Pelos corredores longos de paredes ocres e friamente iluminados do quinto andar do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba (HUEC), médicos e enfermeiros de semblantes graves andam a passos apressados. Não é para menos. Os pacientes da ala exigem cuidados diários especiais. São pessoas que tiveram a vida e o próprio corpo marcados por dolorosos acidentes, envolvendo fogo, choques elétricos ou queimaduras químicas.
Com mais de 4,8 mil pacientes atendidos por ano, o Serviço de Queimados do Evangélico é referência nesse tipo de especialidade no país. "[A queimadura] é o maior trauma que o corpo humano é capaz de suportar. Desafia os médicos porque altera drasticamente toda a fisiologia do paciente. [O médico] tem que ser altamente especializado", resume o cirurgião José Luiz Takaki, que há 25 anos integra o setor de queimados do hospital.
Em média, 400 novos pacientes dão entrada na ala a cada mês. Cerca de 40 deles chegam com "grandes queimaduras", as mais sérias. Nesses casos, o setor dispõe de ao menos 30 leitos para internação e acompanhamento intenso. Cada paciente em estado grave permanece internado por um período médio de 50 dias. Cinco médicos e 40 enfermeiros e auxiliares compõem as equipes que se revezam no atendimento.
Três mil volts
Entre os internados estão pessoas como Alessandra Santos Cordeiro, de 26 anos, moradora de Guaraqueçaba, no Litoral. Internada no HUEC há mais de um mês, ela sofreu uma descarga elétrica de três mil volts, enquanto segurava uma antena que tocou na rede elétrica. "Na hora eu apaguei. Acordei na ambulância e não sentia as pernas. Eu morri e vivi de novo", define.
As roupas que Alessandra usava torraram na hora. Ela sofreu queimaduras de segundo e terceiro graus em 60% do corpo. Teve ainda amputados um anelar e o dedinho do pé esquerdo. Durante a internação, sofreu infecção e uma parada cardíaca. Recuperou-se bem e agora está prestes a receber alta. Os ferimentos, no entanto, ainda doem. "A vida é o mais importante, e agradeço por isso."
Nem todos, porém, têm a mesma sorte. A cada mês, em média, quatro pacientes do setor acabam não resistindo ao trauma e morrem índice que está dentro dos parâmetros internacionais. "Os casos nos surpreendem. Tanto que, antes do 15.º dia [de internação], não há um prognóstico preciso de sobrevida dos pacientes que chegam em estado grave", explica Takaki. "A vida do paciente queimado é como uma vela. Você nunca sabe até quando vai iluminar", completa.
Desafio é retomar a rotina após o trauma
Everaldo Aguiar, de 53 anos, traz no rosto e nas mãos as marcas do acidente que o vitimou. A caldeira da fábrica de asfalto em que trabalhava explodiu, queimando 70% do seu corpo. Ficou mais de três meses internado, sendo 24 dias na UTI, mas sobreviveu. Após a alta médica, aposentou-se. Hoje divide os dias entre a tranquilidade do sítio em que mora, em São José dos Pinhais, e o tratamento para minimizar as sequelas. Já foram oito cirurgias reparadoras no rosto. "Eu acho que aconteceu porque tinha que acontecer. A gente sempre tem que ter cuidado, mas quando é pra ser, não dá pra escapar", conclui. Ele deve ser submetido a uma nova cirurgia para tentar recuperar o movimento das mãos.
Álcool
Na Lapa, Maria Eugênia Goll Terézio, de 57 anos, também tenta reconstruir a vida após as queimaduras. Acidentou-se quando limpava a casa, com álcool líquido. Não se recorda de nada. "Para mim, era uma obsessão tentar lembrar. Tirei isso da cabeça com ajuda da psicóloga", conta. "Antes, não me olhava no espelho de jeito nenhum. Agora até olho."
Maria Eugênia parece não se importar com as cicatrizes. Ela terá que passar por cirurgias para reconstituir uma das orelhas e o nariz e para "soltar" tendões das articulações. Usou luvas e máscaras de malha por um período, mas nada disso a incomodou. A única coisa que a perturba é a reação dos vizinhos. "Meus amigos nem apareceram para perguntar se eu tinha morrido ou não. Desviavam o olhar na rua. Coisa de cidade pequena, né?", lamenta.
Pais e filhos unidos na recuperação
Os personagens de histórias em quadrinhos e bichinhos pintados na parede tentam suavizar a atmosfera do local. Em oito leitos, crianças enfaixadas tentam se recuperar de queimaduras na ala pediátrica do Serviço de Queimados do HUEC. Junto aos leitos, mães aflitas cuidam de seus filhos. "Para nós é muito cansaço e sofrimento essa situação. Não dá nem para explicar o quanto é difícil", lamenta Simone Antunes Ferreira, de 27 anos.
Quando a reportagem visitou o hospital, o filho dela, Luiz Gustavo, de 2 anos, estava internado havia 21 dias. A mãe foi atear fogo em sacolas de lixo, no sítio da família em Guaramiranga (a 200 km de Curitiba), mas o galão de gasolina explodiu, atingindo o menino e provocando queimaduras de segundo e terceiro graus no rosto, mão e nas pernas dele. "Da roupa, não sobrou nada. Precisa ver o quanto ele foi forte. Graças a Deus não aconteceu o pior", desabafou Simone.
Do outro lado da divisória estava Brian Victor, de 1 ano e 1 mês. Ele se queimou em um típico acidente doméstico: virou sobre si uma xícara de água fervente. Receberia alta naquele dia. Apesar dos curativos, o menino sorria e brincava. "Eu ainda me culpo bastante [pelo acidente]. Agora é ir embora e levar a vida adiante", confessou Fabiana Aline, de 21 anos, mãe do garoto.