Autor da mais completa obra sobre um dos principais personagens da história brasileira, o jornalista Lira Neto é taxativo: Getúlio Vargas foi um homem marcado pela contradição. Revolucionário, ditador, líder nacional-desenvolvimentista e pai dos pobres. Essas são algumas das faces que compõem a biografia do ex-presidente do Brasil.
Lira Neto, que pesquisou durante seis anos a vida de Vargas, diz que ele pode ser adjetivado de qualquer coisa, menos de corrupto. “Getúlio fazia tudo pensando realmente que estava fazendo o melhor para o país”, afirma.
Neto esteve em Curitiba nessa semana participando do lançamento local de sua obra Getúlio, em três volumes. Ele também proferiu uma palestra no Graciosa Country Club, com a colaboração do Unibrasil Centro Universitário e França da Rocha & Advogados Associados.
Leia os principais comentários de Neto acerca da vida política de Vargas:
Contradições
O que é impressionante no Getúlio é exatamente essa capacidade que ele teve de assumir várias personas durante diferentes momentos da sua trajetória política e da sua trajetória pessoal. Qualquer tentativa de buscar uma simplificação, de uma definição definitiva e taxativa é temerária, porque o que define o Getúlio é justamente as suas contradições. O que é fascinante no Getúlio é essa capacidade que ele tem, inclusive tantos anos, tantas décadas após a sua morte, de continuar despertando paixões tão extremadas. Há getulistas absolutamente devotos e há anti-getulistas absolutamente radicais.
A gente costuma a se referir a três Getúlios: o Getúlio revolucionário, esse é inclusive o tema da nossa conversa hoje...o Getúlio Revolucionário, o Getúlio Ditador e o Getúlio Democrata Nacional-Desenvolvimentista. O Getúlio não foi três homens, o Getúlio foi um só e ele assumiu esses papeis em determinados momentos diferentes, mas tem uma lógica interna que estabelece esses movimentos que parecem contraditórios.
Inspiração política
Quais são as matrizes ideológicas do Getúlio? O que foi que gerou o político Getúlio? O Getúlio foi gestado no Rio Grande do Sul, sob a égide do chamado castilhismo, que era o regime instaurado por Júlio de Castilhos, o grande republicano do Rio Grande do Sul e depois sucedido por Borges de Medeiros, por isso que a gente fala de borgismo e castilhismo. O que é que era o borgismo e castilhismo? Eles eram positivistas e, portanto, eles acreditavam que a sociedade para atingir um grau de evolução mais avançado, ela precisava passar pelo o que eles chamavam de “ditadura científica”. O que era a ditadura científica? Eram pessoas ilustradas, que tinham não só o direito, mas o dever e a obrigação de se tornarem ditadores. Por que “ilustrados”? Para que as massas fossem conduzidas por esse líder para o seu devido destino histórico.
Então, era uma visão paternalista, de cima para baixo, e que vai acompanhando Getúlio em toda a sua trajetória. O Borges passou ¼ de século no poder no Rio Grande do Sul com reeleições sucessivas. Eles achavam que a alternância de poder era prejudicial ao próprio desenvolvimento da sociedade. Então, mais um traço que a gente vai identificar no Getúlio mais tarde. Democracia para eles era inclusive um mal, eles diziam isso textualmente.
Flerte com o fascismo
É daí que vem a aproximação de Vargas com governos fascistas. O Getúlio vinha nessa perspectiva deste caldo de cultura política, e que inclusive o legislativo no Rio Grande do Sul praticamente não existia. A Assembleia dos Representantes, o equivalente à assembleia legislativa hoje, se reunia uma vez por ano só, e só para aprovar o orçamento do executivo. Getúlio chega à presidência da República com esse background. Junta-se a esse background o contexto de época. Que contexto de época era esse? O momento em que os Estados Unidos, em 1930, estavam mergulhados na crise, na grande depressão. Grandes executivos falidos, o sistema político corrompido. Então, qual era a conclusão que se tinha de um observador daquele momento? Faliu esse sistema, a democracia não deu certo. Se a democracia faliu qual outra forma para gerir a sociedade? Qual o antônimo de democracia? Ditadura. A ditadura surge como uma grande novidade, como a panaceia dos males provocados pela democracia. Surge na Europa, os governos totalitários. Eram os caras que iam trazer a modernidade. Franco, na Espanha, Hitler, Salazar, em Portugal, Mussolini, Tito. Getúlio se une a esse cenário e diz é aí que eu vou.
Em 1929, quando candidato à presidente um repórter pergunta qual era a inspiração política “na revolução criadoura do fascismo de Benito Mussolini”. AS leis trabalhistas são inspiradoas em Mussolini. Aquilo parecia moderno. Os nazistas não tinham se mostrado ao que vieram. Primeira coisa que ele faz: fecha o congresso. Ele dizia ‘nunca trabalhei com congresso por que vou trabalhar com congresso agora? Suspende a Constituição e dá início ao ‘governo provisório’ e enquanto ‘isso eu mando’. Isso até 1934.
Entre a liberais e tenentistas
Vargas chega na presidência lastreado em duas forças principais que o apoiam que eram incompatíveis. De um lado tenentes, autoritários, que defende o exército como grande guardião da pátria e os liberais de Minas desgostos com Washington Luiz que teria rompido a política café com leite, quando um mineiro teria que ser candidato e não foi.
Mais uma deliciosa contradição de Getúlio que saiu como candidato de oposição a Washington, de quem tinha sido Ministro de Finanças e jurado fidelidade.
Logo depois da chegada ao poder, hábil construtor de consensos no RS – não repete o mesmo fenômeno entre tenentistas e liberais. Um queria o retorno da democracia e outro, a ditadura. Chega uma altura que perde o apoio dos dois e enfrenta resistência em 1932, em São Paulo, da chamada Revolução Constitucionalista, e esse movimento gera necessidade de acelerar o processo de redemocratização. Ele convoca constituinte, eleições indiretas e ganha.
Comunismo
Mas, Vargas estava louco para acabar com a democracia. Faltava um fato para justificar, pretexto para fechar o regime perante a opinião pública. Quem dá o motivo é Luiz Carlos Prestes, quando em 1935 faz uma tentativa de levante fracassado nos quartéis de natureza comunista. Em poucas horas e dias o governo jugula o movimento comunista. Aí, Getúlio acena com o perigo do fantasma comunista. ‘Se não tomarmos conta, o comunista vai tomar o poder’, dizia. Toda a esquerda vai para a ilegalidade e o regime é fechado. Decreta lei de segurança nacional e tribunal de exceção para julgar comunistas. Quem era taxado de comunista era preso e torturada até entregar alguém. Muitos morreram, enlouqueceram, as esposas eram violentadas por soldados na frente dos maridos. Números oficiais dão conta de 7 mil presos políticos. Imagina os números reais. Em 1937, tem início o Estado Novo e Vargas, que estava tão afinado com a técnica de propaganda nazifascista, cria o Departamento de Imprensa e Propaganda, que tinha 3 missões: louvar ações do governo, culto à personalidade do ditador e censurar a imprensa.
Rompimento com o nazismo
Até estourar a 2.ª Guerra Mundial, a Alemanha era principal parceiro da economia do país. Mas, Getúlio era pragmático. A Inglaterra tinha bloqueado o Atlântico e o Brasil perdeu o principal aliado econômico. Os EUA estavam temerosos que Alemanha invadisse América do Sul e queriam atrair o Brasil para o lado deles, negocia o apoio brasileiro. Como ele faz isso? Uma moeda de troca: deixa instalar bases norte-americanas no Brasil e em troca financia nossa indústria siderúrgica nacional. A cúpula do Exército brasileiro era nazista. Dutra, ministro da guerra, foi condecorado com a suástica nazista. Na hora de mudar de orientação e se aliar aos EUA, Getúlio precisou trazer o Exército com ele. Para isso, ele anuncia que os EUA iriam reequipar nosso exército e ter indústria de aço, que permite fazer armas. Repentinamente, o Exército vira democrata.
No diário, Getúlio diz “permitir que uma outra nação instale soldados, armas e base militar em nosso território é uma agressão a nossa soberania, mas os EUA hoje são uma pretola de dinheiro”. Quando acaba a guerra, os dois chefes do exército, que eram nazistas, agora dizem não tem mais lugar para ditadura e passam a defender a democracia. Os militares derrubam em 1945, Vargas.
Antes de ser derrubado, escreve uma carta de suicídio, dizendo que jamais suportará peso da derrota. Mas ele vai para São Borja, tinha plano B.
A volta
Fora da presidência, Getúlio articula sua volta. Se volta contra o então presidente Dutra. Em São Paulo, surge Adhemar de Barros, que consegue mobilizar as massas. Vargas pensa que precisa derrubar Barros. Em três eleições regionais apoia candidatos de oposição e perde. “Não tem jeito, vou me aliar a ele”, pensa Getúlio. Ele costura um pacto: Adhemar o apoia e em troca Vargas apoiará Barros em uma futura eleição. A filha de Vargas, Alzira, fica ‘P’ da vida: ‘como apoiar alguém que instalou o lema rouba, mas faz’, indagava. Vargas responde: “Filha, o acordo foi assinado, mas não fui eu quem assinei, foram meus assessores”.
Com o retorno, o cenário se inverteu. Antes quem defendia um estado forte e centralizado era a direita, os nazifascistas. Em plena Guerra Fria, a situação era outra. Nesse momento, Vargas passa a ser encarado como um homem de esquerda. O Exército fica assustadíssimo. Isso porque ele defendia o monopólio petróleo, aumento 100% salário mínimo, a leis trabalhistas. Se no Estado Novo ele usou o comunismo a seu favor, agora passa a ser acusado de ser o seu próprio fantasma.
Até 1951 a 54, o governo dele foi sitiado, com os militares planejando o golpe e todos os jornais contra ele. E tem Carlos Lacerda como grande tenor e maestro da oposição.
Atentado
Em 5 de agosto de 1954, um atentado na Rua Tonelero, no Rio de Janeiro, matou o major Rubens Vaz, da Aeronáutica e teria ferido Lacerda. A única certeza nesse episódio é que quem organizou e autorizou o atentado foi Gregório Fortunato, chefe da guarda presidencial. Vargas ficou acuado. Investigação apontaram para Gregório. “Gregório não podia ter feito essa burrada”, disse Vargas.
Lua de mel interrompida
O momento chave que Getúlio disse “agora não há saída” foi quando o arquivo de Gregório foi vasculhado pelos investigadores encontraram indícios que Gregório estaria fazendo dinheiro com o cargo com facilitação por tráfico de influência. Nesses papeis tinha um recibo de compra e venda de uma fazenda do filho de Vargas, o Manuel, chamado de Maneco Vargas. Lacerda dizia que era dinheiro sujo. Maneco estava em lua de mel em Paris lua de mel. Maneco ´é obrigado a voltar antes de viagem e confessa que vendeu o sítio a Gregório. Maneco relatou em uma carta escrita a lápis que Gregório tinha pego dinheiro emprestado de um banco tendo como avalista João Goulart. Vargas se indignou: “Você, meu filho, está com dívida de campanha pessoal de campanha, vende uma fazenda da família para conseguir dinheiro e Gregório consegue aval de empréstimo em um banco pela influência do meu ex-ministro do trabalho. Isso aqui é um mar de lama, isso é corrupção. Não aceito”.
Suicídio
A pressão já existia antes e com todas essas denúncias, o Exército exige a renúncia de Vargas. Ele disse em reunião ministerial que só saia morto do palácio. Ele sugere que irá se licenciar e exigir que tudo seja apurado. Sai uma nota na imprensa anunciando sua licença. Os militares não aceitam. Quando foi 8h da manhã do dia 24 de agosto, os familiares o avisam que os militares não aceitaram a licença. Às 8h30 da manhã se ouve o tiro e Getúlio é encontrado na cama morto com a carta de suicídio. Ele não suportaria passar para a historia como um derrotado. Frio e calculista até no momento da sua morte.
Golpe militar atrasado
O impacto do suicido foi tão forte que mesmo com militares tendo o golpe consolidado não tiveram clima para assumir devido à comoção popular. Passam 10 anos para se reorganizar e dar um golpe em 1964.
O livro de Lira Neto, pela Companhia das Letras, está à venda na maioria das livrarias. Cada um dos três volumes tem um preço, mas é possível adquirir toda a trilogia por cerca de R$ 100.
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