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Entrevista

Luiz Fernando Delazari,secretário de Segurança Pública do Paraná

Segundo o secretário de Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari, são muitas as denúncias de corrupção nos meios policiais na região de Guaíra.

Em uma região de fronteira, diz ele, o assédio do crime organizado aos agentes públicos é maior. "Existem investigações em andamento e vamos intensificar isso", garante. Ele aposta no trabalho operacional da Força Alfa com a Polícia Federal e no controle externo do Gaeco para reprimir o crime organizado e seus tentáculos sobre a polícia.

A chacina foi um divisor de águas para a região de Guaíra?

Não vejo assim. Já vínhamos pensando na Força Alfa desde 2004. O que nos levou a pensar no fortalecimento do policiamento por lá foram os índices de criminalidade, contrabando e tráfico que aumentaram muito e apareceram no nosso geoprocessamento.

A Força Alfa ficará na fronteira por tempo indeterminado?

Nem tem como ser diferente. A Força Alfa é uma companhia independente da Polícia Militar criada por lei. Tem algumas particularidades em relação à permanência do efetivo para evitar qualquer possibilidade de contaminação da tropa.

O Gaeco também é importante para apurar essa possível aproximação das forças policiais com o crime organizado?

Eu diria que a principal função do Gaeco é o controle externo da atividade policial. Além disso, a Força Alfa será o braço operacional da Polícia Federal e do próprio Gaeco, que fazem um trabalho de inteligência no combate ao crime.

Essa integração tem ocorrido?

Tem. O Paraná é tido como exemplo de trabalho integrado e quem fala isso é o ministro da Justiça (Tarso Genro) e o superintendente da Polícia Federal no Paraná (Maurício Valeixo). Percebemos que depois desse período com a Força Alfa a criminalidade está acuada. Pode ser uma fase.

São várias as denúncias de envolvimento de policiais com o crime organizado na região. Essas denúncias chegam ao senhor?

Chega bastante coisa. Todo dia. É uma região que pela sua natureza propicia esse tipo de coisa. Mas temos uma corregedoria da Polícia Civil atuante e um Ministério Público apto a realizar essas investigações. Já existem investigações em andamento e vamos intensificar isso.

      Até um ano atrás, o paranaense via Guaíra como a cidade que um dia teve Sete Quedas e como segunda opção de compras no Paraguai, uma alternativa mais calma à movimentada Foz do Iguaçu. A história mudou numa manhã de segunda-feira, 22 de setembro, quando 15 pessoas foram assassinadas numa chácara às margens do Lago de Itaipu. Daquele mo­­mento em diante, Guaíra seria a cidade da maior chacina da história do Paraná, uma das maiores do Brasil. O crime, motivado por vingança e dívidas do narcotráfico, foi o marco decisivo para mudar a geopolítica da segurança pública na fronteira do Brasil com o Paraguai.

      A chacina fez deslocar um batalhão de policiais para Guaíra e chocou a opinião pública. Em entrevista à Gazeta do Povo, o sociólogo e coordenador do Núcleo de Estudos Sobre Segurança Pública da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Pedro Bodê classificou o episódio como "um marco macabro" na história do estado. Para as autoridades locais, o crime era, sim, uma consequência sinistra, mas também natural no processo de fortalecimento do crime organizado na região. Algum tempo antes, a repressão ao tráfico e ao contrabando ganhara força em Foz do Iguaçu. A contravenção subiu o Rio Paraná, o poder público não.

      A região de Guaíra transformou-se na capital da nova rota do crime organizado, servindo de entrada para contrabando, drogas e armas no Brasil. "Na época eu disse que 40 quadrilhas atuavam na região do Lago de Itaipu (entre Guaíra e Foz). Hoje dá para dizer que até fui cauteloso. Era muito mais", diz o delegado da Polícia Federal em Guaíra, Érico Saconato. A possibilidade de lucros exorbitantes atraiu quadrilhas de fora. "Em julho prendemos o ex-deputado Nílton Servo em Minas Gerais. Ele veio para cá lidar com o contrabando de cigarro", ressalta Saconato.

      "Bem antes da chacina já vínhamos identificando uma atuação muito forte do crime aqui. Eu dizia que grupos criminosos como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho contavam com membros na região, que buscavam drogas e armas. Muitos ironizaram, mas os fatos nos deram razão", diz o promotor Marcos Cristiano Andrade, que conduz o processo sobre a chacina. Meses depois do ocorrido, relatório anual sobre narcóticos do Departa­mento de Estado norte-americano afirmou que organizações criminosas como o PCC o Comando Ver­melho operavam em Guaíra.

      Entre os mortos na chacina, pelo menos três pessoas tinham ligações com esses grupos criminosos. Os demais eram pequenos traficantes locais, consumidores de maconha e pessoas sem nenhuma relação com o crime organizado – um pedreiro que prestava serviço na chácara, um jovem que havia ido negociar uma carroça, outro que foi comprar um galo. O crime guardava relação com um assassinato anterior. Dirceu de Souza Pereira havia sido morto pelo suposto desvio de uma carga de maconha comprada por Jossimar Marques Soares, o Polaco.

      O padrasto de Dirceu, Jair Correa, juntou-se a Ademar Fernando Luiz e Fabiano Alves de Andrade para vingar o filho. Pretendia matar Polaco, dono da chácara, e os três executores do enteado. Em cinco horas na propriedade, mataram 15. Os três estão presos e confessaram o crime. O júri deve ocorrer entre outubro e novembro. "Nenhum deles nega o crime e não há divergência entre eles. Vamos basear a defesa em aspectos técnicos para diminuir a pena", diz o advogado Luiz Cláudio Nunes Lourenço, que, junto com Ademílson dos Reis, defende o trio.

      Uma das sobreviventes está no programa estadual de proteção à testemunha. Dois jovens continuam na cidade, estudando e fazendo pequenos trabalhos com agricultura. Os demais deixaram o município.

      Mudança

      A chacina ajudou a mudar o tratamento dado à região. A Polícia Federal ganhou uma delegacia marítima, com embarcações para patrulhar o lago. Os equipamentos e o efetivo policial estavam previstos, mas o crime de 22 de setembro acelerou o processo. A cidade deve ganhar uma vara federal. Hoje os crimes federais vão para Umua­rama, o que obriga o deslocamento constante de policiais para acompanhar réus em depoimentos e julgamentos.

      A Polícia Rodoviária Federal, que até julho de 2008 não atuava na região, tem trabalhado com a PF. E o governo do estado criou a Força Alfa – Companhia Inde­pen­dente de Fronteira. Para o secretário de Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari, a chacina não foi um divisor de águas no combate ao crime na região (leia entrevista ao lado), pois a ideia era anterior ao episódio. Mas é inegável que o crime despertou o clamor popular e pressionou as autoridades. A Força Alfa completa dois meses na mesma época do aniversário da chacina.

      Guaíra também receberá uma sede do Grupo de Atuação Es­­pe­cial de Combate ao Crime Or­­ganizado (Gaeco), a ser coordenado pelo promotor Marcos An­­drade. "Vamos intensificar várias linhas de investigações, atuando em parceria com as autoridades policiais e a Receita Federal", diz. Só em agosto a Recei­ta apreendeu US$ 2,5 milhões em contrabando, três vezes mais do que em agosto de 2008. Na PF os números também cresceram. A delegacia de Guaíra é responsável por 35% de toda a maconha apreendida por dia no país.

      O recrudescimento do controle já alertou o crime organizado. "Nas últimas semanas percebemos diminuição no contrabando e no tráfico", diz o comandante da Força Alfa, major Roberto Sam­paio. Para o delegado Saconato, a parceria das forças policiais vai bem, mas não há como imaginar o fim do crime organizado. "Não há bobo do outro lado. O crime sempre procura uma brecha", diz. Já o promotor tem ouvido de contrabandistas e pequenos traficantes que pode haver uma onda de assaltos a moradores e comerciantes de Guaíra. "É uma chantagem, um recado: olha, se continuarem pegando a gente no cigarro, vamos incomodar vocês."

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