Mineradora Tabiporã foi escolhida para fornecer ouro para medalhas olímpicas por não usar mercúrio.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Estreita e pedregosa, a estrada de terra serpenteia uma zona rural onde pastam vacas e ovelhas. O sol da manhã dá um tom reluzente à folhagem de araucárias, eucaliptos e pinheiros nas margens do caminho. À direita da estradinha, surge, de repente, um plano inclinado que desce até um buraco na terra, sumindo na escuridão. Aberto no meio do nada, é uma passagem para outro mundo, no qual duas centenas de pessoas trabalham no subterrâneo, onde se escondia o grande mistério da Olimpíada e da Paralimpíada do Rio: a origem do ouro usado na mais cobiçada das medalhas dos Jogos.

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Era um segredo tão bem guardado que nenhum dos atletas sabia de que lugar o metal precioso vinha. Funcionários do Comitê Rio-2016, salvo alguns diretores, também não. Poucos que trabalham na Casa da Moeda, responsável pela fabricação das 4.924 medalhas entregues no Rio, conheciam a resposta. E até moradores da cidade onde o ouro foi extraído não imaginavam que o metal tinha saído de lá. O mapa da mina parecia enterrado por piratas em uma ilha deserta, mas, no apagar da tocha, a descoberta: apesar das boas lembranças cariocas, é de Campo Largo, na região metropolitana de Curitiba, que os campeões levaram sua melhor recordação.

História do ouro no Paraná

A mineração de ouro no Brasil começou no litoral do Paraná e de São Paulo, perto de 1570, antes do início da exploração em Minas Gerais, onde as primeiras lavras foram identificadas em 1697.

Eram terras da então Capitania de São Vicente. O mais antigo mapa cartográfico da Baía de Paranaguá, de 1653, revela que havia minas por todos os lados.

Segundo o arquiteto e historiador Nestor Goulart Reis, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/USP), havia 150 minas de ouro entre São Paulo e o Norte de Santa Catarina. E, do litoral, garimpeiros avançaram para Curitiba. O morro atrás do Parque Barigui era região aurífera.

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Ao chegar a Campo Largo, percorre-se mais 50 quilômetros até uma região de nome singelo, São João do Povinho, onde a Mineração Tabiporã se instalou no início dos anos 1980. Única mineradora de ouro ativa no Sul do país, é uma empresa de pequeno porte se comparada a gigantes estrangeiras da indústria do metal que operam em Minas Gerais. Sai de suas minas menos de uma tonelada por ano, enquanto outras produzem dez vezes mais.

A Tabiporã é a menor das oito firmas habilitadas no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) do Ministério de Minas e Energia a extrair ouro no Brasil — o 11.º maior produtor do mundo, com 80 toneladas por ano. Ela foi escolhida pelo comitê organizador dos Jogos e pela Casa da Moeda especialmente por produzir ouro sem uso de mercúrio no processo, o que torna a exploração do metal menos agressiva ao meio ambiente.

O contrato entre a Tabiporã , a Casa da Moeda e o Comitê Rio-2016 foi assinado sob condição de sigilo. Na empresa, o silêncio é mantido. Surpresos ao serem procurados pela reportagem, os sócios da mineradora não concordaram em abrir as portas da empresa, nem falar sobre o fornecimento de ouro para as medalhas olímpicas. Alegando preocupação com a segurança pessoalm, preferiram o silêncio.

Cada medalha de ouro olímpica custa em torno de US$ 600 dólares e têm apenas 1,3% do metal precioso. O resto uma mistura de prata e bronze reciclados.

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Herdeiros de Gaspar

Em Campo Magro (RMC), a beira do Rio Conceição, vive a família Danrat, descendente de alemães e do homem mais famoso do Paraná na segunda metade do século 18: Gaspar Correia Leite, um dos maiores exploradores de ouro da época.

Em uma casa modesta no bairro de Conceição dos Correias, Rosemari Ribas Danrat guarda um tesouro histórico: uma lata com mais de 200 anos, naturalmente enferrujada, onde estão documentos como registros de compra de escravos, uma oração para curar dor de dente escrita em 1801 e certidões diversas, como a de óbito de Gaspar. Rosemari foi escolhida por sua sogra, Florisbela Alves de Góes, para cuidar da lata após a morte dela.

“Não herdamos nada do Gaspar além de um pedaço de terra, onde plantamos hortaliças orgânicas. Nosso ouro é essa lata”, afirma a guardiã no dia da festa da Nossa Senhora da Luz. “Gaspar trouxe uma imagem dessa santa, que nós guardamos até hoje. Reza a lenda que meu bisavô roubou o ouro que havia dentro dela, pois a santa é oca”, diverte-se ao contar.

A comunidade achava que a história era devaneio da família, mas a Igreja Católica confirmou, nos anos 1970, a veracidade dos documentos. “Já montamos três peças nas escolas de Campo Magro contando a história. Ela não pode ser esquecida”, diz Rosemari.

Até hoje há quem acredite na existência de panelas de barro cheias de ouro enterradas ao pé de araçás a mando de Gaspar, que acumulou fortuna incalculável. Contam que ele mandava matar um escravo e o enterrava junto com as panelas de barro, para proteger o ouro. Muitos acreditam que o ouro só pode ser encontrado depois da meia-noite. Até hoje, há quem procure os tesouros.

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