Lágrimas pelo Dia dos Pais
Na véspera do Dia dos Pais, Rafael entrou na Igreja da Ordem e, como de costume, se posicionou à esquerda do templo. Segundo o funcionário do local, Alcides Andrade, o "Cobertor" parecia aflito. O rapaz se aproximou lentamente do senhor e logo foi às lágrimas. "Ele chorava muito, muito, muito. Dizia que estava com saudades de casa e que queria ver o pai", relembra Andrade, que se considera um amigo de Rafael.
O funcionário da igreja conta que conduziu Rafael até um banco, diante do qual se ajoelharam e rezaram por alguns minutos. Após a oração, o moço parecia mais calmo, segundo Andrade, mas ainda estava emotivo. "Eu dei a ele um dinheiro para que o Cobertor fosse visitar o pai. Ele ficou muito feliz e foi embora. Ficou dias sem aparecer na igreja. Acho que foi mesmo visitar a família", disse.
A foto de um mendigo de Curitiba publicada no Facebook e compartilhada mais de 35 mil vezes rodou o Brasil. Mas por trás das feições nórdicas e dos olhos azuis, o moço alto enrolado em uma manta surrada esconde um drama que escapa às redes sociais.
Rafael Nunes da Silva, de 31 anos, é usuário de drogas desde os 17 e há pouco mais de um ano perambula pelo Centro da capital paranaense, onde vive como morador de rua. O crack o fez deixar uma casa, uma família e uma carreira de modelo fotográfico. Assustados com o status de celebridade instantânea do rapaz nas redes sociais, familiares esperam que a superexposição o ajude, pelo menos, a conseguir o tão sonhado tratamento para se livrar da dependência química.
Rafael morava em Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba, com os pais e com duas irmãs. Trabalhou como vendedor e feirante, antes de se tornar modelo fotográfico profissão que exerceu por dois anos. Mas, segundo o pai, o aposentado José Nunes, o consumo continuado de drogas desestabilizou o moço e há pouco mais de um ano o jovem abandonou a família. "Ele simplesmente saiu", lamenta o pai.
A cada dois meses, em média, Rafael reaparece na casa da família, permanece por um curto período e volta a sumir sem deixar pistas. A última "visita" ocorreu há um mês. "Ele fala pouco e não conta nada sobre as ruas. Já tentamos internação, já encontramos ele andando como mendigo em Curitiba. Espero que, com tudo isso, a gente consiga internar", desabafa Nunes.
Largo da Ordem
Rafael é visto com frequência nos arredores do Largo da Ordem e da Praça Tiradentes. Ao contrário de outros moradores de rua, no entanto, ele sempre anda sozinho. "Eu conheço, mas ele não gosta de se misturar", disse um mendigo que identificou apenas como Barba.
Na Igreja da Ordem, onde comparece religiosamente todos os dias, Rafael é conhecido pelas fiéis, mas pelo apelido de "Cobertor", devido a manta que sempre carrega consigo. "Ah, o Cobertor", disseram alguns quando a reportagem mostrou uma foto do rapaz. Ele é descrito por elas como um jovem doce às vezes até infantil -, educado e de fala mansa, mas de pouca conversa.
"Ele tem porte de um soldado. É um moço muito bonito e parece ter orgulho disso. Sempre que ele me vê, ele fala: Olha, eu tenho olhos azuis!", conta a secretária da igreja, Jane Valleri.
Rafael também é velho conhecido de guardas municipais. Segundo o agente Juliano Rocha, ele costuma vagar pelo Largo, vez ou outra abordando algum passante para pedir esmola. É apontado como "um rapaz bom, que não dá problemas", mas com o típico perfil de usuário de crack: oscila momentos de relativa calma, com alterações em períodos de abstinência.
Segundo os agentes, quando parece estar sob efeito de drogas, o rapaz solta frases desconexas, grita sozinho e chega a "rolar no chão". O moço já chegou a ser flagrado pela Guarda consumindo drogas e encaminhado à Fundação de Ação Social (FAS). "Mas ele nunca deu problema. A droga é uma doença na vida dele. Ele precisa é de ajuda", opinou o guarda Rocha.
A última passagem de Rafael pela FAS foi na Casa de Acolhida e do Regresso, onde dormiu em 18 de julho. Segundo os registros, ele se apresentou espontaneamente, dizendo que queria roupa e comida. Na ocasião, o rapaz estava irritado, aparentando estar sob o efeito de drogas. O cadastro faz referência, ainda, a um transtorno mental grave de que o rapaz sofreria. Para o pai, Rafael desenvolveu os problemas psicológicos por causa do crack. "Ele não tinha nada. Isso é coisa da droga", disse.
Andanças
Na manhã desta quarta-feira (17), por volta das 9h30, Rafael foi visto na Praça do Homem Nu. Alheio à fama instantânea, foi a uma barraca de frutas e pediu uma ao feirante. "Eu disse que ele podia pegar uma fruta. Ela pegou um jabuticaba e saiu. Parecia que estava na fissura", disse o comerciante Fernando de Souza.
O morador de rua trajava calças cortadas à altura das canelas, blusa de moletom ocre e arrastava o tradicional cobertor. Segundo testemunhas, aparentava não tomar banho há alguns poucos dias. Sabe-se que, no início da tarde, passou pelo Largo da Ordem e Praça Tiradentes.
Na publicação do Facebook, a mulher que tirou a foto explicou que foi abordada por Rafael, que queria, por meio da fotografia, "quem sabe", ficar famoso. Ao menos por um dia, parece que ele conseguiu.
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