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Proposta não é unânime entre profissionais

Apesar da necessidade apontada por prefeituras que se inscreveram para participar da primeira etapa de contratação de profissionais pelo programa Mais Médicos – 3,5 mil municípios solicitaram 15,4 mil vagas –, o ex-presidente da Associação Médica Brasileira Antonio Celso Nunes Nassif defende que a evolução da saúde pública nas regiões mais carentes não será resolvida por meio de mais contratações ou da chegada de egressos em Medicina no mercado.

"Estão se focando em coisas erradas. Não adianta trazer mais médicos [para os municípios com maior necessidade]. Não resolve, porque esses profissionais não encontrarão condições ideais de trabalho. Investir em unidades de saúde melhor estruturadas é mais eficaz do que importar médicos ou trazê-los da iniciativa privada", argumenta Nassif, integrante de uma comissão de especialistas médicos que tem acompanhado as discussões junto ao Ministério da Educação.

Por outro lado, o médico e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Francisco Carlos Mouzinho de Oliveira, que atua na rede primária de atenção à saúde em Curitiba, afirma que a abertura de novos cursos, aliada à ampliação das ofertas de residência, tem potencial para estimular mais melhorias no serviço público. Ele lembra que, mesmo com as fortes críticas das entidades de classe, as avaliações negativas do programa Mais Médicos não são unânimes entre os profissionais.

"Algumas especialidades estão em níveis críticos no Brasil, devido à falta de médicos capacitados. Por isso, se você pegar como medida isolada, só aumentar o número de vagas certamente seria algo, no mínimo, demagógico. Mas esta medida vem junto com a questão da formação do médico e da qualificação do serviço", afirma Mouzinho.

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País tem mais de 200 cursos de Medicina

Atualmente, o Brasil conta com 202 cursos de graduação em Medicina. Conforme os dados oficiais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), em 2011 foram ofertadas 16,7 mil vagas – o número do ano passado ainda não foi divulgado, mas, segundo o Ministério da Saúde, a disponibilidade subiu para 18.186 em 2012.

O Ministério da Educação (MEC) afirma já ter mapeado 60 municípios que têm condições necessárias para ofertar os novos cursos, principalmente por parte da iniciativa privada – das 11,4 mil vagas, 68% virão de universidades particulares. Coordenadores de cursos já em funcionamento reconhecem que há procura para novas vagas, mas alertam para a necessidade de infraestrutura e corpo docente qualificado – os principais pontos que podem impedir o atingimento da meta do programa Mais Médicos no prazo desejado.

"A maior parte das universidades particulares não têm hospitais e ambulatórios próprios e improvisam esse papel nas redes públicas, muitas vezes. Isso é algo que tem que ser pensado no momento de se abrir um curso numa cidade pequena, com estrutura hospitalar deficiente. Quem vai dar apoio a estes estudantes, coordenar os estágios práticos?", questiona o coordenador do curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Edison Tizzot.

Repercussão

Para entidades médicas, medida é "apressada" e de caráter "unilateral"

Entidades de classe como o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira não se dizem contrários à abertura de novos cursos, mas criticam a maneira "apressada" e "unilateral" como o processo tem sido conduzido pelo governo federal. Para o presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR), Alexandre Bley, é preciso fazer uma análise mais profunda, "fechando cursos onde não há condições para tal e abrindo onde há".

Os órgãos também defendem que a abertura de vagas em determinada cidade não garante a fixação do médico no local após a graduação. "É uma visão superficial do problema, baseada em números, não na necessidade de haver a estrutura necessária para os cursos. Parece que é preciso formar profissionais de qualquer jeito, sem preocupação com a qualidade dessa formação", avalia o presidente da Associação Médica do Paraná (AMP), João Carlos Baracho.

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115% foi o aumento do número de vagas para cursos de Medicina registrado nas últimas duas décadas, entre 1991 e 2011, conforme estatísticas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).

Além de contratar médicos brasileiros e estrangeiros para trabalhar no interior do país, o programa Mais Médicos, do governo federal, pretende dobrar o ritmo de criação de vagas de graduação em Medicina nos próximos cinco anos. A proposta prevê 11,4 mil vagas até 2017, junto da ampliação de ofertas de residências. A evolução prevista para os cinco anos, de 63%, é maior do que o aumento de vagas registrado em toda a última década, quando o país viu crescer em 61% a disponibilidade de cadeiras para interessados em cursar Medicina.

INFOGRÁFICO: CFM destaca a desigualdade de médicos entre as regiões do país

A proposta vai ao encontro da tentativa do governo de se aproximar da taxa de 2,7 médicos por mil habitantes registrada hoje no Reino Unido, que, depois do Brasil, possui o maior sistema de saúde pública orientado na educação básica. Hoje, segundo o Ministério da Saúde, a razão no Brasil é de 1,8 médico por mil habitantes – embora o Conselho Federal de Medicina (CFM) apresente o número de 2 profissionais por mil habitantes. Ao mesmo tempo, o Reino Unido oferece proporcionalmente o dobro de vagas para cursos de Medicina – lá, há 1,6 vaga por 10 mil habitantes, enquanto aqui a razão é de 0,8 vaga por 10 mil brasileiros.

Equação

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A abertura de mais vagas de graduação é defendida pelos ministérios da Saúde e Educação devido à diferença registrada entre o número de formandos e a disponibilidade de vagas – de 2003 a 2011, surgiram 147 mil postos de primeiro emprego para médicos, enquanto se formaram 93 mil profissionais. Apesar de a proposta estar em segundo plano diante das recentes e acaloradas discussões envolvendo a contratação de profissionais estrangeiros e militares, o Ministério da Educação já começou as tratativas para estimular a criação dos novos cursos.

Uma portaria foi publicada dia 23 de julho com algumas regras que serão levadas em conta na hora de autorizar a oferta de vagas – entre os critérios, estão a necessidade do município possuir pelo menos cinco leitos por aluno e estrutura de urgência e emergência. Segundo o ministro Aloizio Mercadante, "só haverá expansão de vagas onde houver campo de prática".

Os novos cursos, inclusive os privados, serão direcionados para as regiões que não possuem a graduação e que também têm o maior déficit de médicos por habitantes – hoje, metade das vagas de Medicina estão concentradas no Sudeste. Assim, o governo federal pretende estimular o deslocamento dos profissionais até o Norte e Nordeste, regiões onde o número de médicos a cada mil habitantes é de 1,01 e 1,23, respectivamente. No Sudeste, a mesma razão é de 2,67.

"Formar mais médicos, sem garantir qualidade na formação e condições de trabalho, é uma falsa solução"

Ipojucan Calixto Fraiz, médico, coordenador do curso de Medicina da Universidade Positivo e professor de Saúde Coletiva da Universidade Positivo e Universidade Federal do Paraná (UFPR)

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O número de vagas para cursos de graduação em Medicina aumentou exponencialmente na última década. Há mercado e demanda para novos cursos, na proporção que o governo federal prevê?

A questão central não é o número de vagas, mas sim a qualidade. Ninguém deveria ser contra a abertura de novas escolas, pois não há de ser mal ampliar as oportunidades de educação. A questão que se coloca é a qualidade da educação médica. Aí está o problema real que é a abertura indiscriminada de vagas de Medicina para provocar uma super oferta de profissionais que aceitariam trabalhar em quaisquer condições. A medicina contemporânea exige estrutura para ser exercida de forma ética. O Brasil criou uma política pública de saúde ousada ao propor a universalidade do sistema e não previu o montante de financiamento para o setor. Ou seja, formar mais médicos, sem garantir qualidade na formação e sem garantir condições de trabalho, é uma falsa solução para o problema.

O governo federal fala em direcionar a abertura para municípios que não tenham curso de Medicina, que tenham necessidade de fortalecimento do SUS e que possuam menor relação de médicos por mil habitantes. Na sua opinião, quais devem ser os critérios e prioridades utilizadas para a implantação de novos cursos?

Esse também é um erro de análise, pois cursos de Medicina demandam estruturas e pessoal que só estão presentes em locais onde a relação de médicos por mil habitantes é adequada ou elevada. Esse critério pode levar a abertura de cursos sem qualidade ou mínimas condições de ofertas. Os critérios são as condições de oferta: rede básica de saúde, hospitais, número de mestres e doutores, e não a precariedade do sistema.

A complexidade e a estrutura necessária para se abrir um curso de Medicina podem ser entraves para que a proposta do governo federal seja implantada na velocidade prevista, até 2017?

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Não se pode artificializar a oferta de cursos de Medicina com medidas apressadas. Entendo que os novos cursos devam nascer de oferta espontânea das instituições de ensino superior que já tenham qualidade e que reúnam as condições objetivas de oferta. A questão é implantar uma política de saúde consequente que permita a alocação desses profissionais de forma digna no Sistema Único de Saúde em todo o território nacional.

Médicos e entidades de classe alertam que a graduação em determinada cidade não necessariamente implica na retenção do recém-formado nesta região. Há alguma estratégia que poderia ser pensada para reter estes profissionais?