Um infeliz gracejo a uma jovem que passava pela Avenida Cândido Hartmann, no Bigorrilho, na altura do Parque Barigüi, desencadeou uma briga física e judicial entre guardas municipais de Curitiba e militares do Exército. Dois sargentos e cinco soldados foram parar no hospital, com fraturas no nariz, no maxilar e escoriações generalizadas. Eles acusam os guardas de abuso de autoridade, por tê-los torturado enquanto estavam algemados. Os guardas envolvidos no caso alegam resistência e desobediência dos militares. O confronto, ocorrido há um mês, estava em sigilo pelo comando das duas corporações. Os nomes não serão divulgados por motivo de segurança.
Era 17h30 de sexta-feira, 2 de março, quando de dentro do carro um soldado do Exército chamou de "bonitinha e gostosinha" a adolescente que passava pela rua. Ela respondeu com um gesto obceno. Ele revidou com palavrões. O bate-boca prosseguiu por alguns metros, com o veículo em marcha lenta. Logo em frente, alguém acompanhava tudo da porta do módulo da Guarda Municipal. A menina era enteada de um guarda. Em poucos segundos o militar seria abordado por homens uniformizados. Ele diz que foi arrancado do carro e levado para dentro do módulo, onde teria sido espancado por cerca de 15 minutos.
O militar conta que o jogaram num banhado e pisaram com o coturno na cabeça. Ele vertia sangue pelo nariz e um dos agressores teria aberto uma mangueira em pressão máxima contra seu rosto, quase tirando-lhe o fôlego. A versão dos guardas é que ele tentou fugir e caiu no banhado. Contudo, além do nariz quebrado ele apresentou escoriações nos dois lados do rosto e marcas de chutes nas costas. A pretexto de buscar os documentos do acusado, os guardas o colocaram na Parati e foram até a churrasqueira do parque onde ele participava com amigos de uma festa de despedida dos soldados que estavam dando baixa do quartel.
Vendo-o algemado e sangrando, um sargento avisou que ele só poderia ser preso pela Polícia do Exército (PE). Os guardas teria interpretado como uma reação. O sargento acabou levando um golpe de cassetete na cabeça. Nesse momento começaram as prisões em seqüência. Três soldados que estavam perto do sargento também entraram na roda, levando socos e chutes. Outro teria sido queimado com cigarro e levado chutes na boca só porque perguntou se a PE já havia sido acionada. "Eles chutavam e perguntavam: quem manda aqui?", relata.
Outro sargento disse ter passado ao lado da briga para desligar o som do seu carro, por achar que este era o motivo da confusão (à tarde, os guardas já haviam mandado eles baixarem o volume). Foi quando sentiu um baque no maxilar. Perdeu a consciência. Só lembra do momento em que já estava no carro em direção ao hospital. Para a Guarda Municipal, ele nem estava ali naquela ocorrência. Os outros seis militares foram levados pelos guardas ao 8.º Distrito da Polícia Civil para lavrar um termo circunstanciado, mas o sargento não. Ficou ali, ensangüentado, à espera da PE. Acabou sendo socorrido por pessoas que acompanhavam a operação.
Já no 8.º DP, o delegado não aceitou os militares sem antes passarem por atendimento médico. O grupo foi levado algemado para o hospital. Depois, assinaram o termo circunstanciado e foram liberados. Segundo o advogado do grupo, Reginaldo Antonio Koga, testemunhas civis presenciaram os atos arbitrários dos guardas municipais. Eles teriam, inclusive, retirado as faixas com seus nomes dos uniformes para dificultar a identificação. Eles chegaram ao local em várias motos e viaturas, e com cassetete na mão.