Além de contratar médicos brasileiros e estrangeiros para trabalhar no interior do país, o programa Mais Médicos, do governo federal, pretende dobrar o ritmo de criação de vagas de graduação em Medicina nos próximos cinco anos. A proposta prevê 11,4 mil vagas até 2017, junto da ampliação de ofertas de residências. A evolução prevista para os cinco anos, de 63%, é maior do que o aumento de vagas registrado em toda a última década, quando o país viu crescer em 61% a disponibilidade de cadeiras para interessados em cursar Medicina.
A proposta vai ao encontro da tentativa do governo de se aproximar da taxa de 2,7 médicos por mil habitantes registrada hoje no Reino Unido, que, depois do Brasil, possui o maior sistema de saúde pública orientado na educação básica. Hoje, segundo o Ministério da Saúde, a razão no Brasil é de 1,8 médico por mil habitantes embora o Conselho Federal de Medicina (CFM) apresente o número de 2 profissionais por mil habitantes. Ao mesmo tempo, o Reino Unido oferece proporcionalmente o dobro de vagas para cursos de Medicina lá, há 1,6 vaga por 10 mil habitantes, enquanto aqui a razão é de 0,8 vaga por 10 mil brasileiros.
Equação
A abertura de mais vagas de graduação é defendida pelos ministérios da Saúde e Educação devido à diferença registrada entre o número de formandos e a disponibilidade de vagas de 2003 a 2011, surgiram 147 mil postos de primeiro emprego para médicos, enquanto se formaram 93 mil profissionais. Apesar de a proposta estar em segundo plano diante das recentes e acaloradas discussões envolvendo a contratação de profissionais estrangeiros e militares, o Ministério da Educação já começou as tratativas para estimular a criação dos novos cursos.
Uma portaria foi publicada dia 23 de julho com algumas regras que serão levadas em conta na hora de autorizar a oferta de vagas entre os critérios, estão a necessidade do município possuir pelo menos cinco leitos por aluno e estrutura de urgência e emergência. Segundo o ministro Aloizio Mercadante, "só haverá expansão de vagas onde houver campo de prática".
Os novos cursos, inclusive os privados, serão direcionados para as regiões que não possuem a graduação e que também têm o maior déficit de médicos por habitantes hoje, metade das vagas de Medicina estão concentradas no Sudeste. Assim, o governo federal pretende estimular o deslocamento dos profissionais até o Norte e Nordeste, regiões onde o número de médicos a cada mil habitantes é de 1,01 e 1,23, respectivamente. No Sudeste, a mesma razão é de 2,67.
"Formar mais médicos, sem garantir qualidade na formação e condições de trabalho, é uma falsa solução"
Ipojucan Calixto Fraiz, médico, coordenador do curso de Medicina da Universidade Positivo e professor de Saúde Coletiva da Universidade Positivo e Universidade Federal do Paraná (UFPR)
O número de vagas para cursos de graduação em Medicina aumentou exponencialmente na última década. Há mercado e demanda para novos cursos, na proporção que o governo federal prevê?
A questão central não é o número de vagas, mas sim a qualidade. Ninguém deveria ser contra a abertura de novas escolas, pois não há de ser mal ampliar as oportunidades de educação. A questão que se coloca é a qualidade da educação médica. Aí está o problema real que é a abertura indiscriminada de vagas de Medicina para provocar uma super oferta de profissionais que aceitariam trabalhar em quaisquer condições. A medicina contemporânea exige estrutura para ser exercida de forma ética. O Brasil criou uma política pública de saúde ousada ao propor a universalidade do sistema e não previu o montante de financiamento para o setor. Ou seja, formar mais médicos, sem garantir qualidade na formação e sem garantir condições de trabalho, é uma falsa solução para o problema.
O governo federal fala em direcionar a abertura para municípios que não tenham curso de Medicina, que tenham necessidade de fortalecimento do SUS e que possuam menor relação de médicos por mil habitantes. Na sua opinião, quais devem ser os critérios e prioridades utilizadas para a implantação de novos cursos?
Esse também é um erro de análise, pois cursos de Medicina demandam estruturas e pessoal que só estão presentes em locais onde a relação de médicos por mil habitantes é adequada ou elevada. Esse critério pode levar a abertura de cursos sem qualidade ou mínimas condições de ofertas. Os critérios são as condições de oferta: rede básica de saúde, hospitais, número de mestres e doutores, e não a precariedade do sistema.
A complexidade e a estrutura necessária para se abrir um curso de Medicina podem ser entraves para que a proposta do governo federal seja implantada na velocidade prevista, até 2017?
Não se pode artificializar a oferta de cursos de Medicina com medidas apressadas. Entendo que os novos cursos devam nascer de oferta espontânea das instituições de ensino superior que já tenham qualidade e que reúnam as condições objetivas de oferta. A questão é implantar uma política de saúde consequente que permita a alocação desses profissionais de forma digna no Sistema Único de Saúde em todo o território nacional.
Médicos e entidades de classe alertam que a graduação em determinada cidade não necessariamente implica na retenção do recém-formado nesta região. Há alguma estratégia que poderia ser pensada para reter estes profissionais?