Os ”loucos” do século 19 que perambulavam pelas ruas de Curitiba e se misturavam à paisagem urbana chegavam a parar atrás das grades se tivessem surtos psicóticos. Encarcerados com bandidos e desordeiros, muitas vezes eles saíam da Cadeia Civil da cidade, na Praça Tiradentes, e iam dias depois para a Santa Casa de Misericórdia.
Tratados também como “alienados mentais” pelas autoridades da época, no hospital eles ficavam internados em seis quartos especiais de contenção, sem tratamento adequado, e novamente “soltos” para as ruas da capital do Paraná.
Muitos deles eram alvos de chacotas e sobreviviam de doações. Alguns viam seus nomes ou apelidos publicados em jornais da época por provocarem algum tipo de perturbação na ordem social, como foi o caso de uma senhora chamada de “Maria Balão”, que vivia nas ruas.
O livro
Jardim Patológico é adaptação da tese do Maurício Ouyama ao curso de Pós Graduação em História pela Universidade Federal do Paraná e publicado pela Editora Máquina de Escrever. O livro, que foi publicado em dois volumes, custa R$ 100 e pode ser encontrado nas Livrarias Curitiba.
Apenas quase quatro décadas depois de o Paraná emancipar-se de São Paulo e virar um território autônomo, surgiu a preocupação em montar uma estrutura específica para tratar os doentes mentais. Segundo o doutor em História, Maurício Ouyama, que lançou recentemente o livro Um Jardim Patológico , até então não se pensava em nada a respeito. O primeiro hospício, como era chamado na época o hospital psiquiátrico, foi fundado no Brasil em 1852 na então capital do Brasil, Rio de Janeiro.
“Em 1890 começou a surgir a ideia de um hospício em Curitiba e quem encabeçou a discussão foi o provedor da Santa Casa, Dom Alberto Gonçalves”, relata Ouyama. A ideia defendida por Gonçalves era de que um hospital, denominado na época também de “asilo de alienados”, poderia curar os pacientes apenas se fosse um ambiente em que as regras sociais tivessem que ser estritamente respeitadas pelos pacientes.
O modelo adotado na capital paranaense era semelhante ao proposto por Philipe Pinel em 1793, na França, propondo uma nova lógica para a tutela: o tratamento moral e educativo. Assim como Pinel, o hospício de Curitiba apostava que a imposição da ordem e de regras socais seria o caminho para o tratamento da doença mental e o isolamento era necessário para a recuperação e socialização.
Após debates com o poder público e fazer campanhas por doação e loterias para angarias fundos, Gonçalves conseguiu ver em 1896 o início da construção do Hospício Nossa Senhora da Luz, a primeira instituição psiquiátrica do estado. Inaugurado em 1903, o hospício funcionou no local até 1907, quando deu espaço ao Presídio do Ahú. Nesse ano, o Nossa Senhora da Luz mudou-se para a atual sede na Avenida Marechal Floriano Peixoto. “Foi algo muito marcante para a história da cidade, que até então não tinha espaço para os doentes mentais”, relata o autor do livro. A partir daí a loucura começou a ser tratada como uma “doença especial”, que merece tratamento distinto e específico.
Alas
O Hospício Nossa Senhora da Luz foi idealizado para possuir quatro alas destinadas a internar pacientes distintos. A ideia era implantar no Hospício Nossa Senhora da Luz o modelo hospitalar francês, com uma ala era para os que tinham mania, demência, idiotia e melancolia. Mas na prática nunca conseguiram instaurar essa racionalidade dentro do hospital.
Médicos tinham pouco poder na instituição
O autor do livro Jardim Patológico, Maurício Ouyama, ressalta que nos primeiros anos de funcionamento do hospital os médicos tinham pouco poder na instituição Nossa Senhora da Luz – que passou a ser denominado de hospital psiquiátrico apenas em 1940. Além disso, mesmo com o espaço, os doentes mentais continuavam sendo levados, em algumas situações, para a prisão.
“As práticas hospitalares que conhecemos hoje vem aos poucos e começa a se consolidar só na década de 40”, revela Ouyama.
Na fase pioneira da instituição, os médicos lutavam para que eles tivessem o direito de definir o que seria melhor para os pacientes.
O tempo de internação dos pacientes variava. “Alguns ficavam internados por tempo quase indeterminado e outros não”, afirma o historiador. Ele explica ainda que na época o hospício era visto como uma espécie de “salvação” para os doentes mentais.
Ele ainda reforça que práticas mais polêmicas, como lobotomia ou eletrochoque, começam a ser adotados a partir da década de 50. “Nos primeiros anos, a aposta era em um tratamento moral, com imposição de regras e costumes”, afirma.
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