Apesar das críticas de entidades de saúde, o governo Lula e o Judiciário têm avançado em iniciativas para legalizar o plantio de maconha (Cannabis sativa) no Brasil. Um grupo de trabalho do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), ligado ao Ministério da Justiça, está em fase final de elaboração de um decreto que visa liberar o cultivo da planta. Após a conclusão do texto, caberá ao governo Lula decidir se apresentará ou não a proposta oficialmente.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também decidiu se envolver na questão, apesar do plantio de maconha ser proibido pela Lei de Drogas (Lei 11.343 de 2006). Ao invés de simplesmente cumprir a norma, e esperar discussões no Congresso sobre o tema, o tribunal deu seguimento ao julgamento de uma ação iniciada pela empresa DNA Soluções em Biotecnologia, interessada no cultivo da maconha para uso comercial.
No último 4 de junho, a ministra Regina Helena Costa, relatora da ação, promoveu uma audiência pública para discutir o assunto, que durou mais de sete horas. Dos 24 expositores selecionados, apenas sete possuíam posição contrária ao cultivo da planta. Se o STJ permitir que a DNA Soluções plante maconha no país, tomará uma decisão contrária ao que está previsto na legislação brasileira.
A pressão para liberar o plantio da maconha, apesar dos riscos para saúde e segurança pública, vem, principalmente, de um lobby de empresas interessadas em um mercado bilionário. Entre os perigos apontados por especialistas, caso o cultivo da maconha deixe de ser crime, estão a dificuldade para a fiscalização dos locais de plantio; a ampla flexibilização na prescrição médica de produtos à base de Cannabis, sem evidências científicas; e uma possível redução da percepção do risco que a maconha representa.
Análise dos riscos da liberação do plantio de maconha paralisa projeto de lei na Câmara dos Deputados
O Projeto de Lei de 399/2015, que libera o plantio de maconha no Brasil para viabilizar a comercialização de produtos à base de Cannabis, está parado na Câmara dos Deputados desde 2021. Em comissão especial formada para apreciar o tema, a proposta teve um placar acirrado de 17 votos contrários e 17 a favor. O desempate foi feito pelo relator, Luciano Ducci (PSB/PR), que votou pela aprovação. Um recurso, que aguarda a análise da Mesa Diretora, foi apresentado para que o texto seja ainda apreciado pelo plenário da Câmara, antes de ir ao Senado Federal.
O grupo favorável ao projeto tenta justificar a sua aprovação apelando para um suposto uso medicinal da planta. Em resposta, especialistas, como Ronaldo Laranjeira, professor de psiquiatria da Unifesp e doutor pela Universidade de Londres, explicam que há ainda poucas evidências científicas para o uso medicinal de elementos da Cannabis para a maior parte das doenças, que não justificariam os riscos do plantio generalizado da planta. Além disso, as quantidades seguras para não causar efeitos psicóticos graves só podem ser extraídas em laboratório.
"As indicações são muito pequenas. O número de pessoas que vão se beneficiar é muito pequeno. Se você for ver as indicações que têm o apoio da Food and Drug Administration [agência reguladora de produtos de saúde dos Estados Unidos] e da Associação Brasileira de Psiquiatria são praticamente casos de epilepsia em crianças refratárias", afirma.
"Não tenha dúvida que a maconha vai ser desviada ou que, nessa estrutura, vai poder se cultivar ou fazer testes genéticos para produzir maconhas mais fortes. O crime organizado vai nadar de braçada aí nesse laboratório que será custeado pelo dinheiro público", afirma.
Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), lembra outro fator a ser levado em conta: facilitar o acesso à Cannabis pode diminuir nas pessoas a percepção de risco e gravidade do uso das substâncias provenientes da maconha. "O interesse é puramente financeiro e não tem relação com promoção de saúde e tratamento de doenças. A indústria da Cannabis faz uso do termo ‘medicinal’, fazendo a mesma estratégia da indústria do tabaco e do álcool há 100 anos. Quanto menor a percepção de risco, maior será o consumo", avalia.
Provimento de produtos, como o canabidiol, pelo SUS seria um caminho
Os especialistas apontam que nos casos de doenças raras em que o uso de canabidiol (produto feito com elementos da Cannabis), por exemplo, pode ser a melhor alternativa terapêutica, como as síndromes de Dravet e de Lennox-Gastaut, a substância poderia ser oferecida de graça pelo SUS.
O presidente da ABP acrescenta que outros medicamentos, mais eficazes que o uso de elementos da Cannabis, poderiam ser utilizados no país, mas "não há interesse". Atualmente, segundo ele, "não há nenhum movimento para inserir medicamentos sem patente, já aprovados no mercado há décadas, para tratar doenças que afetam cerca de 70 milhões de pessoas". "Tampouco há esforços para disponibilizar medicamentos psicotrópicos sem patente e reconhecidamente funcionais nas farmácias populares. A indústria da Cannabis é muito lucrativa e movimenta bilhões", diz.
Uma pesquisa que abrange o uso medicinal e recreativo estimou que o mercado legal de Cannabis nos Estados Unidos deve movimentar US$ 45 bilhões em vendas até 2027. O levantamento foi publicado em junho de 2023 pela Business and Defense Services Advisory, uma empresa especializada em pesquisa sobre Cannabis.
"Apesar do lucro, esquecem-se dos prejuízos permanentes, incluindo perdas de vidas humanas e a destruição da sociedade como um todo. Por isso, alguns estados americanos já retrocederam nesse movimento de experimento a céu aberto", conclui o presidente da ABP.
Anvisa revisa resolução que trata de autorização para fabricação de produtos com maconha
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, no último dia 15, um relatório de análise de impacto regulatório sobre produtos de Cannabis para fins medicinais. O documento visa revisar a regulamentação vigente para a produção de itens à base de substâncias derivadas da maconha.
A principal conclusão é que a atual resolução, que trata da concessão de autorizações para fabricação e importação, precisa de melhorias. No entanto, o formato de autorização estabelecido pela Anvisa deve permanecer o mesmo.
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