Tomada pela miséria, parte da população sertaneja nas fronteiras entre Paraná e Santa Catarina tornam-se seguidores do monge e curandeiro José Maria. Desamparados pelo governo, os caboclos buscam a partir da figura do monge a chance de ter a cura de algumas doenças e conseguir um pedaço de terra para viver. Afinal, uma grande população de caboclos, sitiantes e ervateiros já tinha sido expulsa de suas propriedades devido à construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande do Sul.
Serviço
Livro: Pelados X Peludos – O Massacre dos Xucros.
Autor: Renato Mocellin.
Preço: R$ 38,90
Expulsos de Taquaruçu a mando do prefeito local, coronel Albuquerque, parte dos seguidores do monge se refugiam em Irani (atual Palmas)– localidade tomada por conflitos fronteiriços. As autoridades paranaenses, contudo, interpretam o ato como uma invasão de catarinenses na área, que estava em disputa entre os dois estados.
Bastou essa concentração de cerca de 200 pessoas para que o primeiro confronto do Contestado tivesse início. A chamada Batalha de Irani, em 1912, matou 21 pessoas, entre elas os chefes dos grupos em confronto – o coronel João Gualberto Gomes de Sá e o próprio monge José Maria.
Rio Iguaçu, na então cidade de Porto União da Vitória.IHGPR / Reprodução
Foi o estopim para que ao longo de quatro anos – de 1912 a 1916 – a Guerra do Contestado deixasse cerca de 10 mil mortos. A população cabocla da região, que era profundamente mística e praticante de um catolicismo rústico, foi praticamente exterminada nesse período.
Uma guerra que poderia ser evitada caso o poder político dos tempos da República Velha tivesse como objetivo a justiça social. “A guerra só aconteceu porque havia uma injustiça social enorme na região. Os interesses dos políticos e de companhias estrangeiras estavam acima dos interesses e necessidades da população cabocla”, afirma o professor e historiador Renato Mocellin, que lançou na quinta-feira (24) o livro Pelados X Peludos – A batalha dos xucros.
Mocellin caracteriza o Contestado como uma guerra entre uma população pobre e miserável que foi duramente combatida pelas forças do governo. “Foi uma guerra de extermínio contra seu próprio povo, como se essa população fosse inimiga do Brasil”, explica.
Luta pela terra e limites entre estados foram causas da Guerra do Contestado
Leia a matéria completaToda disputa do Contestado tem como pano de fundo justamente as desigualdades sociais e o esquecimento por parte das autoridades. “Se o governo oferecesse terras para esses caboclos viverem, escolas, equipes médicas, a matança do Contestado certamente não teria ocorrido”, ressalta o historiador.
Segundo Mocellin, ainda hoje os descendentes dos caboclos que foram perseguidos durante o Contestado sofrem as consequências do conflito. “O Índice de Desenvolvimento Humano nessa região é, em geral, baixo. Esses descendentes dos sertanejos vivem em situação precária ou espremidos em pequenos lotes ou na periferia das grandes metrópoles”, ressalta o pesquisador.
Pelados
O próprio título da obra de Mocellin faz referência às distintas realidades que viviam os protagonistas envolvidos no Contestado. Geralmente se atribui o apelido ‘pelado’ pelo fato de os sertanejos terem adotado um corte de cabelo rente e usarem chapéus com fitas brancas na aba. Eles chamavam de “peludos” os seus inimigos do governo, da estrada de ferro e ligados aos coronéis. “Mas ‘pelado’ também significava quem era pobre e peludo era o opressor, que era rico”, explica Mocellin.
Reação
O historiador Renato Mocellin afirma que não há lado santo na batalha do Contestado. “O que aconteceu é que os sertanejos reagiram às ações do governo. Mas é claro que eles também radicalizaram, provocaram mortes em numa fase final do conflito chegaram a realizar saques para ter o que comer”, afirma.
Socialismo caboclo
Morto, o monge José Maria foi santificado pelos sertanejos. Reunidos em nome dele, dezenas de redutos foram formados para combater as forças militares. E nesses redutos uma outra forma de relação econômica e social predominava. De acordo com o pesquisador Renato Mocellin, essa prática pode ser comparada a um “socialismo caboclo”. “Os integrantes do movimento tinham uma visão comunitária”, comenta. O historiador escreve na sua obra, que levou dois anos para ficar pronta, que os sertanejos procuraram romper com a ordem capitalista. “Havia de certa maneira uma relativa igualdade entre as pessoas que compunham essas comunidades”, afirma.
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