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A Campanha pelos Direitos Humanos das Mulheres, entidade de defesa das mulheres, entrou com uma representação no Ministério Público de Alagoas (MP-AL) para tentar que seja revista a condenação de um segurança de shopping que impediu um travesti de utilizar o banheiro feminino. O caso ocorreu em 2019, no Shopping Pátio, em Maceió (AL).
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O travesti, que não realizou a cirurgia de redesignação sexual e mantém a identidade masculina nos documentos, alegou discriminação ao ser barrado no banheiro das mulheres. O segurança do shopping afirmou que uma das clientes se queixou da presença dele no local. Revoltado, o travesti foi até a praça de alimentação e subiu em uma das mesas para protestar. Ele foi retirado do local pelos seguranças.
Indiciado pela Polícia Civil e acusado pelo Ministério Público de Alagoas, o segurança já foi condenado no mês passado a um ano e seis meses de prisão. Como a decisão ocorreu em primeira instância, ele deve recorrer.
O segurança foi condenado pelo crime de racismo, embora o caso não envolva preconceito racial. A sentença do juiz se tornou possível devido a uma decisão tomada em 2019 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que equiparou o preconceito por orientação sexual e identidade sexual à discriminação racial.
Agora, a Campanha pelos Direitos Humanos das Mulheres quer que a punição seja revista. A entidade, que é uma representação brasileira de uma organização internacional em defesa das mulheres, alega que a presença de pessoas do sexo masculino em banheiros femininos representa um risco à segurança e à privacidade das mulheres.
A organização enviou uma petição ao procurador-geral Márcio Roberto Tenório, do Ministério Público de Alagoas. A organização tenta evitar uma condenação em segunda instância. No apelo, a Campanha pelos Direitos Humanos das Mulheres afirma que, com a definição atual de "identidade de gênero", qualquer homem pode se identificar como mulher, sem critérios objetivos que permitam uma diferenciação. “Enquanto é possível comprovar que uma pessoa foi discriminada por sua orientação sexual (exemplificando, um funcionário pode provar que foi demitido ao se casar com alguém do mesmo sexo), é impossível comprovar ou não que um indivíduo tenha ou não uma 'identidade de gênero'; não há exames para atestar isso”, diz a representação.
Ainda de acordo com a petição, o caso não tem a ver com preconceito, mas com o constrangimento causado às mulheres. “Nossa campanha defende o direito de todo ser humano a viver sua vida sem violência e isso obviamente inclui indivíduos que não aceitam o próprio sexo biológico e que se sintam constrangidos ou ameaçados nos espaços do próprio sexos. Porém, a solução não é transferir esse mesmo constrangimento e sensação de ameaça para as meninas e mulheres”.
A representação da Campanha pelos Direitos Humanos das Mulheres também alerta para as implicações de uma eventual condenação em definitivo: “Confirmar a sentença condenatória de alguém que tentou proteger os espaços separados por sexo estimulará que qualquer um — inclusive um homem comum, que não seja trans-identificado — invada esses locais, contando com o medo das presentes e dos que estiverem no entorno (familiares, amigos, seguranças etc.) de serem criminalizados por 'discriminação por identidade de gênero'", afirma.
Advogado celebra condenação de segurança
Para o advogado José Carlos de Oliveira Ângelo, que representa o travesti, a condenação em primeira instância faz justiça a seu cliente. Ele afirma que, inicialmente, o Ministério Público não acolheu o pleito do autor da ação. “O primeiro promotor de justiça do caso pediu o arquivamento do inquérito porque não viu crime. Nós insistimos e o segundo promotor queria a condenação em injúria racial e, depois de muita luta, conseguimos a condenação no crime de racismo”, afirma. Na visão de Ângelo, a representação da Campanha pelos Direitos Humanos das Mulheres é um “verdadeiro retrocesso social”.
Além da ação criminal, o travesti moveu uma ação cível e pediu uma indenização de R$ 100 mil. Ele também prestou queixa contra os policiais que o conduziram à delegacia após a confusão. Esses casos ainda não resultaram em sentença judicial.
Outro lado
A reportagem da Gazeta do Povo também entrou em contato com o Ministério Público de Alagoas e o Shopping Pátio, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem. Da mesma forma, a advogada do segurança, Amanda Arraes de Alencar Araripe Nunes, foi procurada, mas não aceitou conversar com a reportagem. Se os posicionamentos forem enviados, a matéria será atualizada.
Decisão do STF equiparou homofobia a racismo
A condenação do segurança do shopping pelo crime de racismo se baseia em uma decisão tomada pelo STF em junho de 2019. Na ocasião, por 8 votos a 3, a Corte determinou que os casos de preconceito contra homossexuais e transexuais devem receber exatamente o mesmo tratamento legal dos crimes de racismo, embora o preconceito por orientação sexual ou identidade de gênero não sejam mencionados na Lei 7.716/89.
Pela decisão da Suprema Corte, "condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou identidade de gênero de alguém […] ajustam-se aos preceitos primários de incriminação na Lei 7.716/1989, constituindo também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe”.