Tomada pela miséria, parte da população sertaneja nas fronteiras entre Paraná e Santa Catarina tornam-se seguidores do monge e curandeiro José Maria. Desamparados pelo governo, os caboclos buscam a partir da figura do monge a chance de ter a cura de algumas doenças e conseguir um pedaço de terra para viver. Afinal, uma grande população de caboclos, sitiantes e ervateiros já tinha sido expulsa de suas propriedades devido à construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande do Sul.
Expulsos de Taquaruçu a mando do prefeito local, coronel Albuquerque, parte dos seguidores do monge se refugiam em Irani (atual Palmas)– localidade tomada por conflitos fronteiriços. As autoridades paranaenses, contudo, interpretam o ato como uma invasão de catarinenses na área, que estava em disputa entre os dois estados.
Bastou essa concentração de cerca de 200 pessoas para que o primeiro confronto do Contestado tivesse início. A chamada Batalha de Irani, em 1912, matou 21 pessoas, entre elas os chefes dos grupos em confronto – o coronel João Gualberto Gomes de Sá e o próprio monge José Maria.
Foi o estopim para que ao longo de quatro anos – de 1912 a 1916 – a Guerra do Contestado deixasse cerca de 10 mil mortos. A população cabocla da região, que era profundamente mística e praticante de um catolicismo rústico, foi praticamente exterminada nesse período.
Uma guerra que poderia ser evitada caso o poder político dos tempos da República Velha tivesse como objetivo a justiça social. “A guerra só aconteceu porque havia uma injustiça social enorme na região. Os interesses dos políticos e de companhias estrangeiras estavam acima dos interesses e necessidades da população cabocla”, afirma o professor e historiador Renato Mocellin, que lançou na quinta-feira (24) o livro Pelados X Peludos – A batalha dos xucros.
Mocellin caracteriza o Contestado como uma guerra entre uma população pobre e miserável que foi duramente combatida pelas forças do governo. “Foi uma guerra de extermínio contra seu próprio povo, como se essa população fosse inimiga do Brasil”, explica.
Toda disputa do Contestado tem como pano de fundo justamente as desigualdades sociais e o esquecimento por parte das autoridades. “Se o governo oferecesse terras para esses caboclos viverem, escolas, equipes médicas, a matança do Contestado certamente não teria ocorrido”, ressalta o historiador.
Segundo Mocellin, ainda hoje os descendentes dos caboclos que foram perseguidos durante o Contestado sofrem as consequências do conflito. “O Índice de Desenvolvimento Humano nessa região é, em geral, baixo. Esses descendentes dos sertanejos vivem em situação precária ou espremidos em pequenos lotes ou na periferia das grandes metrópoles”, ressalta o pesquisador.