Tantas foram as épocas de decadência da Praça Mauá que, ninguém sabe dizer a partir de quando, os boêmios mais antigos a apelidaram de “fênix”. Como a ave da mitologia grega que renasce das próprias cinzas, a praça revivia, buscando oxigênio a cada navio estrangeiro que atracasse no Porto do Rio. Entre os anos 30 e 60, seus bares e boates ficavam lotados de malandros e marinheiros americanos, gregos, japoneses, filipinos, franceses, que pagavam em dólar pelos carinhos das centenas de prostitutas que lá trabalhavam. Sem Perimetral, sem casas noturnas, hoje a fênix voa novamente, após reinauguração no dia 6 de setembro.
“A gente tinha até vergonha de dizer que morava aqui. Além da prostituição, era perigoso e cheio de morador de rua. Eu vinha escondida, minha mãe me proibia. Hoje, dá orgulho. Já passeei até de noite com meus cachorros, nem parece o lugar onde fui criada”, diz, com lágrimas nos olhos, a dona de casa Moema Amorim, que beijou o marido pela primeira vez no meio da praça, no carnaval de 1982, fantasiada de cigana.
Cantada por Dolores Duran como uma “praça feia, mal falada, mulheres na madrugada, onde bobo não tem vez?”, na esquecida canção de Billy Blanco, a Mauá agora é admirada por visitantes deslumbrados com a amplitude de seus 25 mil metros quadrados, seis vezes maior que o tamanho original. Ali é o bairro da Saúde, onde moram 3 mil pessoas em 1.162 domicílios, segundo o IBGE. Elas vivem em ruas como Sacadura Cabral, ao redor do Largo de São Francisco da Prainha e nas franjas do Morro da Conceição. Cada morador vê os novos tempos de um jeito próprio, e nem todos pulam de alegria.
“A praça parece bonita, mas perdi 80% da visão por causa da catarata, mal consigo enxergar. O que posso dizer é que o movimento de antigamente era maior. Espero que a coisa mude em novembro, com a temporada dos navios. Dou 10 mil informações por dia, mas o povo aqui não compra nada. Vendo jornal, só querem raspadinha”, afirma o desiludido Cunha, de 82 anos, dono de uma pequena banca na praça há mais de 40.
Em pouco tempo, começam a surgir personagens com biografias muito peculiares. Parecem saídos de histórias de João do Rio. Como um Papai Noel (de profissão e apelido) que tem 85 anos, um dente de ouro e, antes de formar-se em um curso de “bom velhinho” em São Paulo, contrabandeava bebida alcoólica na fronteira com o Paraguai. Nascido em Londrina, Hugo Gonsalves mora há 20 anos na Sacadura Cabral. Paga R$ 400 de aluguel para viver em um quartinho. Ao chegar à região, rapidamente se tornou o “Papai Noel da Praça Mauá”. Para ele, o lugar “ficou cinco estrelas”.
“Sempre acordei muito cedo. Quando saía de casa, algumas vezes me deparava com gente morta na rua. Eram brigas do amanhecer, coisas de quem bebe. Nunca tive medo, pois Papai Noel tem fé. Mas hoje está muito melhor, cheio de segurança, museus, coisas do futuro”, diz, olhando para o Museu do Amanhã, em fase final de construção.
Com Rádio Nacional, local se transformou em “ponto turístico”
São muitas lembranças, muitas histórias vividas no velho logradouro. Pela Praça Mauá chegaram ao Brasil milhares de escravos e imigrantes. O local só ficou perto de tornar-se ponto turístico durante a era de ouro do rádio, pois lá ficava a Rádio Nacional, que funciona no edifício A Noite, primeiro arranha-céu da América do Sul, que padece com o abandono.
“Quando criança, minha mãe me levava com meus primos para assistir aos programas da Rádio Nacional. Na Praça Mauá, vi o zepelim alemão sobrevoar a cidade, vi um desembarque da Carmen Miranda com a praça lotada de fãs, vi Plínio Salgado gritando ‘anauê’. Sem falar na minha primeira vez, que foi com uma prostituta da Praça Mauá”, conta o artista plástico Paulo Dallier, de 83 anos, soltando uma gargalhada.
Perto de sua casa, na pequena vila da Rua Eduardo Jansen, mora Vera Lúcia Costa, de 37 anos, nascida ali mesmo. A Praça Mauá não lhe traz boas lembranças. Foi lá que seu pai morreu, de forma misteriosa. O corpo foi encontrado na Baía de Guanabara. Era um homem querido por muita gente na região e acabara de superar um câncer.
Vera se assusta ao ver que não há qualquer proteção, qualquer guarda-corpo entre a praça e o mar: “Que ficou bonita, ficou. Mas falta área de lazer para as crianças. Os idosos precisam de uma academia da terceira idade. Morador não quer só belezura”.