O velho expresso foi substituído pelos modernos biarticulados. Sistema transportava 50 mil pessoas ao dia nos anos 1970| Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo

Eles foram pioneiros na boleia

Quando entraram na empresa de ônibus São José, ainda na década de 1970, os motoristas João Maria Jorge, o Janguito, de 60 anos, e Roberto Nogari Siqueira, de 56 anos, não imaginavam que participariam de uma revolução no transporte coletivo. Em comum, os dois dirigiram o expresso da linha Boqueirão.

"No início, quando ninguém estava acostumado, deu muito trabalho. Chamavam de ‘ônibus matador’", lembra Janguito, sobre a má fama do sistema no começo, quando havia muitos atropelamentos. Hoje, trabalhando na fiscalização da empresa, Janguito recorda que treinou vários motoristas a cada inovação do sistema.

"Na época, expresso era o ônibus padron [modelo mais simples, que não é articulado]. Deu diferença para o articulado e o biarticulado", conta. Ele chegou a dar treinamento para os motoristas aprenderem a dirigir os grandes ônibus e confessa: a marcha a ré é o que complica.

Já Roberto participou ativamente de outro momento importante: a implantação das estações-tubo. Ele foi destacado para fazer os testes de aproximação do veículo à plataforma, ainda na fábrica que produzia as estruturas. "A primeira vez que parei o ônibus, um ligeirinho, no tubo e a porta abriu, com música, todos pularam dentro do ônibus, inclusive o Lerner. Tinha funcionado."

E o esquema para parar no lugar certo foi bolado por Janguito. "Na época, queriam trazer um sensor dos Estados Unidos, mas eu já tinha pensado num esquema com as linhas. Aí foi a oportunidade de falar", conta. Para os biarticulados, há linhas pintadas no chão. Com os ligeirinhos, a marcação é no próprio veículo. E funciona até hoje.

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Participação do leitor

A capital paranaense deveria criar um museu do transporte coletivo, para organizar e preservar veículos e estações. Essa é a sugestão é do leitor Claudio Prevedello Bento.

Bento observa que o museu seria uma viagem no tempo e "mostraria aos mais novos como era andar de bonde (ou ônibus) nas décadas passadas".

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Lerner: sistema com vias exclusivas foi
Roberto e Janguito participaram da implantação do ligeirinho e das estações-tubo

Na década de 1970, o crescimento rápido de Curitiba exigia a modernização do sistema de transporte coletivo. A ideia era ousada: fazer uma rede de ônibus tão eficiente quanto o metrô. Foi um sistema bolado na capital, em 1972, que deu corpo ao que se transformaria no primeiro Bus Rapid Transit (BRT) do mundo.

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INFOGRÁFICO: Acompanhe a evolução do sistema

Era simples: uma via larga, dividida em três pistas de tráfego, sendo duas em sentido oposto, de fluxo lento para veículos, e uma exclusiva para os ônibus. O sistema expresso começou a operar em 1974, ligou a região Norte ao Sul da capital paranaense e revolucionou as redes de transporte.

O arquiteto e urbanista Jaime Lerner recorda que, no início dos anos de 1970, o consenso era de que cidades com um milhão de habitantes precisavam de um sistema de metrô. Curitiba estava quase lá – com cerca de 750 mil pessoas – e sem dinheiro para o trem subterrâneo. "Pensamos no que o metrô tem de bom: a rapidez, embarque direto, frequência dos carros. Por que não na superfície?", lembra.

No começo, eram ônibus convencionais que faziam a linha, mas algumas inovações podiam ser notadas. Ao longo da via, guaritas davam abrigo a cobradores, que já vendiam as passagens aos usuários antes mesmo de entrar no ônibus.

A ideia deu tão certo que foi tomando conta de outros eixos de transporte de Curitiba, onde ainda ganhou inovações, como ônibus articulados e biarticulados e faixas para ultrapassagem. Depois, cidades de diversos países se renderam à "metronização" do ônibus.

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Não deixa de ser curioso que o Dia Mundial Sem Carro, comemorado nesta segunda-feira, caia na mesma data em que foi criado um dos sistemas de transporte de maior capacidade do mundo. Quarentão, o BRT que nasceu em Curitiba mostra que ainda tem muita estrada a percorrer.

"Foi um avanço em relação a mobilidade"

O planejamento de Curitiba – e seu sistema trinário de vias, incluindo as canaletas exclusivas para ônibus – facilitou as coisas. "Esse foi o começo da solução", resume o arquiteto e urbanista Jaime Lerner. Em 1974, no início da operação, o sistema transportava 50 mil passageiros por dia. Hoje, essa é a capacidade de transporte durante o horário de pico. "Foi um avanço em relação a mobilidade. Deixamos de sacrificar gerações a espera de redes de metrô que não vão existir", diz.

Curitiba foi, então, criando a sua rede de transporte, com expressos, alimentadores e ligeirinhos, que serviram de modelo para o mundo. É o caso do bem-sucedido sistema implantado em Bogotá (Colômbia), o Transmilenio, mas há centenas de outros exemplos pelo mundo. Lerner defende sua criação. Para ele, o metrô de Curitiba é uma escusa para a má operação do sistema de ônibus. "Ainda há avanços a serem feitos, mas eles foram interrompidos", lamenta. Para ele, é preciso melhorar a frequência e a priorização semafórica. Segundo ele, Curitiba precisa voltar a inovar, basta ter criatividade. "O futuro está na superfície. E é elétrico", provoca.

Lerner lembra de uma conversa que teve com os motoristas de ônibus antes de o sistema expresso entrar em operação. "Falei que eles estavam sendo pioneiros e acho que eles, assim como nós, que planejamos, podemos nos sentir orgulhosos do que fizemos", diz. Para ele, esses 40 anos de BRT foram de imensa alegria. "Quando ando pelas ruas, os motoristas do expresso ainda me cumprimentam com duas buzinadas."

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