O presidente Lula e o ministro do STF Alexandre de Moraes em evento na semana passada.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Nos primeiros dias após a decisão da Meta de retornar às origens em relação à liberdade de expressão nas redes sociais, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ensaiou uma postura de confronto, com o presidente classificando a mudança como "extremamente grave" e a Advocacia-Geral da União (AGU) notificando a empresa.

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De imediato, as mudanças não atingem o Brasil, mas Mark Zuckerberg, dono da Meta, já deixou claro que o plano não se restringe aos Estados Unidos e até mencionou sua preocupação com o fato de que "países da América Latina têm tribunais secretos" que podem ordenar a remoção de conteúdo de forma silenciosa.

No Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Alexandre de Moraes também reagiu agressivamente ao anúncio feito por Zuckerberg e chamou o americano de "irresponsável": "Aqui no Brasil, a nossa Justiça Eleitoral e o nosso Supremo Tribunal Federal, ambos já demonstraram que aqui é uma terra que tem lei. As redes sociais não são terra sem lei. No Brasil, só continuarão a operar se respeitarem a legislação brasileira. Independentemente de bravatas de dirigentes irresponsáveis das Big Techs".

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Para especialistas em Relações Internacionais e Direito Digital consultados pela Gazeta do Povo, essas reações podem ser a primeira etapa de um jogo de poder que será travado nos próximos anos entre as Big Techs e o Estado brasileiro. Mas, em certa medida, as autoridades brasileiras precisarão mudar os planos que tinham em relação a iniciativas de coibir a liberdade de expressão.

"Se os interesses dessas empresas poderosíssimas, com enorme lobby, que movimentam valores bilionários, forem afetados, isso pode naturalmente melindrar as relações do Brasil com os Estados Unidos. Até porque Trump considera isso uma cruzada, uma missão que ele tem neste seu segundo governo, na sua volta ao poder", alerta Elton Gomes, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI).

"Se o Brasil adotar medidas extremamente restritivas como aquela que adotou contra o grupo X, com a suspensão dos sites, o bloqueio das plataformas, isso coloca o Brasil numa posição muito delicada, muito vulnerável, porque vai fazer coro com regimes autoritários ou de acentuadas características autoritárias semiditatoriais que, com alguma frequência, recorrem à solução do shutdown, de tirar do ar plataformas inteiras. É o caso do Irã, da China, da Coreia do Norte, da Rússia e de outros regimes autoritários pelo mundo afora", acrescenta.

Para Gomes, a regulação de mídias sociais em democracias só tende a ser bem vista internacionalmente quando feita por meio de processos legislativos, como ocorreu na União Europeia, Argentina e Japão. No Brasil, no entanto, a articulação entre Executivo e Judiciário para tratar do tema lançaria um mau sinal até mesmo do ponto de vista do comércio.

"Afastaria parcerias e investimentos, porque ficaria comprovada a situação de que o Brasil é um país muito volátil, muito inseguro, muito imprevisível do ponto de vista das pessoas que querem contratar negócios e adquirir bens e serviços com brasileiros", diz.

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Para ele, contudo, qualquer mudança dificilmente se daria de uma hora para outra, muito menos com um país como os EUA, que têm histórico de firme relação diplomática com o Brasil. "Os Estados Unidos são o país com o qual o Brasil tem a maior quantidade de acordos, tratados e convenções estabelecidas. É uma relação profundamente institucionalizada, que não tende a ser tão afetada por mudanças de governo ou mudanças de postura de grandes organizações com capacidade de exercer lobby e influência sobre o governo, como é o caso das Big Techs."

Meta e Judiciário devem medir poder a partir de agora, dizem especialistas em Direito Digital

Especialistas em Direito Digital esperam, nos próximos anos, uma batalha mais política do que jurídica entre a Meta e o Judiciário brasileiro no que se refere à liberdade de expressão. E os primeiros efeitos poderão ser sentidos na discussão sobre o artigo 19 do Marco Civil que está em curso no STF.

"Eles vão medir poder. Como o Zuckerberg sinalizou a ruptura com determinada ideologia no Brasil e se aliou a outra ideologia, buscando força nos Estados Unidos, o Judiciário tende a pisar em ovos, sob o risco de sofrer alguma espécie de retaliação", afirma o advogado especialista em Direito Digital Fernando Brizola. "O Judiciário tenderá a sofrer certa pressão do governo americano para que o Brasil faça uma revisão interna do modo como está agindo contra as redes sociais, para que busque certo equilíbrio."

O advogado Gabriel Avelar, especialista em Direito Digital, ressalta que o Judiciário brasileiro dificilmente conseguirá agir com a Meta da mesma forma como fez com o X, em caso de descumprimento de decisões judiciais.

"Para o Supremo, era mais fácil bloquear o X, porque, do ponto de vista da população que vota, não há tantos usuários do X no Brasil. O X é uma rede social muito limitada. Agora, se tirarem do ar o WhatsApp, por exemplo, o custo político disso é infinito. A questão é quão entrincheiradas politicamente ficariam essas autoridades. Elas responderiam a uma forte pressão econômica. Se uma empresa americana está perdendo um milhão por dia, é uma coisa. Se ela estiver perdendo um bilhão por mês – um dinheiro que está deixando de ir para os Estados Unidos –, é diferente", comenta Avelar.

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Para ele, os ministros do STF "vão estar muito cautelosos com isso, porque entendem que é muito diferente bloquear o X e bloquear Instagram e WhatsApp". Na visão dele, eventuais bloqueios por tempo limitado podem acontecer, mas nada próximo do que se viu com o X. "Não acho que eles teriam coragem, por exemplo, de bloquear indefinidamente."

Brizola considera que o Judiciário colocaria o Brasil em uma batalha de proporções muito mais amplas do ponto de vista geopolítico caso resolvesse confrontar a Meta da mesma forma como fez com o X.

"As redes sociais se tornaram um ponto central, porque a gente vive o que se tem chamado hoje de "economia da atenção". As plataformas digitais se tornaram centrais para a economia e a política, em todos os sentidos, e assumiram um papel de absoluta relevância para a sociedade. Uma decisão dessas geraria um risco muito grande, com desafios geopolíticos bem relevantes", avalia.

Avelar acredita que "os ventos vão mudar". "Hoje, quem restringe o discurso tem muito poder, porque existe uma percepção pública de que é necessário censurar para proteger a democracia, por exemplo. Só que eu acredito que, dentro de alguns meses, o discurso contrário vai começar a ganhar força."