Um grupo de advogados em processo de constituição de uma associação de juristas de viés conservador elaborou uma nota técnica para contrapor as alegações da comissão criada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para analisar a conduta do presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia da Covid-19. A nota aponta questionamentos técnicos aos itens apresentados pela comissão da OAB, que atribuiu a Bolsonaro crimes como homicídio e lesão corporal mediante omissão imprópria e crime contra a humanidade.
A entidade, que está em processo de registro, chama-se Associação Brasileira de Juristas Conservadores (Abrajuc). Apesar de o grupo contar com juízes, desembargadores e promotores, participaram da elaboração do documento apenas advogados sem funções públicas.
Contraponto ao parecer da OAB
Ambos os documentos – da comissão da OAB e do grupo de juristas conservadores – não possuem validade jurídica; apenas apresentam pontos técnicos-jurídicos quanto à atuação do presidente da República durante a pandemia. As alegações da Comissão Especial de Juristas da OAB Nacional para Análise do Enfrentamento da Pandemia do Coronavírus, publicadas em 14 de abril, foram elaboradas sob o comando do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto com a participação de juristas como Miguel Reale Júnior, Carlos Roberto Siqueira Castro, Cléa Carpi, Nabor Bulhões e Antonio Carlos de Almeida Castro.
A comissão cita episódios que apontariam para a omissão por parte do governo federal quanto à condução da pandemia e afirma que o número de mortos em decorrência da Covid-19 teria sido menor se Bolsonaro tivesse adotado medidas restritivas para conter o avanço da doença. As condutas atribuídas a Jair Bolsonaro, no documento, são: delitos de homicídio e lesão corporal por omissão imprópria; crime de responsabilidade; e crime contra a humanidade – conforme o art. 7º do Estatuto de Roma, que cita prática de ataque, generalizado ou sistemático, contra a população civil. O parecer alega que Bolsonaro teria fundado uma "república da morte" no país.
No dia 1º de maio, um grupo de 28 advogados que integram a Abrajuc publicou a nota técnica como contraponto aos argumentos da OAB. “Quem seriam as vítimas do maior assassino da história, segundo o parecer? 156.582 vítimas, segundo alegam, talvez mais, talvez menos, porém nenhuma vítima identificada nos pormenores do que se exige para começar a se fazer qualquer imputação: conduta, resultado, nexo de causalidade, e a identificação do sujeito passivo é fundamental. Como é cediço, a imputação ‘por atacado’, mormente em crimes contra a pessoa, se contrapõe às exigências do artigo 41 do Código de Processo Penal”, cita o documento.
Quanto ao referido crime contra a humanidade, a comissão da OAB declarou que “por meio de sistemáticas ações e omissões, o governo Bolsonaro acabou por ter a pandemia sob seu controle, sob seu domínio, utilizando-a deliberadamente como instrumento de ataque (arma biológica) e submissão de toda a população”. O parecer afirma, ainda, que Bolsonaro empregou ataques “generalizados e sistemáticos contra toda a população” e que o país está diante de uma “estratégia institucional de propagação do vírus”. Citando imobilismo por parte do procurador-geral da República (PGR) (em referência ao pedido de denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF) enviado à PGR em março, que não foi encaminhado à Suprema Corte) em apurar a conduta de Jair Bolsonaro, a comissão da OAB pede que o presidente seja julgado pelo Tribunal Penal Internacional.
Em contrapartida, os advogados da Abrajuc argumentam que, do ponto de vista do direito internacional, o parecer comete equívocos. “Chama de ataques generalizados e sistemáticos – elementar dos crimes contra a humanidade – decisões jurídicas como o veto a disposições da Lei nº 14.010/20 e a propositura da ADI 6464/DF. Essa afirmação destoa totalmente do que se entende por ‘ataque’ em direito internacional, como também do que seja ataque generalizado e sistemático”, cita um dos trechos do documento. “Imaginemos juristas de países que sofreram extermínios de suas populações, assassinatos de minorias, estupros coletivos, toda sorte de barbárie, mortandade de milhares em frações de segundo, por força de bombardeios, ter que ouvir um grupo de juristas do terceiro mundo equiparar pandemia, surgida sem a interferência da vontade humana, à guerra biológica”.
Quem está por trás da associação de juristas conservadores
Mesmo aguardando registro formal, a Abrajuc soma atualmente 228 membros distribuídos em onze estados, entre advogados, promotores, juízes e desembargadores, além de professores universitários e estudantes de Direito. A ideia de sua fundação partiu do estudante de Direito João Daniel Silva. Ele criou um grupo em um aplicativo de mensagens com professores universitários e estudantes de Direito de Volta Redonda/RJ com o objetivo de formar uma associação regional para publicação de artigos e organização de eventos.
“Era um grupo só com pessoas da área do Direito e de linha conservadora. Uma pessoa começou a indicar outra e, nisso, começaram a chegar promotores, juízes e desembargadores. Hoje o grupo já tem mais de 200 participantes, desde estudantes até desembargadores”, cita Silva. Fazem parte da entidade juristas como a juíza Ludmila Lins Grilo, o procurador da República André Uliano, a procuradora de Justiça do Distrito Federal Ruth Kicis e o juiz federal Harley Wanzeller.
A associação possui dois objetivos centrais: criar um núcleo de formação jurídico-intelectual de viés conservador com aulas sobre aspectos jurídicos e temas como filosofia, ciência política e conservadorismo, além de empreender ações judiciais. “Nossa ideia é formar, nos estudantes que participam da associação, uma convicção conservadora para que no futuro, ingressando em carreiras típicas de Estado, eles possam ajudar na luta pelo resgate do Direito que está sequestrado e vilipendiado por forças progressistas que aparelharam o poder judiciário no Brasil”, diz João Daniel. Quanto às ações judiciais, o fundador cita que a entidade poderá atuar em temas relacionados ao aborto, à ideologia de gênero, liberdade de expressão e liberação de drogas.
Vinculação partidária
Segundo o fundador da Abrajuc, a entidade terá natureza apolítica e sem fins partidários e, após o registro do estatuto, não haverá sequer notas no teor da que foi publicada em defesa de Jair Bolsonaro. Ele cita, ainda, que no grupo há tanto simpatizantes do presidente da República quanto pessoas contrárias à sua forma de governar.
“O foco é apenas no conservadorismo. Qualquer político vai passar, seja porque vai cumprir o ciclo natural da vida, seja porque vai deixar o cargo. Mas a causa do conservadorismo vai permanecer, ela é perene. O grupo não é bolsonarista, é apenas conservador”, cita Silva. “A nota foi uma resposta técnica ao parecer da OAB sem fazer defesa política ou partidária do presidente da República, porque esse não é o objetivo da associação”, afirma.
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