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No acampamento 1º de Agosto, em Cascavel, a infra-estrutura é precária. Falta água e energia. Enquanto isso, na Copavi, em Paranacity, jovens acessam a internet no telecentro do assentamento | Fotos: Daniel Castellano/Gazeta do Povo
No acampamento 1º de Agosto, em Cascavel, a infra-estrutura é precária. Falta água e energia. Enquanto isso, na Copavi, em Paranacity, jovens acessam a internet no telecentro do assentamento| Foto: Fotos: Daniel Castellano/Gazeta do Povo
  • Acampamento 1º de Agosto, em Cascavel - Cerca de 400 famílias sobrevivem de pequenas roças enquanto esperam a regularização fundiária
  • Assentamento Dorcelina Folador em Arapongas - 93 famílias produzem leite, hortaliças e café orgânico
  • Assentamento Copavi em Paranacity - 22 famílias trabalham na Copavi com derivados da cana e leite

Paranacity - Uma dúvida tem afligido os membros da Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória (Copavi), em Paranacity, região Noroeste do estado. A produção dos derivados da cana, como o açúcar mascavo, o melado e a cachaça, não tem acompanhado a demanda dos clientes. Tudo o que se produz é vendido. E ainda falta mercadoria para atender os compradores. Para aumentar a produção, as 22 famílias associadas à Copavi cogitam contratar mais funcionários. É aí que começa a indecisão.

Atualmente a Copavi tem cinco funcionários que auxiliam no corte e na colheita da cana. O serviço é pesado, mas o salário é pago em dia, com carteira assinada. A necessidade de contar com gente de fora surgiu há cerca de dois anos. À época, como agora, o trabalho das famílias no sistema coletivo da cooperativa não garantia mais o nível de produção que o mercado exigia. Houve reunião e divergências. Explica-se. A Copavi é formada por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) que ocuparam uma antiga plantação de cana em janeiro de 93 e, cerca de um ano depois, ganharam a posse da terra.

Lá atrás, o pessoal que hoje organiza a cooperativa com eficiência e método, esteve acampado em beira de estrada, debaixo de lona preta. Nada mais natural. Os integrantes da Copavi são alguns em uma legião de agricultores, que, desde a década de 80, vêm sendo formados ideologicamente pelos setores ditos progressistas da Igreja Católica, como a Patoral da Terra e a Teologia da Libertação, junto ao tradicional marxismo acadêmico. Nesse universo, não existem muitos meio-termos. Lucro é mais-valia e mais mais-valia é uma forma de dominação na luta de classes. "Inicialmente houve um desconforto por parte do pessoal. Estar no papel de patrão parecia ir contra nosso histórico de lutas", explica o secretário-geral da Copavi, Alex Verdério, 26 anos.

Apesar do desconforto, a decisão foi tomada e os funcionários contratados. A produção aumentou e novamente é necessária mais mão-de-obra. Mais gente será contratada e os sem-terra vão ser mais patrões ainda. Hoje eles são a segunda força econômica de Paranacity. Perdem apenas para uma grande indústria de açucar e álcool. A Copavi vende 25 toneladas de açúcar mascavo por mês para o Rio de Janeiro, Minas Gerais, Mato Grosso, São Paulo e Paraná. A cachaça produzida ali é vendida no mercado interno e está sendo exportada para a Espanha e a França. Uma nova caldeira está sendo comprada, o que vai permitir maior autonomia de produção. Novos depósitos serão construídos. Tudo para atender um consumidor que o pessoal da Copavi não conhece, nem chama de companheiro. Uma cooperativa de agricultores de uma cidade de menos de 10 mil habitantes consegue vender açúcar mascavo para moradores das metrópoles que querem cuidar da saúde e cachaça para europeus interessados no gosto brasileiro. Sai Marx e entra a mão invisível do mercado. A globalização, sempre na alça de mira dos sem-terra, garante um faturamento de R$ 75 mil mensais para a cooperativa. "Apesar do posicionamento ideológico das suas lideranças, os assentados do movimento enfrentam uma realidade social e econômica capitalista e de mercado e têm de produzir segundo essas regras. Quem faz isso sai ganhando", explica o professor de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ricardo Oliveira.

As regras do mercado garantiram computadores e acesso à internet para as crianças do assentamento, faculdade particular para os jovens e uma casa de material de 110 metros quadrados, bem mobiliada, com eletrodomésticos e uma geladeira cheia para João Alberto Cardoso, 56 anos. Na Copavi, Cardoso é responsável pela saúde das vacas leiteiras do assentamento (além dos derivados da cana, a Copavi tem uma marca própria de leite). Com a bandeira do MST estendida na varanda, ele planeja mais uma reforma na residência. "Espero aumentar essa garagem."

Barracos de madeira

A realidade de Cardoso, porém, ainda é uma exceção entre as 17.077 famílias assentadas no Paraná. São poucos os assentamentos que conseguem garantir mais do que a simples subsistência para as famílias. A produção orgânica de café e o leite no Dorcelina Folador, em Arapongas, Norte Central Paranaense; e a erva-mate em Santa Maria do Oeste, no Centro-Sul, ainda não constituem a regra dos projetos de reforma agrária no estado.

"Para um assentamento dar certo, não adianta só desapropriar a área. É preciso uma série de fatores para que as famílias obtenham sucesso, passem a pensar como agricultores e deixem de seguir a lógica de sem-terra", diz o advogado e professor da Faculdade Curitiba, Valdemar Bernardo Jorge.

A ordem vigente na reforma agrária ainda é a do barraco de madeira, da falta de infra-estrutura e da baixa produtividade. É o cenário do acampamento 1º de Agosto, em Cascavel. Há quatro anos, cerca de 400 famílias esperam a regularização fundiária da área. Vivem em casas de madeira, sem água e sem luz. As plantações resumem-se a algumas hortas e árvores frutíferas. Falta produtividade, mas sobra ideologia. Boné de Cuba na cabeça, Valdivino Ferreira de Jesus, 43 anos, coordenador do acampamento, proíbe a reportagem de conversar com as famílias acampadas. No escritório do 1º de Agosto, há um recorte de um artigo sobre o socialismo na Venezuela. Na parede da escola, um desenho do sempre presente Che Guevara. Entre Paranacity e Cascavel há um longo caminho.

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