Era pouco mais de 10 horas da manhã quando os doze operários que trabalhavam para reparar rachaduras profundas, que ameaçavam as colunas de sustentação do Edifício Atlântico, em Guaratuba, ouviram um estrondo. Só tiveram tempo de correr. Segundos depois, o prédio veio abaixo. A poeira que violou aquele sábado de verão que completou exatos 20 anos na última quarta-feira deu o tom de uma das maiores tragédias do Litoral do Paraná. O desabamento matou 29 pessoas e feriu outras quatro. Duas décadas depois, muitas famílias ainda esperam por justiça.
Uma das sobreviventes, Polliana Pundek, hoje com 40 anos, sente que parte de sua vida desabou junto com o prédio. Ela perdeu o pai, a mãe e o irmão. Resgatada dos escombros após ficar mais de oito horas soterrada, Polliana passou um semestre internada no Hospital Cajuru, em Curitiba. Teve que se reconstruir. Ainda hoje caminha com dificuldade, faz fisioterapia e toma medicamentos diariamente. Nunca recebeu um centavo de indenização.
"Nunca fui procurada pela Justiça, Ministério Público ou pelo Ney Torres [engenheiro e construtor responsável pelo prédio]. Me sinto indignada e injustiçada. As pessoas perguntam o que se deu dos responsáveis. Não deu nada."
Além dela, brigam na Justiça para obter reparação a família Trauczynski (que perdeu um casal e seus dois filhos) e a família Toaldo (morreu um casal). Parentes de outras pessoas que perderam a vida na tragédia nunca foram indenizados, entre eles familiares de duas babás e de um jovem que acompanhava um amigo. Uma empregada doméstica que sobreviveu ao desabamento também não recebeu compensação.
A ação penal foi encerrada em 1996, depois que os réus fecharam um acordo, segundo o qual indenizaram parte das vítimas. Dos 12 acordos cumpridos, cinco dizem respeito a acertos com proprietários que não perderam parentes no desabamento (tiveram só prejuízos materiais). Alguns dos que tiveram familiares mortos no episódio optaram por fechar acordo, como forma de sepultar o ocorrido.
"O que eu recebi não pagou as despesas funerárias, mas me livrou de participar das reuniões [com os outros proprietários para negociar o acordo]. Parecia um leilão: quem não tinha perdido familiares estava preocupado só com o dinheiro. Mas [o acordo] foi como virar uma página", diz Guilherme Cury Saliba Costa, hoje com 36 anos e prefeito de Tomazina, no Norte Pioneiro. O pai, a mãe, dois irmãos, tios e a avó dele morreram no desastre.
O procurador de Justiça Hélio Airton Lewin era subsíndico e conselheiro do Edifício Atlântico. Ele e os familiares conseguiram escapar. Hélio se emociona ao recordar daquele sábado. "Não são boas lembranças pra ninguém", resume. Segundo os autos, ele recebeu, à época, R$ 25 mil de indenização. "Ninguém recuperou 10% do que perdeu, mas chegou uma altura que a questão material era de menos. A gente estava preso àquela tragédia e queria superar aquilo."
Em meio aos escombros, a luta para sobreviver
Guilherme Cury Saliba Costa foi despertado por um forte estrondo naquele sábado de 1995. Lembra-se da sensação de seu corpo caindo, junto com os escombros do prédio que ruia. Desmaiou. Horas depois, acordou com gritos dos bombeiros. Foi o primeiro sobrevivente do Edifício Atlântico a ser resgatado. Àquela altura, ainda não sabia que seus familiares tinham morrido no desabamento, inclusive o pai, Ivaldo Costa, que era prefeito de Tomazina. "Eu procurei entender e aceitar. Se morreu toda minha família, mas Deus quis me manter vivo, é porque havia algum propósito", avalia.
Saliba demorou seis meses para recuperar o movimento das pernas. Passou nove anos em Curitiba, sob a tutela de uma tia. Por fim, decidiu voltar a Tomazina, sua cidade natal, onde se elegeu prefeito. "Eu quis voltar e terminar o trabalho que meu pai tinha começado." Hoje, Saliba é casado e tem dois filhos Vinícius e Adriano batizados com o nome dos dois irmãos que perdeu na tragédia.
A guerreira
Além de ter perdido a família, Polliana Pundek é a única sobrevivente que tem sequelas físicas do desabamento. Ela foi salva pelo caixilho de uma porta, que impediu que os escombros a esmagassem. Apesar disso, teve as pernas comprimidas por uma viga. Hoje, não tem sensibilidade nos pés e caminha com dificuldade. "Na hora, fiquei calma. Eu pensava: se me apavorar, vou morrer. Ajudei os bombeiros a me resgatarem. Por um vão no concreto, eles jogavam um balde com uma corda. Eu enchia o balde com pedras e eles puxavam. Tudo para retirar os escombros e eles poderem me retirar dali", lembra Polliana, que só foi salva no início da noite.
Para voltar a andar, lutou contra os próprios limites e o ceticismo de médicos. A reconstrução da vida foi lenta. Concluiu o curso de Arquitetura e casou-se com o namorado da época, que sempre esteve ao seu lado. "Tive que superar a mim mesma. Minha força veio de acreditar que, se Deus me manteve viva, é porque tenho que continuar."