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“Ciência que a branquitude eurocêntrica não explica”

Governo Lula deve gastar R$ 4,4 mi para promover “economia do axé” e cultura de terreiros

edital mãe gilda de ogum
Fiocruz e ministério da Igualdade Racial selecionaram 30 projetos para receberem R$ 1,5 mi. (Foto: Sergio Velho Junior/Fiocruz Brasília)

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“Fomento à economia do axé, à cultura e à agroecologia dos povos e comunidades de matriz africana e povos de terreiros” é o objetivo de um edital do Governo Lula. No último dia 3, o ministério da Igualdade Racial e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) destinaram R$ 1,5 milhão para 30 projetos que apresentaram propostas sobre os temas. A previsão é que, ao todo, R$ 4,4 milhões financiem projetos que apoiem a pauta.

“Espiritualidade e religiosidade importam para a saúde. Existe uma ciência que a branquitude eurocêntrica não explica, basta entender as relações de proximidade desses povos com o universo e com os elementos da natureza, com o plantio e a colheita como parte da vida”, afirmou Denise Oliveira e Silva, vice-diretora da Fiocruz Brasília e responsável pela coordenação do edital.

Termos como “saúde” e “ciência” não constam em edital da Fiocruz

O evento para assinatura dos acordos entre o governo Lula e os vencedores do projeto, nesta última terça-feira (3), foi marcado por forte discurso religioso. Ao final da saudação a Ogum e Mãe Gilda, a mãe de santo Jaciara de Oxum liderou um canto do candomblé, pedindo para que todos se levantassem e cantassem. A yalorixá, termo usado para mãe de santo, é sucessora da Mãe Gilda de Ogum, a quem o edital homenageia.

Um dos projetos contemplados busca capacitar 20 mulheres em cursos de costura, velas aromatizadas e doces de santo, usado em celebrações religiosas. O objetivo é apoiar o empreendedorismo feminino em Rio Branco, capital do Acre.

A Fiocruz tem como finalidade desenvolver atividades de pesquisa e tecnologia, especialmente na área de saúde. Apesar disso, termos como “saúde”, “ciência” e “pesquisa” não aparecem no documento para convocar inscrições ao programa. No entanto, o edital segue a mesma linha de uma resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) que recomenda que terreiros sejam integrados ao SUS.

“As manifestações da cultura popular dos povos tradicionais de matriz africana e as Unidades Territoriais Tradicionais de Matriz Africana (...) como equipamentos promotores de saúde e cura complementares do SUS", afirma a resolução 715, publicada em 2023.

Curiosamente, a resolução do CNS vai quase que na contramão de uma resolução do Conselho Federal de Psicologia, que proíbe psicólogos de “associar conceitos, métodos e técnicas da ciência psicológica a crenças religiosas”. Conforme aponta o documento, os profissionais de psicologia estão vedados de tratar sobre a dimensão religiosa para melhorar a saúde mental de um paciente.

Juristas divergem se edital fere princípios constitucionais

“Cabe ao governo lançar um edital e destinar dinheiro a programas que beneficie apenas de uma única crença? Não, seja ela qual for. Quando se fala de ‘povos de terreiros’ e ‘comunidades de matrizes africanas’, estamos tratando de uma cosmovisão, de uma manifestação religiosa”, analisa Danielle Maria, advogada e membro do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR).

Maria acrescenta que, para garantir um tratamento igualitário a todas as tradições e culturas do Brasil, o Estado deveria evitar iniciativas focadas em práticas religiosas específicas. Segundo ela, tais ações podem dar um tratamento privilegiado a algumas comunidades em detrimento de outras.

Por outro lado, Igor Costa, advogado e mestre em Direito Constitucional, tem uma opinião diferente. “O Estado pode patrocinar religiões, visto que o fenômeno religioso exerce uma função social muito importante. Nosso Estado é laico, mas não laicista. Ou seja, não é avesso ao fenômeno religioso. Pelo contrário, ele abraça todas as religiões, segunda a demanda”, avalia Costa.

Ele ainda destaca que algumas festividades religiosas já fazem parte da agenda cultural do povo brasileiro, especialmente a nível estadual. “Se o governo financia o evento de uma determinada religião, ele teria que sair procurando outras denominações para oferecer dinheiro também? Não é assim, o Estado age conforme a demanda”.

A reportagem da Gazeta do Povo procurou a Fiocruz para responder questionamentos sobre o edital da Mãe Gilda de Ogum. Mas, até o momento, não obteve retorno.

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