Nesta terça-feira (26), um grupo composto por católicos e evangélicos alinhados à esquerda protocolou, na Câmara dos Deputados, um pedido pela abertura de processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Os signatários do documento falam em "política genocida" e "postura negacionista" do governo federal, e listam crimes de responsabilidade que afirmam terem sido cometidos pelo chefe do Executivo, em especial durante o enfrentamento à Covid-19.
Endossam o documento organizações como o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, Juventude Franciscana do Brasil, Aliança de Batistas do Brasil, religiosos ligados à Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil e à Comissão Brasileira Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) entre outras. O pedido é assinado por 380 pessoas. E, no rol de testemunhas, constam nomes como João Stédile, líder do MST e economista e a cantora Zelia Duncam.
"Diante da mais grave crise de saúde pública da história do país e do planeta, o Presidente da República, irresponsavelmente, oscilou entre o negacionismo, o menosprezo e a sabotagem assumida das políticas de prevenção e atenção à saúde dos cidadãos brasileiros", afirmam em documento protocolado nesta tarde.
O movimento é tido como de pouca representatividade por fontes palacianas e grande parte do segmento cristão, uma vez que as bancadas católicas e evangélicas permanecem apoiando o presidente. Há pouca expectativa de que isso ressoe na Casa legislativa, à qual foram endereçados pelo menos outros cinquenta pedidos de impeachment contra Bolsonaro.
No documento, os autores denunciam "ausência total" de iniciativas da parte do governo para diminuir e conter os impactos da pandemia no país. Os religiosos também afirmam não ser mais possível "para a sociedade brasileira suportar o cometimento de tantos crimes de responsabilidade que, ao fim, ceifam vidas inocentes".
"Esse sufoco de Manaus é o do país inteiro, que nesse momento tem sua população abandonada porque temos um governo que nega o direito à vida das pessoas cristãs", disse, na Câmara, a pastora Romi Márcia Bencke, secretária geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), uma das autoras do texto. "A grande base de apoio do presidente é cristã, de matriz conservadora, e é por isso que juntamos pessoas cristãs de diferentes vertentes para trazer, articular e concretizar esse pedido de impeachment".
As denúncias apontadas pelo grupo vão desde "Bolsonaro descumpre as regras de distanciamento e de etiqueta respiratória, desestimula o uso da máscara e expõe o povo brasileiro à morte", passam por o "Governo Federal não ofereceu qualquer atenção específica às comunidades quilombolas", até "o presidente colocou em dúvida a eficácia e promoveu obstáculos à aquisição de vacinas, fez campanha pelo uso de medicamentos e tratamentos não corroborados pela comunidade científica [em referência à cloroquina e à hidroxicloroquina]".
"Os cidadãos e cidadãs religiosos/as que decidiram denunciar Jair Bolsonaro por seus delitos acreditam que somente o seu afastamento e a responsabilização jurídico política de todos os representantes de seu governo, que levam adiante as políticas destrutivas representadas pelo seu projeto político, são capazes de recolocar o país nos trilhos da observância e do predomínio da Constituição da República", afirmam. Ainda: "Bolsonaro deu início a um festival de desinformação, de desorganização administrativa e de renovação de ataques aos entes subnacionais, ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal".
Representante da Comissão Brasileira Justiça e Paz, ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Carlos Seidell endossa o pedido e afirma que milhares de pessoas foram "assassinadas pelo descaso" do presidente, que "boicotou possibilidades de vida". "É urgente do nosso pais se libertar desse governo. E, para isso, estamos utilizando um instrumento com base legal", diz. Procurada, a CNBB, enquanto instituição de colegialidade dos bispos do Brasil, negou ter prestado qualquer tipo de apoio ao movimento.
Movimento sem representatividade
Nos bastidores, palacianos e outras fontes ouvidas pela reportagem, que representam parte do segmento cristão, mas que pediram para não serem identificadas na matéria, afirmam que há pouca representatividade no movimento. Para eles, pedir pela saída do presidente neste momento é precipitação e oportunismo.
"É cedo para se falar em impeachment, não há fato concreto, porque as opiniões de Bolsonaro são uma coisa e outra, são as ações. Ele diz muita bravata, mas a execução segue o "certo"", diz, em off. "A gente tem que separar o discurso e a prática. No discurso, o negacionismo dele pode ensejar crime de responsabilidade. Mas na prática tudo foi feito e está sendo feito".
Contudo, essa poderia se tornar uma reivindicação do segmento cristão com maior representatividade, afirma a fonte, se Bolsonaro "seguir inviabilizando a pauta de combate à corrupção".
*Leia a íntegra do pedido de impeachment protocolado pelo grupo:
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