O motorista cearense Francisco Benedito de Souza, de 64 anos, recebeu, no último dia 26 de junho, uma notícia boa e uma ruim. A boa foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que o absolveu da condenação que havia recebido em 2010, da Justiça de São Paulo, por portar 3 gramas de maconha dentro da cela onde estava preso, em Diadema, no ano anterior.
A notícia ruim foi que, no mesmo dia da absolvição, a Justiça de São Paulo expediu um novo mandado de prisão contra ele, para que cumpra o restante da pena de 2 anos, 9 meses e 18 dias no regime semiaberto, por outra condenação mais recente, de 2022, por furto qualificado.
Francisco tem uma longa ficha criminal. Em 2009, quando foi flagrado na prisão com maconha, cumpria pena por condenações por receptação e porte ilegal de arma, e respondia a processos e investigações por roubo e estelionato. A última condenação, de dois anos atrás, teve poucos detalhes divulgados na consulta processual, a não ser o fato de o crime envolver um comparsa. O furto teria sido cometido, conforme a sentença, “com emprego de chave falsa”.
O mandado informa alguns endereços residenciais, de Diadema e Itu, para que a polícia o procure. Até esta segunda-feira (2), o sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que monitora as prisões em todo o país, registrava que o mandado estava “pendente de cumprimento”. No documento, está a ordem para que Francisco seja “imediatamente” apresentado à juíza que o mandou prender.
A ordem de prisão foi emitida pela juíza Patrícia Figueiredo Correia no dia 17 de junho, a partir da informação de que havia vaga no sistema penitenciário paulista no regime semiaberto – no qual, em geral, o preso pode sair durante o dia para trabalhar e volta à noite, para dormir, e fica em celas separadas de condenados do regime fechado, que cumprem penas maiores.
A magistrada escreveu que Francisco seria recolhido “em estabelecimento prisional adequado, compatível com o regime aplicado e suas condições pessoais e, ainda, se possível, mais próximo de sua família”.
Se for preso e não houver mais vagas desse tipo, a decisão diz que ele poderá ficar em prisão domiciliar e não poderá sair de casa, “salvo casos excepcionais, com prévia análise e autorização do Juízo da Execução”. Se descumprir essa medida, vai para o regime fechado. Se permanecer em casa, será monitorado com tornozeleira eletrônica.
Efeito da decisão do STF no desencarceramento é incerto
A situação de Francisco indica a possibilidade de que a recente determinação Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ de realizar mutirões para tirar da prisão condenados por porte de maconha, não tenha o efeito desejado pelos ministros da Corte. No julgamento que descriminalizou a posse de até 40 gramas da droga para consumo pessoal, vários deles chamaram a atenção para a necessidade de desencarcerar pessoas que poderiam ser classificadas como usuários, mas que foram enquadradas como traficantes.
Uma projeção recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou que a decisão do STF poderia beneficiar de 1% a 2,4% da população prisional: algo entre 8.000 a 19 mil pessoas poderiam deixar de cumprir a pena por tráfico, caso não haja qualquer prova de venda da maconha e a pessoa tenha sido flagrada com até 40 gramas.
“Alguém que tenha sido condenado sem integrar organização criminosa, exclusivamente por ter sido flagrada com 40 gramas de maconha, possivelmente pode pedir a revisão dessa condenação”, disse Barroso no dia do fim do julgamento.
No dia seguinte, o CNJ anunciou a realização dos mutirões. Segundo o órgão, há 6.343 processos relacionados ao tema que estavam suspensos aguardando a decisão do STF.
Parte deles dos presos, como Francisco, no entanto, pode estar na prisão em razão de outros delitos. Daí a dificuldade em se basear nessas projeções para prever o número de solturas.
“A pessoa pode receber a absolvição por esse crime de tráfico, mas continuar presa por outros processos. Isso de fato é muito comum. Dificilmente você tem alguém preso por um processo só, por tráfico, nessas condições. Pode existir? Claro, pode existir. Mas nós vamos ter que analisar caso a caso. Por isso o mutirão, para analisar caso a caso”, diz o defensor público de São Paulo Rafael Muneratti, que defendeu Francisco no recurso levado ao STF.
Quando Francisco foi flagrado com a maconha, dentro do presídio de Diadema, em 2019, afirmou inicialmente aos agentes penitenciários que a droga era dele, para consumo próprio. Depois, na Justiça, disse que não sabia de quem era, e que poderia ser de um dos outros 32 presos que estavam com ela na mesma cela.
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