A manutenção do patrimônio histórico e cultural de uma população depende de doações. Elas chegam a compor cerca de 70% de acervos de museus e bibliotecas. Apesar da importância que esse gesto tem, não são todos os objetos oferecidos que são aproveitados e armazenados. Há peças que são descartadas por não se encaixarem ao restante dos acervos. A falta de espaço e o custo de manutenção também são fatores que pesam sobre o pente-fino.
A coordenadora do Sistema Estadual de Museus, Eliana Moro Reboli, conta que, em um primeiro momento, a maioria das famílias tenta vender peças que consideram valiosas. A doação acaba surgindo quando o plano inicial não se concretiza.
Mesmo que nem todas as peças sejam aceitas, ela ressalta a importância de destinar o material para museus e bibliotecas. "Às vezes, as famílias têm um acervo precioso, mas não têm condições adequadas para preservá-los", comenta. "Esse repasse é muito importante para que se preserve a memória artística e histórica do estado", acrescenta.
Regras precisam ser seguidas pelas equipes dos museus para que o espaço não se torne um depósito de antiguidades. "Existe todo um trabalho técnico para ver se há condições de a obra ser incorporada ao acervo. Cada peça tem um custo de manutenção para o museu", conta Eliana. Após a análise, a peça passa pelo aval de um conselho que decidirá se ela é significativa para a coleção do museu e merece ser preservada. "A partir do momento que entrar para o acervo, não sai mais. Ganha uma numeração e vai para o livro-tombo", explica a coordenadora.
A mesma política é adotada no acervo municipal de Curitiba. "Nem sempre conseguimos aceitar todas as doações que aparecem. Depende muito do acervo, da pertinência para o patrimônio cultural", conta a diretora do patrimônio da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), Valéria Marques Teixeira. Ela conta que o artista curitibano Poty Lazzarotto está entre os maiores doadores de obras para a cidade. Cedeu um acervo com cerca de 5 mil peças, entre livros, obras de arte sacra, mobiliários e obras de arte de outros artistas, como quadro de Di Cavalcanti e duas gravuras de Picasso. Coleção que incentivou a criação do Museu Metropolitano de Arte (Muma).
Estima-se que cerca de 70% dos acervos de museus sejam compostos por doações. O restante é comprado ou exposto por meio de comodato (quando coleções particulares são expostas com custeio do poder público). "Quase tudo acaba vindo por doações, mas o museu precisa ter credibilidade dentro da comunidade em que está inserido para recebê-las", afirma Eliana. Valéria explica que cerca de 25% do acervo de 400 mil fotografias e negativos foi doado ao município. Já a coleção de 15 mil livros e publicações raras foi 85% cedida por outras pessoas.
Dentre os 317 espaços mantidos pelo governo estadual, o Museu Paranaense é o mais procurado para receber doações. Foi para lá que o folclorista e professor aposentado da Faculdade de Artes Inami Custódio Pinto, 80 anos, enviou cerca de 50 peças do folclore paranaense, como uma viola com mais de 200 anos e artefatos de cerâmica. "Esse tipo de peça tem grande importância para sabermos como nossos antepassados trabalhavam. Devemos cultuar o trabalho que tiveram com suor, sangue e lágrimas", afirma Pinto. "A produção deixou de ser artesanal e virou industrial. Os instrumentos fabricados em série deixaram de ser folclóricos e artesanais. Nossa vida hoje é automática."
Contudo, o folclorista lamenta não ter conseguido doar todo o acervo que estava guardado na casa de sua mãe. Eram mais de 2 mil peças armazenadas em cinco cômodos da residência. "Tinha um amor tremendo àquilo. Quando mamãe morreu, tive de mudar para um apartamento e não consegui levar comigo", relata. "Muita coisa apodreceu porque nem de graça as instituições queriam." O único acervo mantido por Pinto, hoje, é uma coleção de vídeos e arquivos de áudio que retratam tradições folclóricas, como o fandango, a extinta dança de São Gonçalo e cultos de candomblé. O material está disponível para escolas e instituições culturais.