Pouco mais de 23,8 mil telefones celulares foram grampeados pelo Ministério Público e pelas polícias do Paraná entre janeiro e agosto de 2014. É quase como se toda população de uma cidade do porte de Campo Magro, na Região Metropolitana de Curitiba, tivesse sido monitorada. São interceptações autorizadas pela Justiça e fazem parte do relatório enviado pelo MP ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), obtidos pelo jornal Gazeta do Povo por meio da Lei de Acesso à Informação.
O número estabelecido nos oito meses do ano passado é 59% maior que 2011 inteiro e revela uma espécie de “grampo-dependência” nas investigações, admitida por quem participa diretamente dos casos. No mesmo período, o número de investigados aumentou 49% (de 14,9 mil para 16,3 mil pessoas).
A reportagem teve acesso ao relatório em outubro e, desde então, tem solicitado dados de outros estados e informações dos últimos meses de 2014. Questionado, o CNMP respondeu pelo espaço destinado a Lei de Acesso à Informação em seu site e por e-mail que não havia relatórios de outras unidades da federação iguais aos dados paranaenses, pois o MP-PR envia os seus ao Conselho com detalhes que vão além do exigido. Desde então, a reportagem aguarda informações complementares.
Essencial
Para o juiz da 1.ª Vara Criminal de Curitiba, José Orlando Cerqueira Bremer, a interceptação telefônica é o principal instrumento de obtenção de prova no momento no país. Segundo ele, a falta de estrutura do Instituto de Criminalística e Instituto Médico Legal (IML), responsáveis por perícias técnicas, tornou o grampo essencial. “Hoje, em quase todos os estados da federação, a interceptação tem sido a melhor ferramenta para que se pegue bandidos”, disse.
De acordo com Leonir Batisti, coordenador estadual do Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco), braço do MP, o grampo é imprescindível em algumas investigações onde o crime é “societário”.
Apesar de considerar a interceptação o meio mais efetivo, Batisti lembra que não é o único instrumento das investigações. Ele explica que a interceptação é usada muito mais em apurações sobre crimes em andamento e os que acontecerão. Nem Bremer nem Batisti quiseram comentar os dados do CNMP.
O jurista Luiz Flávio Gomes, um dos grandes especialistas em Direito Penal do país, defende a tese de que a interceptação telefônica tem perdido sua importância ao longo dos anos. “Não é mais a principal prova que desencadeia os grandes casos. O grampo não é frágil, mas não tem a mesma força”, opinou. Segundo ele, a delação premiada é “indiscutivelmente” indispensável para atingir as provas em grandes investigações. “A divergência entre os criminosos têm criado isso”, comentou.
Gomes explicou que a tecnologia atual disponível faz com que os criminosos tenham um número “infinito” de alternativas para se comunicarem, o que dificulta o trabalho de interceptação. “Não se consegue acompanhar isso devido a falta de investimentos no país.”
Ele alega ainda que se grava muita conversa inútil durante as interceptações, colocando o grampo em caráter prospectivo. Na prática, usa-se o monitoramento para procurar prova, enquanto a delação premiada tem sido mais assertiva. “Ela vai direto ao ponto”, comentou.