O visionário responsável por um dos maiores impérios industriais do Brasil Francesco Matarazzo vislumbrou um dos negócios que mudaram o futuro e influenciaram no desenvolvimento de diversas cidades do país. Ao desembarcar no Rio de Janeiro em 1881, suas duas toneladas de banha de porco que trazia da Itália naufragaram na Baía de Guanabara. O prejuízo, na época, foi imenso.
Toda banha usada no Brasil era importada e o café era o produto mais importante da economia nacional. O futuro conde optou por investir em outros produtos essenciais à mesa do brasileiro. Mesmo com o desastre ao chegar no Brasil, Matarazzo foi persistente. Primeiro teve a ideia de vender banha de porco em lata. Naquela época, boa parte do produto vinha em barricas de madeira, que muitas vezes deixavam o conteúdo estragar.
Em 1883, criou na própria residência sua primeira fábrica – uma prensa de madeira e um tacho de metal –, usados para a produção da banha. Foi graças à insistência de Matarazzo que o Brasil conheceu uma espécie de tropeirismo de porcos, os chamados “porcadeiros”.
O pesquisador Arnoldo Monteiro Bach, autor do livro ‘Porcadeiros’, publicado em 2009, conta que a prática foi adotada em todo o Sul do Brasil. No Paraná, cidades do Sul, Sudoeste, da região central e Campos Gerais eram polos de criação de porcos (como, Palmas, Pitanga, Pato Branco e Ponta Grossa).
O início
“Matarazzo incentivava os moradores de Sorocaba, cidade onde ele morava, a criar porcos. Ele comprava os animais e fazia a banha. Naquela época, não tinha óleo vegetal. Para cozinhar só com banha”, ressalta Bach. Com a ampliação dos negócios do conde, verdadeiras tropas de porcos atravessavam o estado rumo ao frigorífico que ele havia montado em Jaguariaíva nas primeiras décadas dos anos 1900. “Uma coisa começou a puxar outra e outros frigoríficos de outros empresários foram surgindo”, afirma.
Assim, a necessidade de ter mais porcos se intensificou. Apareceram durante este processo os ‘safristas’ – responsáveis por derrubar um lote de mato, plantar milho e mandar empregados a adquirir porcos magros de pequenos proprietários. Após a aquisição, cada safrista marcava os porcos para sinalizar a propriedade de cada animal.
“Eles reuniam até mil porcos e não colhiam o milho. Deixavam que os porcos fizessem o esforço para ter o alimento. Era uma forma de engordar e exercitar o animal ao mesmo tempo”, revela o pesquisador. Afinal, os bichanos precisariam ter energia.
Jornada
Por dia, as tropas percorriam de seis a sete quilômetros em jornadas que poderiam durar 60 dias ou mais. Geralmente, as tropeadas de porco eram realizadas, geralmente, entre os meses de junho e agosto. “Vinham às vezes do Rio Grande do Sul até o Paraná. Os porcadeiros ajudaram a desenvolver as cidades. A cada pouso, era necessário ter uma estrutura mínima para esses porcadeiros sobreviverem”, diz Bach.
As cenas de tropas de porcos tomarem as ruas das cidades duraram até perto de 1960, quando os porcadeiros foram substituídos por caminhões e a banha perdeu espaço para o óleo vegetal.
Pontos estratégicos
Segundo Bach, as jornadas dos porcos eram marcadas pela paciência e pela determinação dos tropeiros. Como escreve o autor, “em pontos estratégicos, comerciantes instalavam-se para receber os porcadeiros e os animais. Em grandes mangueiras, pelas quais cobravam aluguel, recolhiam os porcos e ainda vendiam a comida para alimentá-los durante a permanência no local. Em dias de muito calor, as viagens eram interrompidas, para evitar o desgaste dos animais muito gordos”.