Em 2012, o Rio de Janeiro teve sua paisagem classificada pela Unesco como patrimônio da humanidade. Em 2015, quando completa 450 anos, a cidade trabalha para que outro cenário conquiste o título, mas não pela beleza.
O Cais do Valongo representa o Brasil como o lugar em que mais desembarcaram africanos escravizados no mundo entre os séculos 16 e 19: cerca de 5,5 milhões, ou 40% do total. Ao Rio chegaram quase 3 milhões. E à região do Valongo, perto de 1 milhão.
“Estamos falando do maior porto escravagista da história”, ressalta o antropólogo Milton Guran, coordenador do grupo que prepara o dossiê da candidatura.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) marcou um parecer para setembro, ganhando tempo para receber uma avaliação preliminar do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), associação que auxilia a Unesco. O resultado sairá em fevereiro de 2016.
“Temos que mostrar o que significa aquela região, em que os africanos passaram a viver e onde nasceu o samba carioca”, diz a presidente do Iphan, Jurema Machado.
Em 1774, o vice-rei, Marquês de Lavradio, determinou que os escravos deixassem de “entrar na cidade através das principais vias públicas, não apenas carregados de inúmeras doenças, mas nus”. Eles passaram a ser levados dos navios negreiros para o Valongo de bote.
A região faz parte, hoje, do centro do Rio, mas era então considerada um subúrbio.
Em 1811, com a corte de dom João VI instalada na cidade havia três anos, construiu-se um cais na área. Em 1831, o tráfico foi proibido pelo Império. Desembarques clandestinos continuaram a acontecer, mas em outros lugares.
A chegada de Teresa Cristina de Bourbon para se casar com dom Pedro II foi a senha para que se aterrasse o Cais do Valongo, ícone escravista que não deveria ser exibido numa terra que se desejava civilizada. Sobre ele surgiu o Cais da Imperatriz, onde a princesa napolitana desembarcou em 1843.