Na década de 1970, o crescimento rápido de Curitiba exigia a modernização do sistema de transporte coletivo. A ideia era ousada: fazer uma rede de ônibus tão eficiente quanto o metrô. Foi um sistema bolado na capital, em 1972, que deu corpo ao que se transformaria no primeiro Bus Rapid Transit (BRT) do mundo.
Era simples: uma via larga, dividida em três pistas de tráfego, sendo duas em sentido oposto, de fluxo lento para veículos, e uma exclusiva para os ônibus. O sistema expresso começou a operar em 1974, ligou a região Norte ao Sul da capital paranaense e revolucionou as redes de transporte.
O arquiteto e urbanista Jaime Lerner recorda que, no início dos anos de 1970, o consenso era de que cidades com um milhão de habitantes precisavam de um sistema de metrô. Curitiba estava quase lá com cerca de 750 mil pessoas e sem dinheiro para o trem subterrâneo. "Pensamos no que o metrô tem de bom: a rapidez, embarque direto, frequência dos carros. Por que não na superfície?", lembra.
No começo, eram ônibus convencionais que faziam a linha, mas algumas inovações podiam ser notadas. Ao longo da via, guaritas davam abrigo a cobradores, que já vendiam as passagens aos usuários antes mesmo de entrar no ônibus.
A ideia deu tão certo que foi tomando conta de outros eixos de transporte de Curitiba, onde ainda ganhou inovações, como ônibus articulados e biarticulados e faixas para ultrapassagem. Depois, cidades de diversos países se renderam à "metronização" do ônibus.
Não deixa de ser curioso que o Dia Mundial Sem Carro, comemorado nesta segunda-feira, caia na mesma data em que foi criado um dos sistemas de transporte de maior capacidade do mundo. Quarentão, o BRT que nasceu em Curitiba mostra que ainda tem muita estrada a percorrer.
"Foi um avanço em relação a mobilidade"
O planejamento de Curitiba e seu sistema trinário de vias, incluindo as canaletas exclusivas para ônibus facilitou as coisas. "Esse foi o começo da solução", resume o arquiteto e urbanista Jaime Lerner. Em 1974, no início da operação, o sistema transportava 50 mil passageiros por dia. Hoje, essa é a capacidade de transporte durante o horário de pico. "Foi um avanço em relação a mobilidade. Deixamos de sacrificar gerações a espera de redes de metrô que não vão existir", diz.
Curitiba foi, então, criando a sua rede de transporte, com expressos, alimentadores e ligeirinhos, que serviram de modelo para o mundo. É o caso do bem-sucedido sistema implantado em Bogotá (Colômbia), o Transmilenio, mas há centenas de outros exemplos pelo mundo. Lerner defende sua criação. Para ele, o metrô de Curitiba é uma escusa para a má operação do sistema de ônibus. "Ainda há avanços a serem feitos, mas eles foram interrompidos", lamenta. Para ele, é preciso melhorar a frequência e a priorização semafórica. Segundo ele, Curitiba precisa voltar a inovar, basta ter criatividade. "O futuro está na superfície. E é elétrico", provoca.
Lerner lembra de uma conversa que teve com os motoristas de ônibus antes de o sistema expresso entrar em operação. "Falei que eles estavam sendo pioneiros e acho que eles, assim como nós, que planejamos, podemos nos sentir orgulhosos do que fizemos", diz. Para ele, esses 40 anos de BRT foram de imensa alegria. "Quando ando pelas ruas, os motoristas do expresso ainda me cumprimentam com duas buzinadas."