Como estratégia para fugir das críticas em relação ao gerenciamento do desastre climático no Rio Grande do Sul, o governo Lula convocou a Polícia Federal (PF) para investigar publicações com supostas “fake news” sobre a atuação do Executivo. Para especialistas, o uso de força de polícia, além de desnecessário, pode gerar censura prévia e ameaçar a manifestação de opiniões legítimas. A solução adequada seria o governo utilizar canais estatais para esclarecer as informações.
O pedido foi feito pelo ministro Paulo Pimenta, responsável pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), e acatado pelo ministro Ricardo Lewandowski, da pasta da Justiça e Segurança Pública. Segundo o ofício, Pimenta tem se preocupado com “o impacto dessas narrativas na credibilidade das instituições como o Exército, FAB, PRF e Ministérios, que são cruciais na resposta a emergências”. Documento enviado à PF lista 11 tópicos reunindo casos de perfis que estariam propagando “falsidades”.
“Desinformação se combate com informação. Se é um conteúdo que há alguma divergência ou algo do gênero, se combate com, no máximo, um pedido de direito de resposta para que a sua versão dos fatos seja posta ao lado. Mas, jamais, com investigação judicial, com abertura de inquérito, ameaça ou Polícia Federal”, diz André Marsiglia, advogado especialista em liberdade de expressão.
Uma das publicações que afligiu o governo foi veiculada pela jornalista Fernanda Salles. Em seu perfil no X, com 509 mil seguidores, ela escreveu um desabafo dizendo ser “impressionante como 90% dos vídeos que chegam do Rio Grande do Sul mostram apenas civis ajudando no resgate de vítimas. Essa tragédia evidenciou a ineficácia e falta de vontade do Estado em proteger o cidadão”.
Fabrício Rebelo, pesquisador em direito e segurança pública, explica que posts como esse são apenas opiniões de pessoas comuns, protegidas em uma democracia. Acionar a polícia para investigar esse tipo de manifestação foge ao regramento de um Estado Democrático de Direito e induz à censura.
“É uma evidente tentativa de censura à opinião crítica, algo completamente absurdo pelas regras constitucionais do país”, afirma. “Mais do que isso, é uma explícita perseguição ideológica contra os opositores do governo, instrumentalizando a Polícia Federal para apurar fatos que, mesmo se verdadeiros fossem, não seriam criminosos, eis que não existe no Brasil o crime geral de ‘fake news’”, complementou.
O professor e mestre em Direito Constitucional Rodrigo Marinho ressalta que a medida expõe uma prioridade torta do governo, ainda mais em um momento de calamidade. “A última prioridade do governo deveria ser se incomodar com a sua credibilidade na opinião pública. Olha o quanto de máquina estatal atuou nessa ação: a Secretaria de Comunicação, o Ministério da Justiça, a agência de comunicação do governo. Todos eles trabalhando na última coisa que deveria ser preocupação do governo”, avaliou.
“Governo e Judiciário confundem opiniões com fatos”, afirma jurista
O alarde feito pelo governo Lula sobre o pedido de investigação das publicações também causa estranhamento aos especialistas. O ofício encaminhado por Pimenta foi divulgado na íntegra pela Agência Brasil, canal de notícias governamental. No dia seguinte, o canal também informou prontamente que o ministério da Justiça vai investigar “eventuais crimes relacionados à disseminação de desinformação”.
O uso da palavra “desinformação” chama atenção por não ser um conceito jurídico, mas algo genérico, em que cabe qualquer interpretação. “Desinformação não é um conceito do universo jurídico, mas uma importação indevida da área comunicacional. Não existe nenhuma legislação que trate de desinformação nem nada do gênero”, diz Marsiglia.
Para o especialista, um problema central e recorrente dos poderes Judiciário e Executivo é a confusão entre fatos e opiniões. “Ainda que se judicialize a desinformação, ela não pode atingir a opinião. Chamar opiniões, denúncias ou comentários sobre a atuação do governo de desinformação, além de tecnicamente errado, é censório”, ressalta Marsiglia.
A Secom pede, por exemplo, que a comentarista política Steh Papaiano seja investigada por dizer que o “‘estado’ como ente centralizador até agora só entregou dificuldade e ineficiência”. Também incomodaram ao governo mensagens no telegram “criticando a ausência de ministros no Sul do país e condenando a ida de primeira-dama ao Rio de Janeiro para o show da Madonna” ou dizendo que o Executivo “foi rápido ao usar avião da FAB para levar 125 toneladas de alimentos a Cuba e essa agilidade não foi utilizada no caso do RS”.
Outro caso incluído na lista da Secom foi o comentário do jornalista Thiago Asmar, por ter afirmado que o empresário Luciano Hang estaria ajudando mais o Rio Grande do Sul do que o governo federal.
O perfil “Pavão Misterious” entrou no elenco por listar “empresários que apoiam o Lula e que não moveram um dedo pra ajudar as vítimas do Rio Grande do Sul”, mencionando nomes dos empresários como Luiza Trajano, Emilio e Marcelo Odebrecht, Joesley e Wesley Batista, e Jorge Paulo Lemmann.
Publicações citadas pela Secom são de perfis conservadores
No documento, são listadas 17 publicações que devem ser investigadas “para proteger a integridade e a eficácia das nossas instituições frente a tais crises”. A maioria de perfis de direita.
Entre as publicações citadas no ofício estão as do jornalista conservador Leandro Ruschel e do senador Cleitinho (Republicanos-MG). Ruschel e outros usuários das redes sociais devem ser investigados por publicar uma informação de que nove pessoas teriam morrido na UTI do Hospital do Pronto Socorro do município de Canoas. Segundo uma matéria publicada pelo jornal O Globo, a informação foi divulgada pelo próprio prefeito de Canoas, Jairo Jorge (PSD), em um vídeo em suas redes sociais.
Posteriormente, Jorge corrigiu a informação e informou que duas pessoas internadas na UTI faleceram, ao contrário do que tinha dito. Paulo Pimenta reforça que Ruschel deveria ter considerado uma matéria que desmentia o número de mortes. A reportagem foi publicada uma hora antes da manifestação de Ruschel. O comentarista depois publicou outra mensagem, retificando os dados e criticando a Secom.
A publicação de Cleitinho afirmava que a secretaria do estado do Rio Grande do Sul estaria barrando os caminhões de doações por falta de nota fiscal. “Canalhas! Pegam essas notas fiscais e levam para o quinto dos infernos. Se vocês não conseguem ajudar, não atrapalha quem está ajudando!”, reclamou. Segundo o governo do RS, não haveria cobrança de notas fiscais de doações.
A ANTT diverge sobre possíveis multas a caminhoneiros
Um caso que ilustra a divergência de informações típica de momentos de tragédias em andamento é o de caminhões de doações que foram parados por servidores da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). O SBT apresentou uma denúncia de que veículos com produtos que circulavam em direção a Porto Alegre estariam sendo multados pela ANTT. Na reportagem do jornal “Tá na Hora”, a repórter conversou com caminhoneiros que mostraram as notificações recebidas.
Após a repercussão, a ANTT divulgou uma nota de esclarecimento em que afirma que seria mentira que caminhões teriam sido multados pelo órgão. No dia seguinte, no entanto, o diretor-geral da entidade, Rafael Vitale, admitiu as autuações em seis casos.
“Houve casos isolados de autuação por excesso de peso na balança de Araranguá, mas que não se tornarão multa e serão devidamente anuladas”, declarou Vitale. Também nesta quarta, o órgão publicou uma portaria com novas orientações de fiscalização a fim de agilizar a chegada de donativos ao Rio Grande do Sul.
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