Quem circula por União da Vitória, Sul do Paraná, e Porto União, em Santa Catarina, e não conhece as cidades, divididas geograficamente por trilhos desativados de trem, pode mudar de estado e município sem perceber. A divisão se deu justamente por um dos maiores conflitos sociais do Brasil, no século 20, a Guerra do Contestado. Mas tem histórias que só são possíveis de serem contadas juntando as duas cidades novamente.
É o caso da 1.ª tragédia com avião em missão militar na América, que ceifou a vida do piloto Tenente Ricardo João Kirk, em 1.º de março de 1915. O fato ocorreu em território paranaense à época (União da Vitória na ocasião, hoje General Carneiro), na região do Rio Jangada, mas o velório e sepultamento do piloto foi em território que passou a ser catarinense após o final dos confrontos.
No último dia 12 foi inaugurada a réplica do avião pilotado por Kirk, modelo Morane Saulnier Parasol L, que, supostamente, colidiu com um pinheiro. O voo visava reconhecimento de redutos sertanejos na região do conflito. O aeroplano possui dimensões similares ao original e passou a compor a Praça Capitão Ricardo João Kirk, em frente ao 5.º Batalhão do Exército de Combate Blindado (5.º BE Cmb Bld) – Batalhão Juarez Távora – em Porto União, sendo parte da programação dos 98 anos de fundação da cidade.
O resgate histórico
A ideia de recriar o avião nasceu na Universidade do Contestado (UnC) campus de Porto União, encabeçada pelos professores Aluízio Witiuk e Marcelo José Boldori. A proposta inicial era de construir um modelo reduzido, 50% do original, para o desfile de 7 de setembro de 2015.
Contudo, Witiuk sugeriu uma nova perspectiva: reproduzir a aeronave, em tamanho igual ao do acidente, e colocá-la na Praça do Contestado, que fica exatamente ao lado da divisa dos dois estado e municípios. A iniciativa foi acatada e virou projeto de extensão da UnC, com busca de dados para a construção. O intuito era homenagear o Patrono da Aviação do Exército Brasileiro, Capitão Kirk. O projeto foi apresentado ao comando do 5.º BE Cmb Bld, que se tornou parceiro. Também se juntou ao grupo o professor Roberto Pedro Bom, que passou a ser o maestro na construção do modelo, devido aos conhecimentos em engenharia e o acesso às plantas originais do avião.
O trio recebeu, ainda, o apoio, em 2013, do ex-comandante do 5.º BE Cmb Bld, Coronel Edilson Silva de Oliveira, e o auxílio da prefeitura de Porto União, para a infraestrutura do local. Ao assumir o comando depois, o Coronel Carlos Eduardo Franco Azevedo deu continuidade à parceria.
O passo seguinte foi iniciar a construção das peças do avião. Para isso, o grupo utilizou a marcenaria do Centro Universitário de União da Vitória (Uniuv) e foi, com trabalho voluntário e doações, compondo a réplica. O professor Witiuk salienta que a proposta se baseia num tripé: resgatar, preservar e socializar a história do Contestado. “Estamos muito felizes por concretizar esse projeto e disponibilizar para a comunidade”, comemora. Boldori, por sua vez, relaciona fatos de infância com a aviação e Kirk. “Desde pequeno meu avô contava essa história e agora podemos ver parte dela representada nesse aeroplano que construímos com nossas próprias mãos e a ajuda de inúmeros colaboradores”, acrescenta.
Na visão do Exército, de acordo com o Coronel Franco Azevedo, o avião representa a história e enaltece a região, valorizando Kirk como heroi militar, vitimado pela Guerra do Contestado.
Outro colaborador, Pedro Bom afirma que a réplica consolida a historia do precursor da aviação no Brasil. “Estamos, simplesmente, homenageado o Kirk”, observa.
Sobre o projeto, o professor (e engenheiro) explica que o monomotor teve apenas uma alteração em relação ao original: o sistema aerodinâmico foi desenvolvido, ‘com asas um pouco mais grossas’, o restante preservou as mesmas dimensões e estruturas do original, com envergadura de, aproximadamente, 12 metros e profundidade de 6 metros.
Quem foi Capitão Kirk e como se deu o fato
O primeiro registro do uso de avião em combate, reconhecido oficialmente, é de 1911, na contenda entre Itália e Turquia. Antes disso, em 1910, o brasileiro Gastão de Almeida, importou um avião e realizou o primeiro voo em terras brasileiras. Nascido em Campos dos Goytacazes/RJ, em 1874, Ricardo João Kirk foi para a Escola Militar e se entusiasmou com a aviação, voando pela primeira vez em Nova York, com aeronave pilotada por Roland Garros.
Em seguida, Kirk recebeu instruções de voo do piloto italiano Ernesto Darioli e cursou a École d` Aviotion d` Ètampes, na França, recebendo seu brevet em 22 de outubro de 1912 e sagrando-se o primeiro aviador militar do Brasil. Em abril de 1914 recebeu a missão de comprar aviões para o Aeroclube Brasileiro.
Cinco meses depois, o comandante geral da Força Federal, general Fernando Setembrino de Carvalho, solicitou o uso de aviões na Guerra do Contestado ao ministro da Guerra, general Vespasiano Gonçalves de Albuquerque e Silva.
Autorizado, Kirk, junto do instrutor Darioli, partiu do Rio de Janeiro, via ferrovia, com quatro aviões Morane Saulnier e um Blériot, desmontados. Durante a viagem, duas baixas: o Blériot e um Morane explodiram ao serem atingidos por fagulhas de fogo, gerados pela locomotiva.
Chegando em União da Vitória, o primeiro passo foi criar um campo de pouso e um hangar, nas proximidades da atual Catedral Sagrado Coração de Jesus e do campus da Universidade Estadual do Paraná (Unespar). O Coronel Amazonas de Araújo Marcondes (um dos fundadores da cidade) auxiliou nesse trabalho.
Após ficar pronta essa estrutura, Kirk e Darioli retornaram para o estado fluminense em busca de suprimentos para aviões e trouxeram, também, o mecânico Zanchetti Francesco, com peças de manutenção para suas aeronaves.
De volta ao Sul do Paraná, em 4 de janeiro de 1915, os pilotos realizaram o primeiro voo na região. Em seguida foram realizados novos voos de reconhecimento e programado, para 1º de março de 1915, outra missão militar mais ampla. Antes disso, em 25 de fevereiro, em manobra de apoio, Kirk sofreu um acidente, destruindo uma das aeronaves, batizada de General Setembrino, ao realizar um pouso forçado.
O fato não intimidou o aviador que manteve o plano e embarcou na aeronave chamada de ‘Iguaçu’, da mesma forma que Darioli, com intervalo de decolagem de dez minutos, entre um e outro.
De acordo com relatos de época, sem boas condições de visibilidade. Darioli teve pane no motor do avião, batizado de Guarani, e retornou para o local de partida. Kirk não retornou e somente horas mais tarde uma informação vinda da Colônia Gomes Carneiro deu conta de relatar a queda do avião na região do Rio Jangada e a morte do piloto.
Após a morte, o aviador passou de Tenente ao posto de Capitão. Seu corpo foi velado na Igreja Matriz de Porto União e sepultado no cemitério municipal.
Em 1943, os restos mortais de Kirk foram recolhidos e levados para o Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. Nesse local permaneceu até 1996 quando foi transferido para o Comando de Aviação do Exército, na cidade paulista de Taubaté.
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