A comida como o último elo de um povo com suas raízes étnicas. Essa é a análise da doutora em História Juliana Reinhardt que estuda a imigração alemã no Brasil, comida e identidade. Em seu mais recente livro, “Alemães, comida e identidade: uma tese ilustrada”, a pesquisadora mostra de que maneira uma alimentação típica e histórica resiste ao tempo e é preservada desde o fim do século 19 em território brasileiro. Para isso, ela focou nas tradições e nos sabores germânicos no Paraná.
Depois dos portugueses, os alemães foram os primeiros imigrantes a se instalar no Paraná. A primeira colônia imigratória formada na então província – em Rio Negro, no ano de 1828 – era formada justamente por quase 200 alemães. Na capital do estado, a entrada dos alemães se intensificou em 1886. Em 1939, eles já correspondiam a 13% da população curitibana.
Idioma
Ainda hoje o culto na Igreja de Cristo é realizado em alemão. Segundo a pesquisadora, somente dois anos atrás é que também se abriu um novo horário para que a cerimônia fosse em português. “A maioria das pessoas que frequentam acabam sendo com mais idade”, afirma.
Por décadas, o idioma, as vestes e demais costumes desse povo ocupavam as ruas da cidade. Mas, com o ingresso do Brasil na 2.ª Guerra Mundial em 1942 contra os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), a perseguição a imigrantes e descendentes dessas etnias se intensificou em todo o estado. Em Curitiba, a ordem era deter os que falassem em alemão e que possuíssem revistas ou livros em outro idioma que não o português.
Foi nesse contexto que a alimentação se tornou a principal ligação dos imigrantes e descendentes com a identidade cultural alemã. Segundo Juliana, como as pessoas não podiam se manifestar culturalmente de outra forma, a comida foi um meio encontrado pelos alemães na época de manter alguma sensação de pertencimento à terra natal. “Não podiam mostrar o pertencimento à Alemanha de outra forma. Era a alimentação que fazia essa ligação com a raiz cultural.”
Serviço
Livro: ‘Alemães, comida e identidade: uma tese ilustrada’
Autora: Juliana Reinhardt
Editora: Máquina de Escrever
Preço: R$ 90
Perseguidos nos anos 40, os descendentes de alemães usavam os encontros em torno da mesa para degustarem e recordarem os sabores da terra natal. “Eram realizados encontros e celebrações dentro das casas dos imigrantes em que os pratos principais sempre eram de origem germânica”, relata a historiadora
Identidade
Juliana explica que em qualquer grupo étnico migratório a história tende a se repetir: influências de outras culturas fazem com que o idioma e as vestes originais, por exemplo, se “percam” com o passar das gerações. “Mas a alimentação é o último traço que pode se perder. É uma questão afetiva. As pessoas sentem a necessidade de se identificar com alguma coisa. E a alimentação é uma forma de identificação cultural.”
“Nem sempre a comida típica é tradição culinária”, diz historiadora
A historiadora Juliana Reinhardt faz uma ressalva quanto à comida típica: nem sempre ela desperta um sentimento que não seja o de prazer ou saciedade. Quando isso ocorre, não se estabelece uma relação direta com a cultura e a tradição culinária.
Juliana dá um exemplo. Quando um descendente de alemão come um strudel – doce típico da cozinha alemã – em uma festa familiar, é possível caracterizar esse ato como uma forma de tradição culinária. Agora, se esse mesmo doce for oferecido a outra pessoa como um prato típico alemão, ele assume não só a função de uma tradição culinária, mas também a de um elemento que expressa uma cultura étnica para os demais grupos culturais.
Na visão dela, a alimentação é carregada de simbolismos históricos e culturais com capacidade de ser uma espécie de mantenedora de traços e raízes étnicas. “É uma forma também de ser um contraponto ao caminho de globalização onde tudo parece ser igual. Valorizando, assim, o que temos de cultura e que nos identifica enquanto um grupo. A comida é uma forma de os descendentes reorganizarem suas identidades étnicas”, ressalta.
Livro é resultado de tese de doutorado
O livro “Alemães, comida e identidade: uma tese ilustrada” é o resultado da pesquisa de doutorado da historiadora Juliana Reinhardt. Formada em Nutrição, ela se encantou pelo simbolismo cultural da alimentação. Cursou o mestrado na área de História e continuou no mesmo ramo no doutorado.
Para fazer o trabalho, a autora conversou com mulheres de origem alemã das comunidades luteranas da cidade. Livros de culinária, cadernos de receita, periódicos e revistas encontrados nos arquivos das famílias entrevistadas também serviram como fonte de pesquisa.
Os descendentes de alemães em Curitiba são o foco de pesquisa de Juliana desde o mestrado, quando ela estudou a tradição de se fazer e comer a broa de centeio da Padaria América. Dessa vez, Juliana optou em pesquisar os protestantes por terem, segundo a própria pesquisadora, sido mais perseguidos durante a 2.ª Guerra Mundial. “Se os alemães católicos eram muito perseguidos, os luteranos eram ainda mais excluídos.”
A historiadora relata que inicialmente os ritos luteranos eram realizados em alemão, mas que isso teve de mudar durante a guerra. “O culto foi completamente modificado e os hinos, que só existiam em alemão, tiveram de ser traduzidos de uma hora para outra.
O livro “Alemães, comida e identidade: uma tese ilustrada” foi publicado pela Editora Máquina de Escrever e tem incentivo da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Curitiba. A publicação ainda conta com patrocínio da Celepar.
Investida da PF desarticula mobilização pela anistia, mas direita promete manter o debate
Como a PF costurou diferentes tramas para indiciar Bolsonaro
Como a PF construiu o relatório do indiciamento de Bolsonaro; ouça o podcast
Bolsonaro sobre demora para anúncio de cortes: “A próxima semana não chega nunca”