O estado de São Paulo deverá balizar, nos próximos anos, as ambições políticas que a nova direita poderá ter no Brasil daqui para frente. Fiel neste começo de mandato aos valores do grupo político que o elegeu, o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) tende a exercer, daqui a pouco menos de quatro anos, influência determinante nas próximas eleições gerais.
Apostando em um "choque de gestão", em múltiplas parcerias com o setor privado, em mais rigor contra o crime e em frear o assalto da cultura woke à administração pública, Tarcísio é, neste momento, a principal referência no país do que a nova direita é capaz de fazer à frente do Executivo. Seja quem for o principal candidato direitista à Presidência da República em 2026, o que acontecer em São Paulo deverá servir como prova de fogo contra a hegemonia do petismo no Brasil.
Para o cientista político Christian Lohbauer, com a ausência do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) do Brasil, Tarcísio se torna, por ora, a figura política mais determinante para os rumos que a direita tomará. "É um grande gestor, que é aquilo de que São Paulo precisa. Tem um perfil de quem vai mexer em tudo, para dar eficiência, produtividade e trazer investimento. Ele é, sim, a esperança da direita independente de Bolsonaro", afirma.
O governo paulista tem ido em direção oposta à administração federal em diversos âmbitos. O secretário de Segurança Pública Guilherme Derrite, por exemplo, traçou uma estratégia contra as invasões do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), enquanto o ministro da Justiça, Flávio Dino, fez vista grossa para os casos de invasão recentes – quando foi governador do Maranhão, vale lembrar, Dino mantinha relações próximas com o MST.
Em outras áreas do combate à violência, Derrite aposta em estratégias que a esquerda costuma negligenciar, como o combate efetivo contra o crime organizado, o isolamento de líderes de facções criminosas e a valorização dos policiais.
O governo de São Paulo também caminha em sentido contrário ao federal ao buscar parcerias com o setor privado em muitas áreas. Há algumas semanas, Tarcísio iniciou projetos de concessões e parcerias público-privadas (PPPs) nas áreas de rodovias, recursos hídricos, infraestrutura rodoviária, transporte rodoviário intermunicipal e aquaviário, loterias, desenvolvimento urbano e habitação, além de educação e cultura.
O governo paulista anunciou a desestatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae), sociedades anônimas de capital aberto controladas pelo Estado de SP. O governo federal, por outro lado, já sinalizou que pretende manter alguns privilégios de estatais no campo do saneamento básico.
"Em São Paulo, o governo quer a simplificação tributária e o marco legal do saneamento implementado. Na política agrícola, ele quer a modernização do sistema regulatório da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]. O PT quer o contrário de tudo isso", diz Lohbauer, para quem Tarcísio rompe também com o modelo peessedebista de gestão e traz a esperança de uma direita autêntica.
"O Tarcísio é o primeiro político e o primeiro governador de São Paulo desde o [ex-governador Franco] Montoro que é um outsider, vamos dizer assim. Todos os outros faziam parte de uma rede, de um processo político meio que sequencial. É a primeira vez nos novos tempos que aparece alguém sem uma legenda atrás dele, porque a legenda dele não vale muita coisa do ponto de vista de tradição da política mais antiga", acrescenta.
Tarcísio acena a conservadores barrando a cultura woke e modismos educacionais
Alçado à popularidade entre direitistas por seu perfil de gestor eficaz, Tarcísio não consegue ocultar sua falta de intimidade com algumas das chamadas "pautas de costumes" conservadoras, como a defesa da vida e da família.
Ainda assim, algumas de suas medidas mostram ao menos a intenção de agradar ao eleitorado com perfil conservador e não se dobrar à cultura woke. A condescendência com o feminismo extremista, a ideologia de gênero e o identitarismo racial tem sido uma marca de governos de esquerda e de centro no mundo inteiro.
À frente da Secretaria de Políticas para a Mulher, por exemplo, está a vereadora licenciada Sonaira Fernandes, que é pró-vida e proclama a necessidade de defesa da mulher de forma integral.
"Queremos olhar para as mulheres de São Paulo no todo, cuidar das gestantes, da dona de casa, das viúvas, aperfeiçoar aquilo que a gente tanto defende e prega. Quando você traz a questão da defesa da vida e das irregularidades que existem, a gente quer cuidar dessas mulheres e do nascituro. Claro que respeitando o que a legislação nos traz, do que a mulher pode optar, mas não negamos o nosso perfil e nosso caráter, que é uma política inteiramente pró-vida", afirmou a secretária, recentemente, em entrevista à Gazeta do Povo.
Na pasta da Educação, o secretário Renato Feder já sinalizou que pretende fugir da panfletagem para se concentrar no aprendizado das disciplinas básicas. Seu grande foco, como mostrou reportagem recente da Gazeta do Povo, será melhorar o desempenho dos jovens em português e matemática.
Ele também rechaça modismos pedagógicos e quer diminuir o número de disciplinas ofertadas no Programa de Educação Integral (PEI) e no Novo Ensino Médio. "Os nomes [das disciplinas] são lindos. Tem direitos humanos, artes de todos os tipos, jornalismo, urbanismo. É muito bonito dar essas disciplinas na escola pública, mas o professor não sabe dar essa aula", comentou.
Risco de Tarcísio ficar espremido politicamente entre Boulos e Lula é real
O objetivo de Tarcísio de fazer um governo "liberal na economia e conservador nos costumes" pode ser frustrado, em alguma medida, pelo impacto das políticas públicas de Lula e pelo desempenho da economia nacional nos próximos anos.
Uma complicação ainda maior seria a eleição de uma figura apoiada por Lula para a Prefeitura da capital paulista. O PIB (Produto Interno Bruto) do município de São Paulo corresponde a cerca de um terço do total do Estado. O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP), uma das principais figuras da extrema-esquerda nacional, já figura como um candidato forte ao comando da maior cidade do país.
Num cenário como esse, Tarcísio correria o risco de ficar espremido politicamente entre Boulos e Lula, com pouco espaço para manobras, e sujeito a passar boa parte de seu mandato resolvendo conflitos com a esfera federal e com a maior Prefeitura do Estado que governa.
"São Paulo, como qualquer Estado, precisa do governo federal, para rolagem de dívidas, investimentos, algumas licitações que são federais… E, se uma das maiores cidades do mundo, a maior cidade do país, que tem sozinha o PIB do Chile, ficar sob a administração do parceirão do Lula, seria realmente uma pena", afirma Lohbauer.
"A cidade de São Paulo tem um eleitorado bem de esquerda. Isso já está comprovado pelas eleições passadas. E, em uma parte da cidade, o estado já perdeu, não manda mais. Está nas mãos do crime. Nos próximos dois anos, o Tarcísio precisa construir um ambiente para ter influência na definição do futuro prefeito", acrescenta.
"República do Café com Leite 2.0" pode garantir futuro da direita
Na prova de fogo que enfrenta para reavivar as pretensões da nova direita, Tarcísio conta com um aliado importante: Romeu Zema (Novo), governador de Minas Gerais. O sucesso de seu primeiro mandato transformou o mineiro em um emblema de boa gestão da direita e em cabo eleitoral de outros direitistas no Brasil em 2022, como o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro.
A presença de gestores com perfil semelhante em dois dos principais Estados do país, para Lohbauer, viabiliza uma espécie de versão atualizada da "política do café com leite" – como ficou conhecido o período da história do Brasil em que lideranças de São Paulo e Minas Gerais costuraram uma aliança política pelo domínio do poder no país, no início do século 20.
"Realmente acredito muito numa reedição modernizada do 'café com leite' no Brasil. É uma belíssima chance de eles articularem políticas juntos, no setor agrícola, de segurança, de política energética… É viável para um Estado ajudar o outro. Há várias pautas em que esses dois estados podem caminhar juntos", observa Lohbauer.
Os dois são bem diferentes das várias lideranças do PSDB e da centro-esquerda que governaram Minas e São Paulo nas últimas décadas, na visão do especialista. "São duas figuras da nova geração que não têm nenhum vínculo com a história política brasileira desde a Constituinte, desde a redemocratização", diz. "Se a gente tivesse dois governadores nesses estados que fossem fracos ou os peessedebistas, a direita estaria morta", complementa.
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