado com as universidades estaduais. Quando assumiu como governador, fizemos uma greve em 1991 e recebemos um telex do governo estadual avisando que as universidades públicas estavam fechadas. Hoje, piorou seu viés autoritário. A situação se agravou na gestão de Jaime Lerner, com defasagem salarial e evasão de docentes. Criou-se esta tradição de autoritarismo contra as universidades. Acho que o Requião não reconhece que não gosta das universidades estaduais. Na capital corre tudo bem por causa da Federal (UFPR), mas no interior é como se fossem escolas técnicas.
As universidades estaduais têm conceito de serem meramente formadoras técnicas? Na cabeça do governador, a universidade pública deve ser um "escolão". Acho que ele é incapaz de ver a universidade pública como um centro de produção científica, tecnológica e cultural. Um exemplo do descaso do ensino superior no Paraná é o orçamento da Fundação Araucária, que é inferior ao menor programa do Ministério da Educação no Brasil. É preciso valorizar a carreira acadêmica. O Plano de Carreira e Salários para técnicos e funcionários criou distorções graves. Um técnico de nível superior ganha praticamente o dobro de um professor universitário em início de carreira.
Como a limitação para apresentar trabalhos no exterior prejudica o trabalho dos docentes? Além de arrumar verba para a saída via CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento e Pesquisa) e Capes (Coordenadoria de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior) e também do exterior, temos de passar pelo crivo da Seti (Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia), mandando o artigo e o folder do evento traduzidos. Eles são tão incompetentes que não conseguem traduzir este material. Nós que temos de fazer. Em nenhum outro estado acontece isso. Quando falo com meus colegas no exterior, eles acreditam que isso ocorre porque tem algum problema de guerra aqui, que eu vivo em um país como o Afeganistão.
Como as universidades perdem com a saída dos professores? As pessoas precisam entender como é chegar onde chegamos. Nós, aqueles que atingiram a maior qualificação, especialmente com o pós-doutoramento. Esse patrimônio se perde quando o docente vai embora. São perdidas orientações aos alunos, mestrado, doutorado, patente, artigos científicos, livros. São anos de trabalho e pesquisa. E a universidade não pode se renovar a cada quatro anos. Se esse é o plano do governo estadual, ele está conseguindo.
O senhor lamenta o silêncio de integrantes da administração pública que antes faziam parte das mobilizações universitárias. O poder corrompe? O poder não sei se corrompe, mas deforma as pessoas (risos). Serve para moldar o status quo político. Há pessoas em cargos públicos, hoje secretários, que foram reitores, presidentes de associações, ou seja, professores de nossas universidades públicas, que passam os anos e não mostram a que vieram na administração pública. É difícil de engolir.