De família
Tarefa que passa de geração em geração é discreta e gratificante
Edison Ávila nunca se cansou de dar cordas no relógio. Mas ele reconhece que, quando não puder mais subir as escadarias da torre, o "substituto natural" já estará à disposição: "Meu filho, José Carlos, que também é dentista aqui em Castro". Ávila afirma que alguns de seus amigos, também frequentadores das missas na Matriz, só ficaram sabendo que ele é o responsável por dar corda no relógio por ocasião do centenário. "É uma atividade discreta. Por outro lado, é muito gratificante", salienta.
O relógio da Matriz já chegou a ficar parado por dias inteiros, mas o motivo era especial. "Era muito comum as pessoas nem assoviarem na sexta-feira santa, por respeito. Isso também valia para os sinos do relógio. À meia-noite do dia anterior meu pai subia e parava a máquina, que ficava o dia inteirinho sem funcionar", lembra Edison, com saudades.
A pesquisadora da história de Castro, Léa Maria Cardoso Villela, ainda se guia pelo relógio da Matriz. Até os primeiros meses deste ano, ela era diretora do Museu do Tropeiro, que fica nos fundos da paróquia. "Não precisa nem olhar os ponteiros, basta ouvir os sinos tocando para saber que horas são."
Duas suaves badaladas de sino marcam as 16h30 no centenário relógio da Matriz de Senhora SantAna, no Centro de Castro, nos Campos Gerais. Nesse mesmo instante, o dentista Edison José Ávila entra pela porta lateral. Apontando o próprio relógio de pulso, observa: "Cheguei no horário que marcamos e o relógio da Matriz também foi pontual. Muita gente nem se dá conta, mas ele funciona perfeitamente". Ávila vai à paróquia pelo menos duas vezes por semana. Uma para ir à missa aos domingos e outra para dar corda no relógio da torre esquerda, inaugurado exatamente há cem anos, no dia 24 de abril de 1913.
Ávila tira do bolso a chave da porta que dá acesso à escadaria da torre. Logo no primeiro andar, uma escadinha de metal rente à parede dificulta um pouco a subida. Os degraus do próximo lance, de madeira, comportam um pé de cada vez. No fim da "escalada", há um patamar de madeira com um buraco retangular no chão. "É por esse buraco que passam os pesos que movem o relógio. O funcionamento é quase o mesmo do cuco. Só que, neste caso, o som é provocado por martelos que batem nos sinos situados no patamar acima deste em que estamos". Do lado, uma espécie de armário branco guarda a máquina que mantém sempre pontuais os ponteiros vistos do lado de fora.
Uma manivela puxa três pesos, um de cada vez, que controlam os quartos de hora (batidas de sino mais graves e espaçadas a cada quinze minutos), as horas cheias (batidas vigorosas e um pouco mais agudas) e o movimento do relógio. "Tente você girar a manivela aqui, rapaz", convida Ávila. O movimento não exige muita força, mas ocorre um pequeno "tranco" a cada volta completa. "Os pesos demoram uma semana para tocar o chão do 1.º andar. Como dei corda há dois dias e o fiz de novo, vou ter mais um tempinho até a próxima vez."
Num tijolo da parede, ao lado da máquina, está gravada a data de uma das primeiras manutenções feitas no relógio, em 14 de setembro de 1939. A lembrança é assinada pelo relojoeiro Cyríaco Ávila, pai de Edison. "Em muitas dessas ocasiões eu acompanhei meu pai e acabei aprendendo a dar corda. Ele subiu essas escadas aqui até por volta dos 80 anos. Quando faleceu, assumi esse compromisso". A conversa com Ávila dentro da Matriz termina com nove badaladas: quatro delas chamando a atenção para a hora cheia e outras cinco indicando que já são 17 horas.
Sempre pontual, o relógio chegou à igreja atrasado
Desde que foi inaugurada, em 1887, a torre esquerda da Matriz possuía um espaço destinado ao relógio. No entanto, só em 1913 ele foi instalado. A demora só não foi maior que a da construção da própria Matriz, que levou quase noventa anos para ficar completa. "Tanto a paróquia quanto o relógio só existem por causa do empenho do povo de Castro", observa a pesquisadora da história da cidade, Léa Maria Cardoso Villela.
O maestro de banda e então vereador Benedito Alves Pereira realizou uma campanha de coleta de dinheiro para a compra do relógio, importado de Leipzig, Alemanha. "O pesquisador castrense Oney Borba conta, num livro sobre a história da cidade, que Benedito arrecadou o dinheiro através da subscrição popular e com uma quantia oferecida pela prefeitura", afirma Léa. A data de inauguração, 24 de abril de 1913, era uma homenagem do vereador à sua esposa Sinhá Ana Xavier da Silva , que fazia aniversário na mesma data.
Na entrada da igreja, há um sino em exposição permanente que já fez parte da torre do relógio. "Em 1945, o pessoal badalou tanto para comemorar o fim da 2.ª Guerra Mundial que ele acabou rachando. É uma peça única", afirma Léa. No final da década de 1960, uma nova torre foi erguida, à direita da igreja, contendo um relógio parecido com o primeiro. Mas o mecanismo é eletrônico. "Nesses quinze anos em que eu dou corda no relógio antigo, nunca vi esse mais novo funcionando. Parou no tempo", afirma Ávila.
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