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Debate ideológico

Ministério dos Direitos Humanos lança relatório contra “ódio e extremismo”

silvio almeida
Na apresentação do relatório, o ministro Silvio Almeida disse que a esquerda não deve se limitar a combater o discurso de ódio, mas que é preciso "fazer o debate ideológico" (Foto: MMFDH)

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O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania apresentou, nesta segunda-feira (3), o "Relatório de Recomendações para o Enfrentamento ao Discurso de Ódio e ao Extremismo no Brasil".

O documento foi produzido por um grupo de trabalho (GT) instituído pelo ministro Silvio Almeida em fevereiro, que reuniu integrantes do governo e da sociedade civil, pesquisadores e influenciadores digitais como Felipe Neto, a antropóloga Débora Diniz e a ex-deputada federal Manuela d’Ávila (PCdoB).

O objetivo do relatório, segundo a pasta, é traçar um diagnóstico com "conceitos internacionais que definem o que é discurso de ódio e também recomendações de políticas públicas estratégicas a serem adotadas".

"Eu não preciso dizer que haverá resistências. Já há resistência, porque há pessoas que se beneficiam do ódio", disse o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, no evento de lançamento do relatório.

O grupo, que realizou 15 reuniões ao longo do período, foi presidido por Manuela d’Ávila e fez quinze encontros virtuais, com a participação de representantes de organizações da sociedade civil e instituições governamentais.

Na apresentação do relatório, o ministro Silvio Almeida disse que a esquerda não deve se limitar a combater o discurso de ódio, mas que é preciso "fazer o debate ideológico" e "disputar o sentido do mundo e da realidade". "Não dá para o ministério ficar só em Brasília", afirmou. "Temos que ressignificar o passado."

Segundo ele, o Ministério dos Direitos Humanos tem que ser o "Ministério do Futuro". "Temos que retomar a dicção sobre o futuro", disse. "Precisamos caminhar em direção ao futuro. Precisamos acreditar que ele existe."

O ódio, segundo ele, é "resultado de uma prisão". É preciso, afirmou o ministro, disseminar na sociedade "a utopia concreta, o ainda não". Isso não se deve fazer, contudo, somente no âmbito do ministério, mas penetrando nas comunidades, disse Almeida. De acordo com ele, o ministério só serve para "criar as condições políticas para o futuro".

O ministro também afirmou que "é fundamental que nós avancemos para a regulação das plataformas" e criticou os executivos de redes sociais ao afirmar que "o ódio é uma mercadoria" que "vira fonte de lucros de empresas".

Almeida também fez um ataque a certos grupos de religiosos, que chamou de "vendilhões do templo". O ódio, de acordo com ele, "virou fonte de popularidade" e "é fundamental para os mercadores da fé, para os fariseus, que, de cima dos púlpitos, manipulam a fé dos outros".

"Essas pessoas não estão acima da lei, da constituição. Elas prestarão contas à Justiça brasileira", afirmou o ministro, para quem a "falsa religiosidade não é desculpa para quem pratica crimes".

Sobre a vinculação do relatório com o propósito de censura, Almeida afirmou que "é justamente porque eu não quero a censura que este grupo que foi criado".

Como o relatório define discurso de ódio

Os autores do relatório afirmam que o documento trabalha com definições da Organização das Nações Unidas (ONU), da Fundação Getulio Vargas (FGV) e Confederação Israelita do Brasil (CONIB) sobre discurso de ódio. "A ideia de que não é possível definir o discurso de ódio é apenas uma falácia argumentativa para quem quer viver do discurso de ódio", disse o relator, o advogado Camilo Onoda Luiz Caldas.

As definições usadas são, em alguns aspectos, semelhantes às da Lei do Racismo, que atualmente coíbe não só os discursos racistas por definição, mas também outros discursos discriminatórios por extensão. O GT faz uma definição mais difusa que a da lei, ao dizer que "o ódio é uma estratégia de poder que move sentimentos e práticas negativas, como o estigma, a discriminação o preconceito, a segregação, o medo individual e compartilhado, entre outras efeitos danosos à vida em comum e à democracia".

O discurso de ódio, segundo o grupo de trabalho, é usado para "promover ideais antidemocráticos, excludentes e segregadores" e, nesse ponto, "ganha sua dimensão de estratégia de poder, servindo para pôr em marcha projetos de controle e hegemonia políticos, com efeitos de abjeção, julgamento discriminação, apartação ou, brutalmente, de extermínio".

Em referência à existência de "uma midiosfera extremista que atua sob a forma de guerra ativa", o GT fala que "a criação de mensagens de ódio segmentadas para a população, de forma sistemática e constante, intenciona mobilizar certos medos e ressentimentos, assentando-se na própria ação orgânica dos seguidores para fomentar as comunidades de ódio" e diz que as "tecnologias do ódio" se manifestam na criação via mídias digitais "de notícias fraudulentas e enganosas". Há, segundo o documento, "uma instrumentalização específica do ódio como modelo de negócio e monetização".

Entre os tipos específicos de ódio abordados estão a "misoginia e violência contra as mulheres" – em que o grupo cita "comunidades masculinistas", "como as dos denominados redpills"; o racismo contra pessoas negras e indígenas; "o ódio e violência contra a população LGBTQIA+"; a xenofobia e a discriminação contra nordestinos e nortinos; a discriminação contra os pobres; a intolerância religiosa; o "capacitismo e violência contra as pessoas com deficiência"; e os "grupos geracionais mais vulneráveis ao contágio do extremismo: jovens e pessoas idosas". Também estão elencados o ódio e a violência extremista "contra instituições e profissionais da imprensa e da ciência".

Na seção de ódio contra as comunidades religiosas, há menção às religiões de matriz, às "religiosidades indígenas, cigana e originárias de imigrantes e convertidos, como muçulmanos (islamofobia) e judeus (antissemitismo), bem como pessoas ateias, agnósticas ou sem religião", mas não as religiões cristãs. Há ainda uma menção à "instrumentalização política das religiões pela extrema-direita, com deturpação da noção do direito às liberdades religiosa e de expressão", que estaria produzindo "hostilidades contra pessoas identificadas com os movimentos feministas e LGBTQIA+, e mesmo contra os próprios fiéis de um mesmo grupo religioso, que manifestam opções políticas, opiniões e pensamentos opostos".

Em relação aos jovens, o relatório diz que o ódio atinge "jovens periféricos negros" que "são vítimas de múltiplas violências, inclusive do discurso de ódio da extrema-direita". Ao mesmo tempo, diz que "a vulnerabilidade possui ainda outra face: jovens têm sido atraídos para comunidades de propagação de ódio online, inclusive dentro de plataformas de jogos eletrônicos (games)".

Sobre os idosos, o documento diz que as "vulnerabilidades" deles – como o "letramento digital tardio, aliado à exposição a notícias e informações com conteúdos falsos e que desinformam" – são "exploradas para a disseminação de discursos de ódio e de crenças e práticas extremistas".

O relatório relaciona os recentes atentados em escolas ao discurso de ódio e ao "extremismo de direita" – além da falta de controle e de criminalização dessas realidades.

Sobre os profissionais de imprensa e os cientistas, o relatório diz que eles "são tratados como inimigos e como se fossem responsáveis por desinformar" pelos grupos de ódio, o que gera hostilidade. Camilo Caldas afirma que a pandemia da Covid-19 exacerbou o "discurso de ódio que se criou em torno dessas pessoas e dessas instituições".

O relatório diz que os grupos que usam discurso de ódio "dominaram os meios digitais e têm conseguido mobilizar sentimentos em torno de suas pautas por meio de diversas estratégias".

Entre essas estratégias estão a "criação de conteúdos por superspreaders [superdisseminadores, em tradução livre]", que "despertam sentimento de abjeção e ódio na audiência, considerando que esta é uma resposta que gera maior engajamento em redes sociais" ; a utilização do "sarcasmo humilhante e do deboche" para "propagar estigmas, estereótipos e discriminações"; a "criação de notícias fraudulentas", que são "idealizadas com propósitos específicos e por agentes conscientes da falsidade da informação"; e a "postagem de conteúdos voltados para gerar contágio de emoções negativas, com potencial de iniciar tempestades de indignação (shitstorm) contra um alvo".

Esse fenômeno, segundo o GT, tem efeitos especialmente nocivo em períodos eleitorais, com uso do discurso de ódio "como meio eficaz para crescimento de capital político". O relatório também diz que há "complacência das plataformas digitais" contra os grupos, e que o Poder Judiciário e a Justiça Eleitoral têm sido ineficazes "em coibir o uso da violência política e do discurso de ódio".

Quais são as propostas dos autores do relatório

Entre os pedidos do grupo estão a criação de um "Fórum Permanente de Enfrentamento ao Discurso de Ódio e ao Extremismo", para implementar políticas, fazer pressão junto ao Congresso e oferecer "suporte técnico aos estados, municípios e Distrito Federal para a organização de seus fóruns e conferências", além de articular parcerias acadêmicas e estimular a participação social.

Segundo o grupo, é necessário também que ações de proteção e prevenção sejam implementadas no ambiente escolar com um plano nacional de enfrentamento à violência nas escolas, com protocolos de segurança adequados à realidade brasileira e "que não impliquem na militarização dos espaços educativos". Para o grupo, o discurso de ódio e o extremismo são as causas desses ataques.

O documento também quer oferecer orientação para que se enfrentem "narrativas de ódio" nas políticas educacionais. O objetivo é "formar os jovens e pessoas idosas para lidar com a desinformação e as teorias da conspiração que os atingem fortemente pelo uso sistemático das mídias digitais".

O grupo quer planejar uma política de educação midiática em diálogo com o Ministério da Educação. Além disso, pretende lançar estratégias para "judicializar e responsabilizar os 'superspreaders e os fiadores do ódio'" e contrapor a sua atuação com a formação de "superspreaders democráticos" – influencers, comunicadores e figuras públicas que defenderiam a democracia e enfrentariam os discursos de ódio online.

Para o GT, é necessário resolver a "indefinição jurídica do que são os discursos de ódio e da tipificação dos crimes de ódio, bem como as dificuldades de distinção em relação aos crimes contra a honra e outras ofensas".

Além disso, o grupo propõe "elaborar políticas de reparação às vítimas" do discurso de ódio que incluam até mesmo "possíveis reparações financeiras para vítimas sobreviventes e vítimas indiretas".

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