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“Efeito contágio”

Grupos que organizam ataques em escolas atuam na dark web e em fóruns de jogos

Especialistas afirmam que os jovens estão vulneráveis a ideologias extremistas, são aliciados nas redes sociais e partem para os fóruns onde os ataques são organizados (Foto: Freepik )

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Nos 13 meses entre janeiro de 2022 e janeiro de 2023, as escolas brasileiras sofreram 10 ataques com vítimas fatais. É pouco menos de metade de tudo o que foi registrado nos últimos 22 anos: 22 ataques. O levantamento consta da Nota Técnica 15, produzida pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo (USP).

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E o dado já está desatualizado: apenas nas últimas semanas, aconteceram ao menos quatro incidentes, em São Paulo (SP), Blumenau (SC) com mortos, e em Manaus (AM) e Goiânia (GO) com feridos. Em fevereiro, em Monte Mor (ES), um adolescente havia sido apreendido após lançar uma bomba caseira na Escola Estadual Professor Antonio Sproesser. O artefato explodiu, mas não deixou feridos. A lista prossegue.

“Não há dúvidas de que o número de ações violentas em escolas aumentou nos últimos anos. São ataques orquestrados e frequentes, contra vítimas de pouca capacidade para resistir. A dor das famílias, dos professores, dos gestores escolares e das crianças é impossível de medir”, avalia Luciene Tognetta, professora da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e doutora em psicologia escolar e do desenvolvimento humano pela Universidade de São Paulo (USP). “É um fenômeno novo no Brasil, que tem muitas camadas, mas envolve o aliciamento de meninos via internet”.

A explicação para esse fenômeno passa pela dark web (sites não indexados e que só podem ser acessados por navegadores especializados) e em fóruns que permitem o anonimato – ali, jovens homenageiam autores de massacres do passado recente e debatem livremente estratégias para atingir a maior quantidade possível de pessoas. Conversas deste teor são comuns, em especial, em fóruns originalmente criados para debater videogames e jogos online.

A comunicação que incentiva a violência letal tem migrado também para as redes sociais mais tradicionais, mas isso é apenas parte pequena do problema, a ponta do iceberg. Não é difícil encontrar posts que utilizam hastags como #tcc (sigla para true crime comunity) e incluem, por exemplo, fotos de facas e armas que estariam sendo reunidos para realizar ataques. Os jovens estão vulneráveis a ideologias extremistas, mordem a isca e partem para os fóruns onde os ataques são organizados. Os discursos começam pelo Tik Tok e seguem até que os arregimentados sigam para acesso a informações detalhadas na dark web.

“Apesar de os discursos de ódio sempre terem existido, atualmente, eles se amplificaram através das redes sociais”, afirma a advogada e pesquisadora Cleo Garcia, coautora da pesquisa “Ataques de violência extrema em escolas no Brasil”, realizada dentro da Universidade de Campinas (Unicamp). “Existem depoimentos de ex-extremistas dizendo que esses grupos se tornaram uma família para eles. Somado a isso a falta de regulação das redes sociais e sua responsabilidade sobre os conteúdos, temos o caldeirão perfeito para uma escalada de violências”. São ataques gerados por inspiração e imitação. “Este adolescente tem a fantasia de que aquilo pode também lhe trazer um reconhecimento e um momento de glória”.

Hubs de radicalização

“Este episódio de extremismo violento está relacionado às subculturas extremistas que atuam como hubs de radicalização online para o extremismo violento e que atingem um público com faixa etária cada vez mais jovem (a partir dos 10 anos)”, aponta a autora da Nota Técnica 15 da USP, a escritora e pesquisadora Michele Prado.

No caso de Blumenau, por exemplo, ela descreve, “o agressor habitava uma subcultura online letal que glorifica atentados terroristas, massacres, atiradores em massa, ideação suicida e violência extrema e que dissemina teses pseudocientíficas de psicologia e biologia evolutiva para justificar ordem sociais hierarquizadas por gênero/ etnia/ religião, conteúdos com revisionismo histórico, apologia ao nazismo, conteúdos de aceleracionismo militante de extrema direita, instruções para fabricação de armas e bombas caseiras e um profundo niilismo e misantropia”.

A conexão via internet ajuda a entender os padrões das ações, que têm acontecido em todas as regiões do Brasil seguindo estratégias semelhantes – incluindo o horário, geralmente pela manhã, logo no início das primeiras aulas. As páginas incluem ainda tentativas de organizar ataques coordenados.

“Há comprovado ‘efeito contágio’ quando a exposição inadequada na mídia e nas redes sociais inspira jovens suscetíveis a também manifestarem comportamento violento. Além disso, a polícia identificou que é no ambiente virtual que os adolescentes planejam os ataques, ao encontrarem pessoas com as mesmas intenções que as deles”, descreve Guilherme Derrite, policial militar, deputado federal por São Paulo e Secretário da Segurança Pública do estado.

“Muitas vezes, esses adolescentes têm nas redes sociais contato com conteúdos com os quais não sabem lidar, já que vivem um momento de transição e não compreendem seus próprios conflitos. Nessa vulnerabilidade, podem ser cooptados por maiores, que se utilizam do ambiente virtual para cometer e planejar crimes”.

Guardas nas escolas?

Diferentes instâncias, nacionais, estaduais e municipais, têm reagido. “Nós estamos coordenando um trabalho com as delegacias de crimes cibernéticos das polícias civis e, claro, da Polícia Federal”, anunciou o Ministro da Justiça Flávio Dino. “Nós estamos em outra vertente continuando o diálogo com as plataformas de tecnologia, principalmente os provedores de conteúdos de terceiros”. O trabalho de prevenção conta, há anos, com uma parceria com a Homeland Security Investigations (HSI), uma agência norte-americana de segurança que frequentemente identifica situações de risco identificadas nas redes sociais e dispara alertas para autoridades.

Em reação ao ataque de Blumenau, o governador de Santa Catarina, Jorginho Melo, prometeu colocar pelo menos um policial armado em cada uma das escolas da rede estadual – são 1.053 em todo o estado. O custo estimado é de R$ 70 milhões. “Não importa quanto isso vai custar, o governo do Estado vai fazer porque nossos filhos e netos merecem estar seguros nas escolas”, declarou.

A escola do bairro da Vila Sônia, em São Paulo, onde aconteceu o ataque de 27 de março, reabriu com o suporte de rondas constantes da Ronda Escolar. Outros municípios paulistas, com São Bernardo do Campo, Osasco e Itapecerica da Serra, também anunciaram que estão reforçando as rondas policiais no entorno de escolas.

A prefeitura de Suzano (SP), cidade da Grande São Paulo onde cinco alunos e duas funcionárias foram assassinados em 2019, anunciou recentemente o lançamento da operação Escola Segura, que promete manter mais agentes da Guarda Civil Municipal em ronda permanente – desde o incidente, as escolas públicas da cidade ganharam mais de mil câmeras, além de novos sistemas de alarme e botões de pânico.

No Espírito Santo, desde os ataques a duas escolas de Aracruz (ES), que deixaram quatro mortos e 12 feridos, o botão de pânico foi instalado em todas as escolas da capital, Vitória. Ele não só dispara uma mensagem de alerta para as forças policiais, como também abre um canal de áudio que permite aos agentes identificar a gravidade do risco. Além disso, as escolas foram reformadas, de forma que a secretaria fique localizada em áreas distantes das salas de aula – afinal, é o local de maior acesso a pessoas externas à rotina da instituição de ensino.

Reforçar a segurança tem sido o caminho necessário para lidar com possíveis novos ataques. “É uma das soluções de um problema que está sendo enfrentado em conjunto com a Secretaria de Educação de São Paulo. As nossas polícias darão todo o apoio para que essas situações sejam evitadas, enquanto a Secretaria de Educação dará o apoio psicológico a fim de que essa realidade mude dentro de sala de aula”, responde Derrite.

As forças policiais também podem atuar de forma preventiva, para conter grupos organizados via internet. Tem funcionado, ao menos parcialmente: no último dia 13, por exemplo, um adolescente de 14 anos foi apreendido por planejar um ataque a uma escola em Maquiné (RS). Ele vai responder por ato análogo ao terrorismo, apologia ao nazismo e organização criminosa. E participava de grupos online que debatiam formas de realizar ações violentas. Caso semelhante aconteceu em Londrina, no dia 3 de abril, quando um adolescente foi apreendido após postar ameaças nas redes sociais.

“É necessária uma legislação para regulação das mídias sociais com responsabilização, inclusive protocolos sobre divulgação desse tipo de evento pelos meios de comunicação. Existem ações já desenvolvidas em países como Nova Zelândia e Alemanha que deram excelentes resultados”, avalia Cleo Garcia.

Saiba como identificar possíveis agressores

Para familiares, responsáveis, professores e amigos, Michele Prado faz uma série de recomendações que ajudam a identificar comportamento de risco:

  • Crenças em teorias conspiratórias que sugerem um declínio da população branca e/ ou de homens e que sugerem, como fator desse declínio, outros grupos minoritários;
  • produção e/ou compartilhamento de conceitos associados ao racismo científico como realismo racial e “biodiversidade humana”;
  • consumo e disseminação de conteúdos com violência extrema/atentados terroristas e tiroteios em massa;
  • isolamento social;
  • fixação em temas relacionados a armamentos e blitzkrieg alemães da Segunda Guerra;
  • discursos e disseminação de conteúdos nos quais existem teorias conspiratórias de que um grupo oculto está controlando toda a sociedade;
  • crença de que a violência é a única solução para as suas demandas;
  • ameaças verbais ou escritas de realização de ações violentas extremas.

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